Revisão diagnóstica para a icnoespécie de tetrápode Mesozóico Brasilichnium elusivum (Leonardi, 1981) (Mammalia) da Formação Botucatu, Bacia do Paraná, Brasil
Marcelo Adorna Fernandes1 E Ismar De Souza Carvalho2
1Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva, CCBS - UFSCar,
Via Washington Luis, km 235 - Caixa Postal 676, 13565-905, São
Carlos, SP, Brasil. mafernandes@power.ufscar.br
2Departamento de Geologia, Instituto de Geociências, UFRJ, Av.
Brigadeiro Trompowski, s/n, Ilha do Fundão, 21949-900, Rio de
Janeiro, RJ, Brasil. ismar@geologia.ufrj.br
Resumo. A icnoespécie Brasilichnium elusivum foi descrita pela primeira vez no Brasil por Leonardi, em depósitos continentais eólicos eocretácicos (Neocomiano) da Formação Botucatu, Bacia do Paraná, e corresponde às pistas de um mamífero de proporções diminutas. Os icnofósseis de tetrápodes estudados no presente trabalho foram identificados e coletados na pedreira São Bento, localizada no município de Araraquara no Estado de São Paulo. Este estudo tem por objetivo esclarecer e atualizar algumas informações diagnósticas para B. elusivum, em virtude da ocorrência de exemplares mais bem preservados que puderam servir como base de comparação com o holótipo e 1o parátipo e possibilitaram a determinação do caráter ectaxônico e a tetradactilia (dígitos II-III-IV-V) em condição semiplantígrada para as pegadas posteriores. A tetradactilia também foi observada para os autopódios anteriores. A heteropodia ou a homopodia, nas ocorrências de icnofósseis de mamíferos, foram interpretadas como resultado das condições preservacionais e associadas às respostas locomotoras distintas de um mesmo animal durante seu deslocamento através das dunas do paleodeserto Botucatu.
Abstract. Diagnostic Revision For The Mesozoic Tetrapod Ichnospecies Brasilichnium Elusivum (Leonardi, 1981) (Mammalia) From The Botucatu Formation, Paraná Basin, Brasil. The Brasilichnium elusivum ichnospecies was described for the first time in Brazil by Leonardi, in eocretaceous (Neocomian) continental aeolian deposits from Botucatu Formation, Paraná Basin, and it corresponds to trackways of a small sized mammal. The tetrapod ichnofossils studied at the present work were identified and collected at the São Bento quarry, located in the city of Araraquara, São Paulo State. The purpose of this study is to report some new data diagnosis to B. elusivum, due the occurrence of well preserved samples that could serve as base of comparison with the holotype and first paratype, and allowed to determine the ectaxonic character and the tetradactyly (digits II-III-IV-V) in semi-plantigrade condition of the hind footprints. The tetradactyly was also observed in the fore autopodia. The heteropody or the homopody, in the occurrence of mammal ichnofossils, was interpreted as the result of preservational conditions associated to distinctive locomotor responses of the same animal during its dislocation across the sand dunes of the Botucatu paleodesert.
Palavras-chave. Brasilichnium; Pegada de tetrápode; Formação Botucatu; Bacia do Paraná; Cretáceo; Mamíferos.
Key-words. Brasilichnium; Tetrapod footprint; Botucatu Formation; Paraná Basin; Cretaceous; Mammals.
Introdução
Dentre os icnofósseis de tetrápodes associados ao
paleoambiente eólico da Formação Botucatu na região
de Araraquara, Estado de São Paulo, Brasil, destacam-
se as pistas e pegadas correspondentes à icnoespécie Brasilichnium elusivum (um pequeno mamífero),
descritas por Leonardi (1981). Segundo Leonardi
e Sarjeant (1986), os primeiros registros fósseis da
Formação Botucatu foram observados e identificados
por um engenheiro de minas brasileiro, Joviano
A.A. Pacheco em 1913. Huene (1931) estudou alguns
destes achados levando à compreensão do tipo de
organismo produtor, associado ao ambiente desértico.
Estudos realizados por Leonardi e Godoy (1980)
demonstraram que a morfologia das pegadas deste
mamífero, encontradas na Formação Botucatu, Bacia
do Paraná, é muito semelhante ao terapsídeo Laoporus (Lull, 1918), um icnogênero típico dos paleoambientes
eólicos norte-americanos (Lockley,
1999).
Os icnofósseis estudados no presente trabalho
(UFSCar: MPA-100, MPA-102, MPA-104, MPA-105,
MPA-109A, MPA-109B, MPA-130, MPA-143, MPA-
153, MPA-164, MPA-165, MPA-168, MPA-169A,
MPA-169B, MPA-171, MPA-172, MPA-173, MPA-
174, MPA-175, MPA-400; UFRJ-DG7IcV, UFRJDG201IcV)
foram coletados na pedreira São Bento,
localizada na região do Ouro, município de Araraquara no Estado de São Paulo, nas coordenadas de
21º49'03.4"S e 48º04'22.9"W (figura 1). Muitos icnofósseis
presentes no arenito Botucatu foram examinadas
por Leonardi (1980, 1981, 1984), Leonardi e Sarjeant
(1986), Fernandes et al. (1988), Fernandes et al. (1990),
Leonardi e Oliveira (1990), Leonardi e Carvalho
(2002) e Fernandes (2005). Na região de estudo ocorrem
várias pedreiras, atualmente somente a pedreira
São Bento encontra-se em atividade.
Figura 1. Mapa de localização de Araraquara e da área de afloramento
do arenito Botucatu no Estado de São Paulo, inserido na
Bacia do Paraná / location map of Araraquara and the Botucatu sandstoneoutcrop at São Paulo State, inserted in Parana Basin.
Lajes de arenito contendo icnofósseis da Formação Botucatu e outras paleoestruturas foram coletadas na pedreira São Bento, com acompanhamento de fotografias e descrições in loco. O holótipo MNRJ 3902-V e o 1º parátipo MNRJ 3903-V, depositados no Museu Nacional do Rio de Janeiro (UFRJ), serviram de referência para as comparações efetuadas com as amostras contendo ocorrências de mamiferóides do tipo Brasilichnium Leonardi, 1981. Foram selecionadas 22 amostras pertencentes à coleção do Museu de História Natural da UFSCar (MPA) e à coleção de paleontologia do Instituto de Geociências da UFRJ, contendo as mais significativas pistas do icnogênero Brasilichnium, para efetuar a comparação com o holótipo laje MNRJ 3902-V (Código ARSB 78), com pista de 15 pares de pegadas e 1º parátipo laje MNRJ 3903-V (Código ARSB 127), com pista de 8 pegadas de pés traseiros.
Abreviações institucionais. UFSCar: Universidade Federal de São Carlos; MPA: Material Paleontológico de Araraquara; UFRJ: Universidade Federal do Rio de Janeiro; MNRJ: Museu Nacional do Rio de Janeiro.
Descrição geológica da área
O território paulista guarda grandes contrastes
quanto aos aspectos geológicos. Destacam-se dois
importantes domínios: na porção oriental ocorrem
rochas cristalinas de idades antigas que constituem o
substrato das rochas sedimentares e vulcânicas do
setor ocidental (Soares et al., 1978). As primeiras formam
o chamado complexo ou embasamento cristalino,
ao passo que as outras fazem parte da bacia sedimentar
do Paraná (Bigarella e Salamuni, 1961).
Na divisão do Mesozóico da Bacia do Paraná distingue-
se o Grupo São Bento com as formações Pirambóia,
Botucatu e Serra Geral. A Formação Botucatu
acha-se em grande parte entremeada com os basaltos
da Serra Geral, e sua idade se estende do Jurássico
Superior ao Cretáceo Inferior (Martins, 1990). De acordo
com Scherer (2000), a idade da Formação Botucatu
para o extremo sul da Bacia do Paraná é praticamente
a idade dos derrames vulcânicos, cerca de 132 Ma, tendo
as dunas eólicas preservadas, sido desenvolvidas
no máximo algumas centenas de milhares de anos anteriormente
ao vulcanismo do Serra Geral, correspondendo,
portanto ao Eocretáceo (Neocomiano). Para
Claiton M.S. Scherer (comunicação pessoal, 2004), a
idade da Formação Botucatu no Estado de São Paulo
seria mais antiga que para os depósitos do Rio Grande
do Sul. Os arenitos do topo da Formação Botucatu
ocorrem na região de Araraquara, interior de São
Paulo, onde são explorados como atividade comercial
pela pedreira São Bento.
Esta pedreira apresenta a secção de uma grande
duna com 20 m de altura e 100 m de comprimento,
exibindo a feição de foreset com mergulho de 29°
aproximadamente em direção S-SW, onde sucessivas
camadas sedimentares estratificadas indicam que variações
na direção dos paleoventos, predominantes
de NE para SW, não eram tão significantes durante a
formação da duna nesta região.
Icnologia sistemática
Reino ANIMALIA
Classe MAMMALIA Linnaeus, 1758Icnogênero Brasilichnium Leonardi, 1981
Icnoespécie Brasilichnium elusivum (Leonardi, 1981) Figuras 2.1-7
Figura 2. Pistas e pegadas produzidas por mamíferos da icnoespécie Brasilichnium elusivum Leonardi, 1981. 1, MPA-109, pista em hiporrelevo
positivo com heteropodia; 2, mesma amostra, detalhe das pegadas com heteropodia; 3, MPA-100, detalhe dos autopódios posteriores
sem heteropodia evidente; 4, MPA-102, pista sem heteropodia evidente e autopódios posteriores com quatro dígitos; 5, detalhe da
impressão do autopódio anterior baseado na amostra MPA-166; 6, esquema representativo para a pista de B. elusivum baseado em MPA-
109; G, esquema representativo para a pista de B. elusivum baseado em MPA-102. Escalas: 1-4, em centímetros; 5 = 3 cm; 6-7 = 5 cm / trackways and footprints produced by mammals of Brasilichnium elusivum Leonardi, 1981 ichnospecies. 1, MPA-109, a positive hiporelief trackwaywith heteropody, 2, same sample, a close-up view of the footprints with heteropody; 3, MPA-100, hind autopodia without evident heteropody; 4,MPA-102, trackway without evident heteropody and hind autopodia with four digits; 5, imprint detail of the fore autopodium based in sample MPA-166; 6, representative illustration of a B. elusivum trackway based on MPA-109; 7, representative illustration of a B. elusivum trackway based on MPA-102. Scales: 1-4, in centimeters; E = 3 cm; F-G = 5 cm.
Materiais referidos. 22 lajes de Arenito Botucatu: UFSCar-MPA- 100, 102, 104, 105, 109A, 109B, 130, 143, 153, 164, 165, 168, 169A, 169B, 171-175, 400, UFRJ-DG7IcV, UFRJ-DG201IcV.
Holótipo. Laje MNRJ 3902-V (Código: ARSB 78), contendo uma pista com 15 pares de pegadas de mãos e pés.
Parátipo. Laje MNRJ 3903-V (Código: ARSB 127), contendo 8 pegadas
de pés traseiros.
Horizonte e localidade tipo. Grupo São Bento, Formação
Botucatu (topo da deposição eólica da Formação
Botucatu); Pedreira São Bento (Corpedras); Localidade:
Ouro; Município: Araraquara; Estado: São
Paulo (figura 1).
Diagnose. Pista de animal quadrúpede, com pequenas
dimensões; distância gleno-acetabular média de
7,5 cm. Extrema diferença entre as mãos diminutas e
os pés; aumenta a distância mão-pé quando diminui a
velocidade da marcha. Ângulo do passo relativamente
elevado para um quadrúpede. A heteropodia é diretamente
proporcional à rotação positiva do eixo longitudinal
dos pés (valores > 75º). Eixos longitudinais
dos pés paralelos ao eixo da pista e com ângulos de
passo > 125º, não apresentam heteropodia. Pé de contorno
elíptico, com eixo maior quase transversal e eixo
antero-posterior levemente dirigido para dentro da
pista; artelhos curtos, geralmente arredondados, com
provável fórmula falangeal 2-3-3-3-3; pegadas posteriores
são ectaxônicas e tetradáctilas (dígitos II, III, IV
e V) em condição semiplantígrada. Existe um maior
hypex do dígito V em leve abdução. Autopódios anteriores
apresentam pelo menos quatro dígitos com unhas,
evidentes ou não, em virtude das condições preservacionais.
Traços de cauda sempre ausentes.
Descrição e discussão
Os parâmetros comparativos medidos entre as pistas de Brasilichnium elusivum Leonardi, 1981 estão representados na tabela 1. As pegadas estão bem preservadas em epirrelevo côncavo, tendo todas as extremidades dos dedos arredondadas. Somente as amostras MPA-109 e MPA-168 apresentam-se como hiporrelevo convexo, nas quais existem impressões de unhas nos dígitos dos autopódios dianteiros. As margens posteriores de todas as pegadas possuem contorno arredondado em forma de meia-lua, na região de maior esforço locomotor no nível inclinado da paleoduna.
Tabela 1. Parâmetros comparativos entre pistas de Brasilichnium elusivum Leonardi, 1981 / comparative features of Brasilichnium elusivumLeonardi, 1981 tracks.
A heteropodia existente para B. elusivum descrita
por Leonardi (1981), não é observada na maioria das
ocorrências, mesmo em formas diminutas (como na
amostra MPA-175). Somente com ângulos de passo
entre 105º e 120º a heteropodia se torna evidente, possibilitando
inferir a distância gleno-acetabular média
de 7,5 cm.
Os autopódios anteriores aparecem nas formas
em que ocorre maior rotação do eixo longitudinal
dos pés para o interior da pista (rotação negativa)
(sensu Leonardi, 1987), com valores em torno de 75º.
Amostras cujos eixos longitudinais dos pés estão paralelos
ao eixo da pista e conseqüentemente os eixos
transversais perpendiculares, não apresentam as impressões
dos autopódios anteriores. Os detalhes anatômicos
das mãos preservadas nas amostras MPA-
109 e MPA-166 indicam a presença de pelo menos
quatro dígitos com unhas (figuras 2.1, 2, 5 e 6).
Os dígitos IV e V dos autopódios posteriores evidenciam
ter maior importância, portanto as pegadas
são ectaxônicas em condição semiplantígrada. Existe
um maior hypex do dígito V em relação aos demais
dígitos, apresentando-se sempre com uma leve abdução,
como foi observado na maioria das amostras
descritas. Todas as pegadas traseiras descrevem uma
ligeira rotação do eixo menor para dentro da linha
média da pista (rotação negativa), como visível na
amostra MPA-109 (figuras 2.1, 6). Nenhuma das
amostras observadas no presente trabalho apresentaram
a impressão de cinco dígitos nos autopódios
posteriores, e em 100% delas, que se mostraram em
ótimas condições de preservação, como MPA-100,
MPA-102, MPA-173, MAP-174, MPA-175, MPA-162,
MPA-109, UFRJ-DG 201IcV e UFRJ-DG 7IcV, evidencia-
se nitidamente a impressão de quatro dígitos (pegadas
tetradáctilas). O dígito I não aparece em nenhuma
pegada das amostras analisadas e consideradas
como Brasilichnium elusivum (figuras 2.1, 2, 3 e 4).
Pela análise e observação mais detalhada do holótipo
MNRJ-3902V e do 1º parátipo MNRJ-3903V, também
não foi possível constatar a presença de cinco dígitos.
Novamente, neste caso, somente quatro dígitos estavam
presentes e em apenas três das pegadas da pista
MNRJ-3902V (pegadas 5, 6 e 7), na qual a morfologia
dos autopódios posteriores estava pouco preservada.
Portanto, se existente, o dígito I deveria estar em uma
posição mais elevada em relação ao plano dos demais
dígitos.
Nas amostras MPA-169 e MPA-109 (figura 2.1),
que apresentam os autopódios anteriores preservados,
os ângulos de passo são elevados em comparação
a MPA-171, MPA-172 e MPA-173 (tabela 1).
Existe uma diferença também na convergência no
sentido do eixo longitudinal dos autopódios posteriores,
para dentro da pista, o que não é tão expressivo
em MPA-171, MPA-172 e MPA-173. Para as formas
mamiferóides, quando desenvolvem velocidade
de cruzeiro, como na maioria das ocorrências (com
ângulo de passo > 125º), não há heteropodia. Isso parece
não ocorrer quando os ângulos de passo situamse
entre 105º e 120º, cujas impressões das mãos estão
evidentes.
Parece não haver uma regra determinativa para
ocorrências de pistas que apresentem, ou não, as impressões
dos autopódios anteriores o que resulta apenas
numa maior largura das pistas quando existe a
impressão da mão do animal. A rotação negativa dos
autopódios posteriores com menores valores para o
ângulo de passo poderiam indicar um maior esforço
locomotor nas areias do paleodeserto.
Talvez uma questão apenas preservacional fosse
possível em virtude do maior esforço de locomoção
do animal em relação ao tipo de substrato. Por exemplo,
em substratos inconsolidados, ou seja, areia seca,
haveria menor impressão dos autopódios dianteiros
em superfície e maior em subsuperfície, em razão da
facilidade de penetração de membros diminutos
através da areia mais seca. Como existe diferença no
tamanho das mãos em relação aos pés do Brasilichnium, o animal poderia mergulhar as mãos
na areia seca de pouca espessura, indo de encontro à
subsuperfície onde certamente haveria maior teor de
umidade, auxiliando na preservação. Para a preservação
dos dígitos o mesmo aconteceria, com a diferenciação
das condições de umidade, esforço cursorial
e posicionamento no foreset.
Na amostra MPA-174 o dígito I parece estar presente,
pelo fato do animal estar em declive descendente,
porém isso pode ser interpretado como a sobreposição
parcial dos pés sobre as mãos em virtude
do alto ângulo de passo, em ligeira lateralidade, na
qual aparece parcialmente um autopódio com cinco
dígitos, mas certamente o autopódio possui quatro
dígitos também.
Poucos exemplares são encontrados com as impressões
dos dígitos preservadas nos autopódios
posteriores. Também são pouco freqüentes as pistas
que contêm as impressões das mãos. Isso poderia reforçar
as discussões de Leonardi (1981) que sugeriu a
sobreposição total dos autopódios para explicar a
aparente homopodia (figuras 2.3, 4 e 7), considerando-os predominantemente animais quadrúpedes. No
entanto, as condições preservacionais também poderiam
afetar diferencialmente a preservação dos autopódios
(Fernandes, 2005).
A amostra MPA-109 evidencia a ocorrência de
pistas associadas de artrópodes, de um pequeno dinossauro
terópode Coelurosauria e de B. elusivum,
sem a preservação de detalhes morfológicos com
apenas formas arredondadas ou ovaladas. Porém na
mesma amostra existe uma pista com nítida impressão
dos dígitos de B. elusivum, com preservação
tanto nos pés quanto nas mãos. Isso aconteceu em pelo
menos dois momentos climáticos diferentes durante
a passagem dos animais, onde as condições ambientais
de umidade que propiciaram a preservação
em superfície e subsuperfície também foram distintas.
Conclusões
A afirmativa para autopódios traseiros com cinco
dígitos não se confirmou com as observações das
amostras aqui estudadas. A heteropodia quase sempre
é obscurecida por questões preservacionais, ou
pela sobreposição total dos autopódios, em se tratando
de uma mesma icnoespécie de B. elusivum.
De acordo com Leonardi (1981) existe uma heteropodia
para a icnoespécie Brasilichnium elusivum,
muitas vezes obscurecida pela total sobreposição dos
autopódios. Isso ocorre quando existe a rotação negativa
do eixo longitudinal dos pés. Quanto maior
for a rotação do eixo longitudinal dos pés, mais evidente
a heteropodia. Amostras cujos eixos longitudinais
dos pés estão paralelos ao eixo da pista, não
apresentam as impressões dos autopódios anteriores,
podendo até tratar-se de animais diferentes e/ou
simplesmente condições preservacionais distintas às
respostas locomotoras de um mesmo animal.
A heteropodia e a homopodia em algumas ocorrências
de icnofósseis de B. elusivum, poderiam ser
explicadas simplesmente como resultado preservacional
em virtude das variações do nível de umidade
em subsuperfície, com níveis de areia seca também
variáveis, associadas ao esforço locomotor do animal.
Outro aspecto a ser revisto é a condição pentadáctila
para os autopódios posteriores de Brasilichnium
elusivum Leonardi, 1981. Todas as amostras
consideradas B. elusivum, baseadas nas características
diagnósticas, foram observadas quanto ao número
de dígitos dos autopódios posteriores e nenhuma das
observações se confirmaram para pés com cinco dígitos,
nem mesmo com a revisão do holótipo e do 1º
parátipo, que também apresentam quatro dígitos
preservados em suas pegadas. Portanto B. elusivum
apresenta somente quatro dígitos (dígitos II, III, IV e
V) em suas pegadas posteriores e não cinco. Se houvesse
um dígito I nos pés deste animal, provavelmente
estivesse numa posição mais elevada, e não
marcaria o substrato quando houvesse uma resposta
locomotora ao esforço provocado pelo deslocamento,
através das dunas do paleodeserto Botucatu.
Diante dos novos dados obtidos valendo-se dos
melhores exemplares de Brasilichnium elusivum, as
características diagnósticas poderão ser alteradas e
acrescidas das observações referentes aos números
de dígitos, às formas dos autopódios e às condições
de heteropodia e homopodia.
Agradecimentos
Os autores expressam seus mais sinceros agradecimentos ao G. Leonardi por ceder todas as suas anotações de campo e material diverso sobre a Formação Botucatu; à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado Rio de Janeiro (FAPERJ) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, Proc. 300571/2003-08), pelo suporte e apoio financeiro ao desenvolvimento deste trabalho; ao Museu Nacional do Rio de Janeiro (UFRJ), Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Museu de História Natural "Prof. Dr. Mário Tolentino" (UFSCar) por conceder acesso ao material de pesquisa; à L. Bueno dos Reis Fernandes pelo auxílio nas coletas de campo; e à Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) de Araraquara pelo suporte técnico às pesquisas. Também agradecemos à N. S. Domnanovich e à T. Manera pelas excelentes críticas e sugestões que contribuíram para o melhoramento do manuscrito.
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Recibido: 8 de junio de 2006.
Aceptado: 4 de diciembre de 2007.