DOSSIER
Titulação Escolar, Classificações Ocupacionais e Importação Cultural
Odaci Luiz Coradini *
Prof. de Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil), voltado para pesquisas especialmente sobre engajamento e militância política, usos sociais de titulação escolar e elites culturais e políticas. E-mail: coradini@ufrgs.br
Resumo
A pesar da diversidade dos problemas metodológicos suscitados nos usos de informações estatísticas pelas ciências sociais, o presente texto está centrado num outro eixo geral de problemas. Trata-se das relações entre as classificações sociais e as modalidades de imposição de princípios de legitimação, particularmente aqueles associados às classificações ocupacionais e à escolarização e respectivas categorias e suas implicações para a análise do espaço de posições sociais. As bases empíricas consistem no aproveitamento parcial de um trabalho com uma temática mais ampla, no qual foram analisados os processos de importação e de adaptação de esquemas de classificação estatística no Brasil e seus efeitos para a análise do espaço de posições sociais. Portanto, frente à abrangência do tema, a opção adotada foi a de privilegiar um eixo da problemática, além de abrir mão das demonstrações empíricas mais detalhadas.
Palabras chave: Informações estatísticas; Classificações sociais; Estratificação social.
Resumen
Este artículo presenta los resultados de una investigación que estudia los procesos de adaptación de los esquemas de clasificación estadística en Brasil. Los aspectos principales se refieren, en primer lugar, a la relación entre los esquemas de clasificación social y las estadísticas oficiales. En segundo lugar, se discuten aquellos problemas relacionados con la expansión de los sistemas internacionales de clasificación estadística y sus efectos en sociedades en desarrollo como Brasil. En tercer lugar, se analizan aquellos problemas específicos relativos a las relaciones entre la sociología y la formulación y el uso de los sistemas de clasificación estadística. Este trabajo plantea la hipótesis de que, además de las principales debilidades de la sociología en comparación con otras disciplinas (por ejemplo, la economía y la estadística) y el carácter instrumental respecto de las políticas gubernamentales de recopilación y uso de datos, los principales problemas de estas relaciones surgen de la unidimensionalidad de los esquemas empleados para definir y clasificar. Esta naturaleza unidimensional de los esquemas de clasificación estadística se tiende a incrementar con la creciente adopción de códigos originados en la OIT (Organización Internacional del Trabajo). Así, mientras los esquemas estadísticos de clasificación, especialmente aquellos relacionados con las ocupaciones, tienden a reafirmarse de un modo cada vez más unidimensional, los problemas relacionados con la multidisciplinariedad en los análisis de las estructuras sociales son centrales para la mayoría de las teorías sociológicas.
Palabras clave: Clasificaciones sociales y estadísticas; Clasificaciones estadísticas y ciencias sociales; Importación cultural; Estratificación social; Posiciones sociales y ocupaciones.
Abstract
This article presents the results of a study regarding the processes of adaptation of statistical classification schemes in Brazil. The major aspects first concern the relationship between social classification schemes and official statistics. Second, the problems related to the expansion of international statistical classification schemes and their effects on developing societies such as Brazil are discussed. Third, specific problems regarding the relationships between sociology and the formulation and use of statistical classification schemes are analyzed. In general, this paper hypothesizes that, aside from the major weaknesses of sociology compared with other disciplines (e.g., economics and statistics) and the instrumental nature regarding governmental policies of data collection and use, the major problem in these relationships arise from the unidimensionality of the schemes used to define and classify. This unidimensional nature of the statistical classification schemes tends to increase with the growing adoption of codes originated in the ILO (International Labor Organization). Thus, although statistical classification schemes, especially those related to occupations, tend to assert themselves in an increasingly unidimensional way, the problems related to multidimensionality in analyses of social structures are central to the majority of sociological theories.
Key words: Statistical and social classifications; Statistical classifications and social sciences; Cultural import; Social stratification; Social position and occupations.
Os esquemas de classificação e as categorias estatísticas oficiais podem interessar às ciências
sociais por diferentes razões. No que tange especificamente à sociologia uma das presenças
mais imediatas e evidentes das categorias estatísticas ocorre na condição de fonte e, de modo
mais frequente, como problemas de dados e informações e de técnicas de codificação e de análise.
No Brasil esse tipo de problema suscitou a emergência de uma vulgata decorrente de uma
oposição primária entre aquilo que é tido como métodos "quantitativos" e "qualitativos", estes
últimos em geral vistos como qualitativamente melhores. Porém, independentemente das fraquezas
e precariedades de disciplinas como a sociologia em condições periféricas, é inegável
que há uma crescente e generalizada utilização de informações estatísticas, inclusive pela própria
sociologia. Essa expansão dos usos de informações estatísticas pela sociologia tem o efeito,
inclusive, de tornar mais agudos ou explícitos alguns problemas decorrentes das diferenças nos
interesses e códigos de ação contidos, por um lado, na coleta, armazenamento e difusão de
informações estatísticas e, por outro, em sua utilização pelas ciências sociais. Esse tipo de problema
é particularmente agudo no que tange a alguns dos esquemas de classificação, dentre
os quais se destaca aquele das ocupações, ao ponto de Merllié (1983) propor que a condição
para a utilização de categorias sócio-profissionais é o controle dos interesses e condições que
estão na base de sua geração.
Porém, apesar da diversidade dos problemas metodológicos suscitados nos usos de informações
estatísticas pelas ciências sociais, o presente texto está centrado num outro eixo geral de
problemas. Trata-se das relações entre as classificações sociais e as modalidades de imposição
de princípios de legitimação, particularmente aqueles associados às classificações ocupacionais
e à escolarização e respectivas categorias e suas implicações para a análise do espaço de
posições sociais. As bases empíricas consistem no aproveitamento parcial de um trabalho com
uma temática mais ampla, no qual foram analisados os processos de importação e de adaptação
de esquemas de classificação estatística no Brasil e seus efeitos para a análise do espaço de
posições sociais. Portanto, frente à abrangência do tema, a opção adotada foi a de privilegiar
um eixo da problemática, além de abrir mão das demonstrações empíricas mais detalhadas1.
Classificações sociais e estatísticas e importação cultural
Com a expansão da utilização de estatísticas oficiais, nos países centrais também ocorreu o
crescimento das análises e discussões sociológicas relativas a seus significados e implicações.
Embora não caiba entrar em detalhes sobre essas análises, é necessário destacar algumas de
suas questões básicas, para então situar o problema em condições periféricas. Uma das mais
gerais dessas questões consiste no grau e nas modalidades da existência de alguma autonomia
relativa na geração e imposição de esquemas de classificação estatística. Há uma diversidade
de posições relativamente à proeminência dos esquemas de classificação já socialmente objetivados
frente à sua oficialização pelos esquemas de classificação estatística, que abrange desde
aqueles que pressupõem a mera absorção das categorias previamente existentes até os que
concebem um maior grau de autonomia na geração de categorias estatísticas. Sem qualquer
pretensão de entrar aqui nos fundamentos dessas posições, é necessário destacar sinteticamente
a formulação de Desrosières (2005, pág. 19-22). Frente à oposição entre determinado "realismo
ingênuo" e o construtivismo "relativista", propõe a existência de uma "circularidade entre
a ação e a descrição", que abrangeria tanto as estatísticas de origem administrativa como as
enquetes. Assim, a "autonomização, cognitiva e profissional, do trabalho de estatístico público é
reivindicada e adquirida de longa data". Mas ela tem por conseqüência uma "forma de realismo
ingênuo implícito" e entre os critérios oficiais de "qualidade da estatística" na Europa está incluído
o da "pertinência" associada à "responsabilidade dos demandantes" ou "clientes". Portanto,
mesmo nessas condições, há a presença constante dos esquemas de classificação socialmente
já constituídos nas formulações de esquemas estatísticos, ao ponto de suas particularidades
nacionais decorrerem diretamente desses efeitos das classificações e códigos de entendimento
pré-existentes.
Esse problema das relações entre os códigos de classificação estatística e os princípios de divisão
e de hierarquização social tem diversas implicações e dentre os eixos de discussão que
pautam as análises e discussões um primeiro que se destaca é aquele das modalidades em que
ocorrem em cada situação nacional. Ou seja, se por um lado, com o crescimento da geração
e usos de estatísticas oficiais ocorre também a intensificação da sua internacionalização, por
outro, visto que os esquemas de classificação estatística estão associados aos processos e instituições
nacionais, ocorre o aumento da heterogeneidade entre as situações nacionais.
Ainda quanto aos países centrais e também de modo diferenciado, aos efeitos da classificação
estatística se agregam as teorias sociais e suas concepções de estruturas e de hierarquização social.
Nesse ponto, considerando a bibliografia disponível, casos como o da Alemanha, da França
(Chauvel e Schultheis, 2003) e dos Estados Unidos (Chauvel, 2001) têm se sobressaído na formulação
e difusão de pressupostos da existência de estruturas sociais com base em princípios de
hierarquização onde a principal característica seria a inexistência de "classes".
Em condições periféricas como as do Brasil as ciências sociais e, mais particularmente a sociologia,
não tem condições de formulação e de imposição de algum esquema próprio frente às
classificações estatísticas ou as demais disciplinas envolvidas, como a economia e a estatística.
Porém, isso não significa que os esquemas de classificação estatística não estejam baseados
em determinadas concepções de sociedade, embora isso possa se tornar menos explícito. Essa
matriz básica, aparentemente é decorrente da proeminência dos economistas, mas de fato de
uma concepção particular de economia e de suas relações com a contabilidade nacional.
Esse
fundamento básico da matriz de geração ou de adaptação de esquemas de classificação estatística
importados interage e se complementa com as classificações organizadas na representação
corporativa e com aquelas das regulamentações escolares e das prerrogativas profissionais. Portanto,
para uma melhor especificação dessa questão da autonomia tendo em vista as condições
periféricas do Brasil é necessário distinguir aqueles interesses que condicionam a existência e as
razões de ser de determinada política e programas de geração de informações estatísticas dos
interesses e modalidades de intervenção de cada categoria social ou profissional envolvida na
formulação e aplicação de seus esquemas de classificação. Aqueles interesses gerais dependem
diretamente de demandas das políticas governamentais e da representação de interesses organizados,
bem como de suas relações com organizações internacionais como a OIT (Organização
Internacional do Trabalho). Certamente é devido a esses interesses econômicos e políticos mais
gerais e suas relações com esquemas culturais e tecnologias econômicas e sociais dos centros
internacionais que uma das divisões mais importantes para a compreensão dos esquemas de
geração de estatísticas oficiais em condições periféricas é aquela entre estatísticas "econômicas"
e "sociais".
Embora essa divisão ocorra em outras bases também em países centrais (Chauvel et
al., 2002, pág. 173) no caso em pauta deve ser considerado que as chamadas estatísticas "econômicas"
e suas relações com as "sociais" decorrem de uma matriz geral que tem nos esquemas
das contas nacionais e sua utilização para o planejamento de políticas governamentais sua origem
e razão de ser. Sendo assim, embora as estatísticas "sociais" possam ser vistas como seu
contraponto, de fato, constituem seu complemento, o que tem efeitos sobre seus princípios de
classificação e de definição de categorias. Dentre essas categorias "sociais" se destacam aquelas
associadas às preocupações e formulações relativas a indicadores de "pobreza", de "desigualdade"
e assemelhadas, ou seja, problemas associados à "mão-de-obra" e às modalidades de integração
social.
No que tange à mencionada matriz das estatísticas "econômicas" e a conseqüente importância
dos economistas, a análise da evolução da institucionalização da coleta de informações
estatísticas elaborada por um diretor geral e de pesquisas do organismo encarregado,
o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) pode ser tomada como exemplar. Para
o mesmo, tanto no que tange à montagem de um sistema nacional como às clivagens entre
estatísticas "econômicas" e "sociais" o principal problema decorreria da "inexistência de um
esquema teórico que capte a totalidade da realidade econômica e social". Frente a essa situação
ocorre a "construção de sistemas específicos e parciais" e nesse sentido a "distinção usual
entre estatísticas econômicas e estatísticas sociais é freqüentemente caracterizada como uma
segmentação de um virtual sistema estatístico nacional em dois sub-sistemas". No caso das
estatísticas "econômicas" haveria como "marcos de referência um campo específico de conhecimento
(a teoria econômica e/ou a economia política) e o recorte do mundo real correspondente
(o sistema econômico capitalista)", que tem no "sistema de contas nacionais" sua síntese
e articulação. No que tange às "estatísticas sociais são definidas, de certo modo, como resíduo,
a partir de sua natureza não econômica" e, portanto, formando um "conjunto de estatísticas"
não "articulável num sistema". Isso decorreria particularmente da "inexistência de um campo
teórico que dê conta da totalidade do social" e da "natureza freqüentemente não quantitativa
das categorias analíticas utilizadas e das relações sociais"... (Guimarães, 1990, pág. 4-6; para
mais detalhes sobre o conjunto das estatísticas "econômicas" e "sociais" da IBGE ver também
Silva, 1990). Em síntese, aquilo que pode ser tomado como a proeminência de uma disciplina
como a economia em detrimento de outra, como a sociologia, em termos mais concretos
consiste no "sistema econômico capitalista" como base social das políticas de coleta de informações
estatísticas e na falta de força social e política de alguma corrente da sociologia para
ser tomada como abrangendo a "totalidade do social".
Em todo caso, essa posição central dos economistas e, em segundo lugar e de modo específico,
dos estatísticos está diretamente associada também com os processos de importação e
de adaptação de esquemas de classificação e, inclusive de interpretação. Portanto, apesar da
importância de profissionais como os economistas, seu "poder" não emana de alguma "racionalidade"
ou "ciência", mas simplesmente de sua posição e das relações com os processos de
importação e de adaptação de esquemas de classificação e de interpretação da "realidade"
ou dos "problemas" e suas relações com os interesses em condições de formular e de impor
políticas governamentais, inclusive e especialmente aquelas de coleta e difusão de informações
estatísticas. Quanto a esses interesses menos vinculados a alguma titulação escolar ou
"profissional" específica e mais diretamente associados aos grandes esquemas de representação
de interesses ou de formulação e controle de políticas governamentais e especificamente
de programas de coleta e difusão de informações, como já mencionado, na matriz básica se
destacam suas relações com a contabilidade nacional. Portanto, se trata de esquemas gerais
de registro e de racionalização das relações dos interesses empresariais com as políticas
governamentais, seja para fins fiscais ou de planejamento. Diretamente associado a isso se
destacam os interesses das grandes categorias de empresários e de assalariados, seja do setor
público ou privado, organizadas em sindicatos e centrais sindicais. Essas duas grandes bases
de interesses organizados, empresariais e sindicais ou corporativos e particularmente esses
últimos, interagem com os interesses e as classificações escolares, sindicais ou corporativas e
ocupacionais. Em muitos casos, as lutas por classificações "profissionais" ou ocupacionais nos
esquemas estatísticos são concomitantes e estão associadas com aquelas por prerrogativas e
regulamentações profissionais. Porém, nessa confluência de interesses que se consolidam na
matriz geral que está na base das políticas e programas de coleta e difusão de informações
estatísticas os agentes de controle "político" daquilo que nas sociedades periféricas em geral é
designado como "burocracias" públicas ocupam uma posição central. Nesse caso também, em
termos escolares esses controladores dessas "burocracias", particularmente aqueles dos ministérios
mais diretamente envolvidos, quanto à titulação escolar podem ser constituídos por
economistas ou ter outra titulação qualquer. De qualquer maneira, o que define as possibilidades
de intervenção está menos relacionado com o conteúdo dessa formação escolar que
com a respectiva inserção no spoil system brasileiro, com base na cooptação e na ocupação
de cargos de "assessoria", de "confiança", por "indicação". Isso envolve diretamente a própria
direção geral de organismos como o IBGE, cuja presidência depende diretamente da direção
do respectivo ministério, bem como de suas relações com os demais ministérios e organismos
envolvidos. Em condições como essas não apenas a fraqueza quantitativa da sociologia se sobressai,
mas o fato de que o conjunto dos esquemas estatísticos está associado à mencionada
divisão entre as estatísticas "econômicas" e "sociais", o que implica numa filosofia subjacente.
Isso cria as condições inclusive para tomar algo designado como "sociologia da estatística"
como uma espécie de filosofia social de auto-celebração institucional2.
Mesmo assim, isso não exclui algumas experiências na análise das relações entre categorias
ou agrupamentos ocupacionais e posições sociais, inclusive por pesquisadores diretamente
vinculados ao IBGE, se bem que em situação periférica em termos institucionais. Trata-se, no
entanto, de esforços no sentido de associar as ocupações ocupacionais contidas nos censos
com uma hierarquia de posições
sociais na concepção extraída diretamente
da teoria da estratificação
norte-americana e da teoria
do capital humano. Porém, nunca
houve qualquer tentativa no sentido
de influenciar na elaboração ou
adaptação dos próprios esquemas
de classificação. Como seria de esperar,
tudo isso tem pretensões e
objetivos "práticos", como sua utilização
na mercadologia. Uma das
primeiras publicações de responsabilidade
do IBGE mais diretamente
sobre as relações entre categorias
ocupacionais e posição social é da
década de setenta do século passado
(Silva, 1974). Nesse trabalho
há um esforço explícito no sentido
da integração de um esquema
bidimensional, onde a quantidade
de escolarização representa a dimensão
"cultural" e o montante de
rendimentos a dimensão "econômica".
Com base nisso é proposta uma
fórmula de cálculo de uma "função
escolaridade-rendimentos" ou da
"renda socialmente esperada dado
certo nível educacional", que "é a
mesma usada pelos economistas em análise de custo-benefício de investimentos em capital
humano" (Silva, 1974, pág. 8-11). Esse esquema foi aplicado aos dados do censo de 1970 e,
dentre as principais conclusões é destacado o alto grau de generalidade das médias por categoria
e a inexistência de "classes médias" no Brasil. Esse tipo de preocupação e de estudo
foi retomado posteriormente e dentre as principais publicações se destacam o de Silva (1992)
e Jannuzzi (2012; 2003). Jannuzzi (2003, pág. 8), também com base nos dados dos censos de
1980 e de 1991, sendo que para esse estudo "o poder discriminatório dos níveis de rendimento
e escolaridade na classificação das ocupações vai decrescendo dos estratos posiocupacionais
mais elevados em direção aos mais baixos, crescendo, em contrapartida, a importância das
medidas de precarização ocupacional como rotatividade, contribuição à Previdência, risco de
desemprego". Em síntese, a aplicabilidade desses esquemas de classificação é diretamente
proporcional à proximidade social de cada categoria ao topo em termos de posição social,
mas também dos elaboradores e aplicadores dos próprios esquemas de classificação. Isso que
aparece como um mero detalhe pode ser tomado como um dos problemas sociologicamente
mais relevantes.
Foto de Eduardo
Pavón,
www.eduardopavon.com
A intensificação da internacionalização e da importação de esquemas de classificação estatística e o reforço da crença na escolarização como princípio de hierarquização social
Além da intensificação da geração e da utilização de estatísticas oficiais, tanto nos países centrais
como nos periféricos, no período mais recente também se aceleram os processos de internacionalização
dos esquemas de classificação. Evidentemente, os efeitos e implicações desses
processos dependem das relações dos esquemas importados com aqueles utilizados previamente
em âmbito local e da estrutura de interesses e códigos que estão na base de sua importação
e adaptação. Isso abrange diferentes espécies de esquemas de classificação, tais como de
produtos, de natureza jurídica, de condição de emprego, de despesas de consumo por função,
dentre outros relativos à contabilidade nacional e, por fim, de ocupação e de posição na ocupação3.
Porém, para o que está em pauta, o importante a destacar é que os novos esquemas, com
origem na OIT têm fortes implicações quanto à concepção de estruturas sociais, particularmente
como decorrência de sua unidimensionalidade e, no que tange às categorias ocupacionais,
da utilização quase exclusiva do princípio da "competência" ou da escolarização formal como
critério da definição das categorias e dos agrupamentos ocupacionais.
O reforço da "competência", conjuntamente com a inserção na divisão do trabalho, como princípios
básicos de definição e de enquadramento ocupacional interage com a estrutura de representação
de interesses que está na base das adaptações desses esquemas, onde, como já
mencionado, se destacam as grandes organizações corporativas em interação com as lutas pelas
regulamentações escolares e das prerrogativas profissionais. As principais e mais gerais das
conseqüências disso são as idealizações subjacentes ou explícitas presentes nas definições das
categorias ocupacionais e o reforço do mito do espaço de posições sociais ou pelo menos, do
montante de rendimentos, tendo como origem ou "causa" a quantidade de escolarização formal.
Porém, o importante a destacar é que, mais que o registro ou a exclusão de alguma categoria
social ou ocupacional, o problema central consiste no grau de classificabilidade variada conforme
o tipo de incidência do princípio de classificação da respectiva categoria e seu enquadramento
nos esquemas de classificação estatística. Sendo assim, mais que a quantidade de
categorias tidas como residuais ou consideradas como "mal definidas", importa examinar o grau
de aproximação ou de distância entre os princípios de classificação próprios de cada categoria,
que também não são unívocos e aqueles enunciados e aplicados no enquadramento nos
esquemas estatísticos. Sendo assim, não se trata de alguma definição falsa de categoria ou de
agrupamento com base em algum critério espúrio, mas do grau em que os critérios da própria
categoria se relacionam de modo mais direto ou mais tangencial àqueles da classificação
estatística. Diferentemente de outras situações, como aquela da França, onde o confronto do
esquema da ISCO-88 (International Standard Classification of Occupations) é com o esquema
de classificação nacional, em casos como o do Brasil ocorre a substituição de outro código anteriormente
importado e adaptado. Trata-se de um esquema com origem na Classificação de
Ocupações do Programa de Censos da América (COTA). Porém, o mais importante a destacar
é que o novo esquema com base na ISCO-88 gradativamente adaptado e incorporado tem um
caráter muito mais unidimensional que o anterior, que se caracteriza por ser mais compósito, o
que tem muitas implicações para a utilização das informações estatísticas para qualquer estudo
de estratificação social e particularmente para a análise de posições sociais enquanto um fenômeno
multidimensional. Apesar de que conforme análises muito fundamentadas, como aquela
de Chauvel, o esquema de Erikson, Goldthorpe e Portocarero (1983) é associado à ISCO-88 por
estar assentado em determinado individualismo e realismo (Chauvel, 2002, pág. 158), para o
que está em pauta importa destacar que consiste num esquema multidimensional. Em síntese,
esse esquema de Goldthorpe e equipe tem a pretensão explícita de ser multidimensional, integrando
tanto os indicadores relativos à "classe" como ao status social (Chan e Goldthorpe, 2007).
Isso, no entanto, não exclui esse tipo de esquema da supervalorização da escolarização formal
ou da "competência", apesar da posição crítica de Goldthorpe e equipe relativamente à teoria do
capital humano e da ideologia subjacente (Jackson, Goldthorpe e Mills, 2002). Para a ISCO-88
os princípios básicos de classificação, sejam de definição de categorias ou dos agrupamentos
ocupacionais se reduzem praticamente de modo exclusivo ao grau de escolarização ou em termos
mais amplos à suposta "competência" requerida para determinada ocupação e à situação
na divisão do trabalho.
No caso brasileiro, como já mencionado, a interdependência entre a importação e adaptação
de esquemas de classificação vem se intensificando com a expansão dos usos de estatísticas
oficiais, incorporando e interagindo com os organismos públicos de algum modo envolvidos,
mas também com interesses organizados. Nesse caso trata-se particularmente das organizações
empresariais e sindicais ou corporativas que mantêm vínculos formais com esses processos
de adaptação na condição de "colaboradores" ou "representantes" de determinada categoria
ocupacional. Isso vai de encontro à tendência de evolução das técnicas estatísticas nos centros
internacionais, onde, conforme Desrosières, o pólo mais diretamente associado à enquete, em
oposição aos registros administrativos, teve uma evolução na qual o "informante" se transformou
num "pesquisado", falando somente em seu próprio nome, sem qualquer outra representividade
(Desrosières, 2005, pág. 15-16). Isso deve ser destacado particularmente porque se por um
lado os levantamentos como os do IBGE estão baseados na relação dos informantes definidos e
selecionados aleatoriamente, por outro, as adaptações de esquemas como aquele da ISCO-88
pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) e pelo IBGE têm como base "informantes" como
"representantes" privilegiados de determinadas situações ou categorias sociais. Por exemplo, no
que tange ao CBO (Código Brasileiro de Ocupações), em sua 3ª. Edição, de 2010, além de organizações
de representação empresarial e sindical, também atuam nas revisões como contratadas
diversas instituições de pesquisa econômica, com a participação direta também do próprio
MTE, além da consultoria de uma instituição canadense e da OIT. Essas organizações formalizaram
uma lista de entidades "representativas" de cada "família profissional", que em geral consiste
em algumas das maiores organizações sindicais de trabalhadores e de empresas do respectivo
ramo de atividade (MTE, 2010). Disso resultaram a elaboração e as sucessivas revisões do CBO,
com base no qual e na ISCO-88 o IBGE vem adaptando seu esquema de classificação ocupacional
(para mais detalhes ver http://www.ibge.gov/concla/default Disponível em 22/03/2012)
O principal e mais geral dos efeitos disso é o fortalecimento da sobrevalorização da educação
ou da "competência", dentre outros critérios já destacados quanto à ISCO-88. Porém, certamente
devido também aos critérios de seleção dos "informantes", boa parte dos resultados das descrições
das ocupações se confunde com idealizações decorrentes da projeção de um esquema
baseado em determinadas suposições quanto à escolarização necessária e à divisão social do
trabalho e sua generalização. Outro efeito geral disso, que pode estar vinculado inclusive com
o fato de ter por base instituições administrativas e equipes de economistas, é o reforço de
determinado "realismo" ou "objetivismo" próprio da ISCO-88. Em geral, as descrições de representantes
sindicais, de corporações ou de empresas ou ainda as regras e divisões da titulação
escolar são tomadas como equivalentes e evidências suficientes da "realidade" do "mercado de
trabalho" e das "ocupações".
Mesmo sem entrar nos detalhes, no que tange à formação e experiência necessárias à cada ocupação
na quase totalidade dos casos ocorre um fortíssimo grau de idealização e de prescrição a
título de descrição. Ocorre que são tomadas as regras idealizadas de acesso a determinada ocupação,
seja em termos escolares ou em geral, na retórica sindical ou outra qualquer, como se fossem
equivalentes ao que está para ser descrito. Conseqüentemente, na maior parte dos casos
e especialmente quando se trata de categorias com posição social mais alta e com mais capital
cultural, a descrição da formação e experiência e das condições gerais de exercício se aproxima
dos documentos e da retórica oficial da respectiva categoria (ver MTE, 2010, vol. 1, passim).
Outro efeito direto disso, particularmente no que tange às condições de exercício, é a generalização
das relações de trabalho tidas como ideais, evidentemente como decorrência do tipo de
"representatividade" dos participantes e respectivos códigos de apreciação. Isso tem inclusive
um efeito de homogeneização, onde se ressalta determinado tipo de relação de trabalho, em
geral a de "assalariados com carteira assinada", além de aspectos relativos à ergonometria e condições
de exercício, com descrição (ou prescrição) absoluta da maior parte das categorias ou
famílias ocupacionais. O grau de "distorção" dessas projeções de condições de escolaridade e
de trabalho idealizadas pode ser facilmente aferido ao confrontar com os resultados empíricos
dos levantamentos estatísticos realizados com base nesse mesmo esquema, como aqueles dos
censos. Essa dependência e interação direta com organizações e interesses pré-estabelecidos
é reconhecida inclusive por participantes de instituições conveniadas, como aqueles da Fipe/
USP, nas publicações de relatos dessa atividade (Nozoe, Bianchi & Rondet, 2003, pág. 236). O
próprio mercado de trabalho tende a ser confundido com as divisões e a representação e as demandas
sindicais e corporativas. Em síntese, mais que alguma lógica oculta em alguma "ciência
do Estado", o "poder" e a dominação em nome de esquemas de classificação podem estar nas
relações mais prosaicas das categorias estatísticas com as estruturas sociais e de formulação e
representação de interesses.
Comparativamente à ISCO-88 que serve de referência, as últimas versões do CBO não apresentam
muitas diferenças. Porém, algumas são muito significativas e indicativas das condições de
sua adaptação. Na apresentação da 3ª edição de 2010 no que tange às "bases conceituais" destacadas
são ainda mais próximas daquelas da versão da ISCO-88 de 2007, com destaque para
a definição de ocupação como "agregação de empregos ou situações de trabalho similares
quanto às atividades realizadas". Por sua vez, o "emprego ou situação de trabalho" é definido
como "um conjunto de atividades por uma pessoa, com ou sem vínculo empregatício". Também
a exemplo da ISCO-88, é destacado o conceito de "competência", definido como tendo
duas dimensões, ou seja: o "nível de competência", em função da "complexidade, amplitude
e responsabilidade" e o "domínio
(ou especialização)",
que se relaciona com as "características
do contexto do
trabalho como área de conhecimento,
função, atividade
econômica, processo
produtivo, equipamentos,
bens produtivos que identificarão
o tipo de profissão
ou ocupação" (MTE, 2010,
pág. 7-8). Portanto, a ênfase
na escolarização aparece
num conceito com pretensões
de maior amplitude, o
de "competência" e o caráter
setorial é expresso principalmente
na noção de "domínio
ou especialização".
Como os principais critérios
de definição e agrupamento
das ocupações estão baseados
no grau de escolarização
e no ramo de atividade,
no caso das ocupações com
maior titulação escolar, particularmente
aquelas de nível
universitário, a própria
área/disciplina de conhecimento
serve de referência
para o ramo ou setor de atividade. Mas como nesse caso há maior proximidade entre a esfera de
formação, de regulamentação das prerrogativas profissionais e de definição da respectiva ocupação,
acaba ocorrendo uma espécie de sobreposição e de "hiperrepresentatividade". Ou seja,
qualquer indivíduo e a respectiva titulação escolar podem ser classificados simultaneamente
em diferentes ocupações e setores e ramos de atividade. Devido a isso, todas as ocupações com
base na titulação universitária são acompanhadas por uma nota destacando que no "mercado
de trabalho é comum ocorrerem casos de profissionais que exercem, concomitantemente, funções
de professor universitário e pesquisador" ou, então, de determinada ocupação profissional
conforme a titulação e a de professor universitário ou de pesquisador, sendo codificado conforme
a atividade principal. À primeira vista, o problema dessas relações muito indiretas e diferenciadamente tangenciais entre
as classificações ocupacionais e seus significados quanto à posição social poderiam ser contornadas
com a utilização da posição na ocupação ou as relações de trabalho como indicador. Porém
as definições de posição na ocupação a tornam demasiadamente ampla e vaga para contribuir
decisivamente para tanto. Do mesmo modo que os esquemas de classificação de ocupações,
aquele relativo à posição na ocupação adotado pelo IBGE tem origem na OIT, que formulou um
primeiro esquema em 1958, tendo sido reformulado em 1993 (http://laborsta.ilo.org/applv8/data/
icses.html Disponível em 03/03/2012).
Foto de Eduardo
Pavón, www.eduardopavon.com
Porém, os principais problemas decorrem da amplitude dos
critérios. Embora tenham a pretensão de contemplar "o grau de ligação entre a pessoa e o trabalho
e o tipo de autoridade", isso está circunscrito ao tipo de "contrato de trabalho", apesar de que possa
ser "implícito" Ocorre que as diferenças quanto à "autoridade", tanto entre cada categoria relativa à
posição na ocupação quanto internamente a cada uma tomada separadamente, vão muito além
do tipo de "contrato". Isso abrange todas as hierarquizações formais ou informais, com base na estrutura
de cargos, mas também na detenção e controle de outros recursos, particularmente os de
cunho econômico, político e de capital de relações sociais. Conseqüentemente, com esse grau de
generalidade e abstração no que tange aos princípios de classificação, as diferenças quanto à respectiva
posição social abrangem distâncias que incluem, por exemplo, os que se situam no topo
dos "assalariados", podendo consistir em altas "autoridades" administrativas, políticas e econômicas,
até os assalariados em condições de existência as mais precárias. Algo semelhante ocorre com
a categoria dos "empregadores", que podem incluir de grandes empresários até aqueles com apenas
um empregado. Por outro lado, a divisão quantitativamente mais importante tendo em vista à
especificação e a diminuição do grau de generalidade da categoria dos trabalhadores assalariados
tem como critério o tipo de unidade ou de organização na qual o trabalho é realizado. Trata-se da
divisão entre os "empregados" e os "trabalhadores domésticos", que prestam trabalho doméstico
remunerado, portanto, se tratando de um tipo de "empregado", embora o local do exercício não
seja uma grande organização formal, cujo modelo, como já referido, está na base da matriz desses
esquemas de classificação.
Porém, além das organizações e "representantes" de setores e categorias ocupacionais e da ISCO-88,
outra base de fundamentação dos princípios e critérios de prescrição quanto ao grau de escolarização
e relações de trabalho, consiste nas próprias relações de interdependência empiricamente
constatáveis entre a posição social ou mais especificamente, o montante de rendimentos, as categorias
ou agrupamentos ocupacionais, as relações de trabalho ou posição na ocupação e o grau
ou quantidade de escolarização. Portanto, nos resultados empíricos da própria aplicação destes
esquemas é possível constatar determinadas relações de interdependência entre o montante de
rendimentos, a ocupação, a posição na ocupação e o grau de escolarização, que em geral podem
ser tomados no sentido de determinação. Além do montante de rendimentos, caso houvesse outros
indicadores de posição social também poderiam ser incluídos como decorrência do grau de
escolarização e, inclusive, de formalização das relações de trabalho. Isso decorre da unidimensionalidade
desses esquemas de classificação estatística, tendo como base, particularmente, a divisão do
trabalho e o grau de escolarização ou "competência" como princípios. Como já mencionado, essa
unidimensionalidade tende a aumentar nas últimas versões da ISCO-88 e do CBO. Por exemplo,
o grande grupo do CBO de maiores rendimentos, na versão atual definido como dos diretores e
gerentes, contém todas as categorias de "proprietários" e de "empregadores" das versões anteriores,
mas de modo apenas implícito. Embora nessas versões a condição de "proprietário" é tomada como
"ocupação", pelo menos é enunciada, ao contrário da versão de 2002 do CBO, onde essa diversidade
de categorias é reduzida a "membros superiores do poder público, dirigentes de organização de interesse
público e de empresa e gerentes" e na adaptação elaborada pelo IBGE, simplesmente em "diretores
e gerentes". Mas o importante a destacar é que essa unidimensionalidade, que serve de base
para a conversão da interdependência do montante de rendimentos relativamente à quantidade
de educação formal em determinação causal, é ainda mais acentuada nas publicações da própria
OIT. Além dos próprios esquemas de classificação, isso pode ser facilmente constatado inclusive, em
suas publicações, como aquelas relativas aos levantamentos internacionais periódicos do mercado
de trabalho publicados no boletim Key Indicators of the Labour Market-Kilm (http://www.ilo.org/
empelm/what/wcms/index.htm Disponível em 25/03/2012).
Quanto aos efeitos de indução de esquemas de entendimento que as idealizações contidas
nesses códigos podem implicar, para tomar apenas alguns casos exemplares, no que tange às
prescrições do grau de escolarização, na versão de 2002 do CBO para os grandes grupos, tendo
como base a ISCO-88, foi estabelecido quatro níveis. "O nível 4 reúne os profissionais de nível
superior constantes no GG [grande grupo] 2. O nível 3 refere-se aos técnicos de nível médio,
constantes no GG3. Os GGs 4, 5, 6, 7, 8 e 9 majoritariamente se referem aos trabalhadores de
nível 2. Os trabalhadores elementares (nível de competência 1) encontram-se identificados em
algumas famílias dos GGs 4, 5, 6 e 9 (...) Há dois grandes grupos para os quais não são associados
níveis de competência, dada a sua heterogeneidade: o que se refere aos dirigentes (grande
grupo 1) e o que se refere às forças armadas, bombeiros e polícia militar GG0" (MTE, 2010, V. 2,
pág. 8, nota 1). Empiricamente, por exemplo, para o censo de 2010, no que tange ao grande
grupo dos diretores e gerentes, pouco mais da terça parte (34,6%) tem curso superior e uma
proporção um pouco mais alta (38,4%) possui o equivalente ao ensino médio, sendo que o
restante tem apenas o fundamental (11,9%) ou é sem instrução ou com apenas o fundamental
incompleto. Quanto ao grande grupo dois, equivalente ao nível quatro ou ao ensino superior,
apenas 65,1% têm essa titulação e a quarta parte (25,0%) tem o ensino médio e o restante situase
nas faixas inferiores de titulação. O grande grupo três, para o qual foi prescrito o nível médio,
apresenta pouco mais da metade (53,5%) com esse grau, a quinta parte (21,6%) com curso superior
e o restante situa-se nas faixas inferiores. O grande grupo quatro, dos trabalhadores dos
serviços, vendedores dos comércios e mercados, que corresponderia majoritariamente ao nível
dois e parte ao nível um, tem mais da metade (59,2%) com ensino médio e o restante com curso
superior (15,5%), fundamental (16,2%) ou sem instrução ou com o fundamental incompleto
(9,2%). Quanto ao grande grupo seis, dos trabalhadores qualificados da agropecuária, florestais
e da caça e da pesca, que também corresponderia majoritariamente ao nível dois e parte ao nível
um, ocorre algo completamente distinto, com uma forte concentração no extremo inferior,
dos sem instrução ou com o fundamental incompleto (78,5%) e quase todo o restante (12,6%)
situa-se na faixa imediatamente acima, do ensino fundamental. Algo semelhante, embora em
menor grau, ocorre com o grande grupo sete, dos trabalhadores qualificados, operários e artesões
da construção, das artes mecânicas e outros ofícios, que corresponderia majoritariamente
ao nível dois, com participação no nível um, mas empiricamente com mais da metade (51,1%)
na faixa do extremo inferir, correspondente aos sem instrução ou com o fundamental incompleto
ou nas faixas imediatamente acima. No grande grupo oito, dos operadores de instalações
e máquinas e montadores ocorre uma menor concentração no extremo inferior, mas ainda
abrange quase a metade (43,1%) sem instrução ou com o fundamental incompleto e o restante
nas faixas imediatamente acima. Essa concentração no extremo inferior é particularmente forte
no grande grupo nove, das ocupações elementares, embora para o mesmo também seja prescrito
o nível dois. Nesse grande grupo bem mais da metade (61,5%) está situada no extremo
inferior, correspondente aos sem instrução ou com o fundamental incompleto e o restante nas
faixas imediatamente acima. Por fim, para o grande grupo zero, correspondente aos membros
das forças armadas, policiais e bombeiros militares, que também estariam mais associados ao
nível dois e parte no nível um, a maior concentração está no ensino médio (59,9%), com pouco
mais de um quinto (21,0%) com curso superior e o restante nas faixas abaixo. Quanto às relações
de trabalho, ainda que os resultados estatísticos não possam ser expostos em detalhes,
cabe destacar que apenas alguns grandes grupos têm a maior parte como empregado com
carteira assinada (inclusive militares e funcionários públicos estatutários). Além dos membros
das forças armadas se destacam os trabalhadores de apoio administrativo (86,5%), os profissionais
das ciências e intelectuais (68,4%), os operários de instalações e máquinas e montadores
(65,1%) e os técnicos e profissionais de nível médio (73,0%). Por outro lado, grandes grupos
como os trabalhadores qualificados da agropecuária, florestais, e da caça e da pesca (7,8%), das
ocupações elementares (46,8%), trabalhadores qualificados, operadores e artesões da construção,
das artes mecânicas e outros ofícios (49,0%), têm menos da metade nessa condição.
No total do universo essa proporção atinge pouco mais da metade (54,4%) e os empregados
sem carteira assinada no conjunto do universo atingem quase a quinta parte (18,9%). Os por
conta própria representam a quase a quarta parte (23,9%) do total do universo. Apesar das dificuldades
técnicas decorrentes das mudanças nos critérios e categorias de classificação, essas
relações entre grandes grupos ocupacionais e o grau de escolarização e as relações de trabalho
podem ser observadas também nos censos anteriores ao de 2010, pelo menos em termos aproximativos.
Porém, essas tendências quanto à distribuição não chegam a apresentar diferenças
significativas, com exceção daqueles decorrentes da menor titulação escolar em geral, comparativamente
ao censo de 2010.
Isso tem implicações teóricas e metodológicas muito profundas, sendo que a mais geral está associada
ao problema do grau de validade das categorias dos esquemas de classificação estatística,
particularmente aquele das ocupações para a análise de estruturas e posições sociais. Frente
à mencionada unidimensionalidade dos esquemas de classificação e do objetivismo primário
dos critérios de revisão, que confundem idealizações e representação de interesses categoriais
com condições ocupacionais, a discussão não pode se restringir ao estabelecimento de algum
critério de aferição da validade ou da falsidade de determinada categoria ou agrupamento ocupacional.
Como já mencionado, se por um lado o esquema utilizado anteriormente no Brasil é
muito compósito, incorporando diferentes princípios de classificação de ordem distinta, além
de seu caráter fortemente setorialista, com a incorporação do esquema da ISCO-88, com seu
alto grau de unidimensionalidade e a projeção de códigos e interesses representados em sua
adaptação, ocorre uma espécie de incidência em graus diferenciados para cada categoria ou
agrupamento ocupacional. Esse grau diferenciado decorre da maior ou menor distância entre
as condições e as divisões e classificações já socialmente objetivadas ou enunciadas e aquelas
formalizadas e oficializadas nos esquemas de classificação estatística.
Classificações Estatísticas, Categorias Ocupacionais e Estratificação Social
No que tange mais especificamente à análise de posições sociais, os efeitos dessa matriz que
tende a supervalorizar a titulação escolar e as relações de trabalho assalariadas formalizadas e
o aumento da unidimensionalidade do esquema de classificação das ocupações com base na
ISCO-88 tem efeitos diversos e decisivos. O primeiro e mais geral desses efeitos é o aumento
das possibilidades da já mencionada confusão entre causalidade circular e efeitos reversos com
determinação. Isso se aplica particularmente no princípio da "competência" ou grau de escolarização,
além da situação na divisão do trabalho, como básicos para a definição das categorias
e agrupamentos ocupacionais. Como a escolarização é interdependente dos demais recursos,
sempre são constatáveis relações quantitativamente positivas entre a sua quantidade ou o grau
de titulação e os demais indicadores de posição social, particularmente o montante de rendimentos.
Porém, como os critérios de definição das categorias no esquema anteriormente utilizado
no Brasil são mais compósitos, em alguns casos indicam inclusive para condição social
e não apenas para "ocupação". É o caso, por exemplo, de categorias como os empresários, os
empregadores, os diferentes tipos de proprietários, dentre outras, que foram todas subsumidas
pelas ocupações de "administradores" ou "dirigentes". Desse modo, não é possível discernir o
que exatamente está sendo medido ao aferir o montante de rendimentos conforme cada categoria
ocupacional. Além do fato de não se dispor de indicadores relativos ao montante do
patrimônio econômico e o único critério de classificação estar centrado na ocupação, é apenas
dessa perspectiva que são captadas as relações com os demais indicadores. Sendo assim, embora
possa fazer sentido o fato de que uma boa parte das categorias que ocupam o topo no
rank do montante de rendimentos pertencerem ao grande grupo dos profissionais das ciências
e intelectuais no censo de 2010 ou nos agrupamentos homólogos nos censos anteriores, não
há como explicar porque a maior parte dos que se situam nesse topo são do grande grupo dos
"administradores" ou assemelhados.
Sendo assim, relativamente às mudanças nos esquemas de classificação, cabe destacar que, se
por um lado representam problemas técnicos na comparação entre censos, por outro, também
servem como indicador das redefinições dos princípios e critérios subjacentes às definições das
categorias ocupacionais e dos agrupamentos. No que tange particularmente ao topo quanto à
posição social, as mudanças com mais implicações e com efeitos na imposição de um novo critério
unidimensional consiste na substituição daquelas categorias que denotam alguma condição
social com base em determinada espécie de recurso não baseado na "competência" e na situação
relativa à divisão social do trabalho pelo esquema com origem na ISCO-88. Desse modo,
como já mencionado, apesar do forte setorialismo com base numa determinada matriz inter
e intra-setorial do trabalho ou das atividades, nos esquemas de classificação utilizados pelos
censos anteriores, algumas categorias "ocupacionais" que remetem para determinada condição
social com base em recursos não necessariamente decorrentes da "competência" ou da situação
na divisão social do trabalho, particularmente os de ordem econômica, são pelo menos
enunciadas. É o caso, por exemplo, das já mencionadas categorias como os diversos tipos de
proprietários, de empregadores, de empresários de diferentes ramos, dentre outras. Isso tem
implicações muito diretas particularmente, em dois aspectos relativos à análise das relações
entre categorias ocupacionais e posição social. A primeira dessas implicações é a já mencionada
confusão da causalidade circular nas relações entre a detenção de determinados recursos, dentre
os quais, especialmente a titulação escolar e as classificações estatísticas, como se houvesse
algum efeito de determinação causal. Porém, como a "competência" supostamente requerida
constitui o principal critério de classificação, na unidimensionalidade do esquema esse critério
é o principal a incidir no enquadramento. Sendo assim, na medida em que todas as categorias
que indicam alguma condição, como aquelas com base na detenção ou no controle de capital
econômico (empresários, empregadores, etc.) são captadas apenas da perspectiva da quantidade
ou da titulação escolar supostamente requerida para o exercício da ocupação. Em síntese, as
diferentes espécies de empresários, empregadores e categorias semelhantes são convertidas
simplesmente em "diretores" e "gerentes".
Isso está na base dos resultados distintos ao tomar por diferentes graus de agregação como
unidade de análise. Num extremo, ao tomar por grandes grupos (um dígito), na comparação
dos censos de diferentes períodos, os resultados tendem a uma distribuição na qual, monotonamente,
no topo se destacam os diretores e gerentes ou as denominações equivalentes anteriores,
seguidos imediatamente pelos profissionais das ciências e intelectuais ou denominações
similares e já próximos da média geral quanto ao montante de rendimentos, os técnicos de nível
médio e denominações semelhantes dos esquemas anteriores. Todos os demais grandes grupos
tendem a se situar abaixo da média geral de rendimentos.
Por outro lado, ao tomar pelos níveis de maior desagregação o grau de alternância das categorias
que ocupam o topo do montante de rendimentos é relativamente alto. É muito difícil
obter algum grau maior de discernimento relativamente ao quanto essa alternância decorre de
mudanças nos esquemas de classificação ou, então, de alterações nas posições relativas quanto
ao montante de rendimentos. Além disso, se por um lado o grau de especificação se eleva muito
ao tomar as categorias num nível mais desagregado, ocorrendo casos em que categorias componentes
de um mesmo grande grupo ou subgrupo se distanciam muito, por outro o grau de
dispersão (medido pelo desvio padrão), apesar de relativamente distinto, em geral é muito alto,
seja ao tomar por grupos ou por categorias no nível mais desagregado.
Ao submeter a um teste de comparação de médias do rendimento mensal total em julho de
2010 para os dez grandes grupos, a distribuição forma uma escala que, grosso modo, é homóloga
ao grau de titulação escolar, o que, como já mencionado, pode ser interpretado como
decorrente de alguma relação de causalidade, constituindo assim mais uma base para a transformação
dos efeitos de causalidade circular ou de efeitos reversos em crença. Nessa escala,
no extremo superior se situam os diretores e gerentes (média de 4233,52 em moeda brasileira
da época), seguidos de perto pelos profissionais das ciências e intelectuais (3498,85), pelos
membros das forças armadas (3042,40) e já com uma distância maior, também pelos técnicos
de nível médio (2039,51). Esses quatro grandes grupos são os que apresentam médias acima
daquela do conjunto do universo (1451,02). Os grandes grupos com média abaixo apresentam
variações menores, com exceção daqueles situados no extremo inferior. Pouco abaixo da média
geral do conjunto do universo se situam os operadores de instalações e máquinas e montadores
(1155,88), seguidos de perto pelos trabalhadores de apoio administrativo (1137,53), operários
e artesões da construção, das artes mecânicas e outros ofícios (1072,31) e pelos trabalhadores
dos serviços, vendedores dos comércios e mercados (1083,94). No extremo inferior se situam os
trabalhadores qualificados da agropecuária, florestais, da caça e da pesca (792,43) e o grande
grupo das ocupações elementares (630,43). Como, embora no penúltimo caso se trate de um
grande grupo definido como de "trabalhadores qualificados", mas com relativamente baixo grau
de titulação escolar e o último, das ocupações elementares o critério da "competência" ou baixo
grau de escolarização é o principal definidor, os resultados para esse pólo inferior quanto às médias
de rendimento também confluem para o reforço da crença no grau de escolarização como
determinante do montante de rendimentos.
Para o censo de 2000, que utiliza um esquema de agrupamento semelhante ao adotado em
1991 (mantendo o código anterior), os resultados são muito semelhantes aos obtidos para 2010,
apesar das diferenças de nomenclatura. O censo de 1991 foi o primeiro que adotou o novo
esquema de classificação com base na ISCO-88. Essa adoção, no entanto, foi parcial e, conseqüentemente,
há diferenças significativas relativamente aos esquemas adotados nos censos
posteriores. Como já mencionado, os censos de 1980 e de 1970 utilizam o esquema de classificação
anterior à adoção da ISCO-88, o que implica em diferenças significativas. Essas diferenças
abrangem tanto os critérios e as definições dos agrupamentos como das categorias ocupacionais.
No que tange aos grandes grupos relativamente ao censo de 1980, o primeiro aspecto mais
geral que se evidencia é que, apesar do setorialismo característico dos critérios de definição e de
agrupamento, os resultados estatísticos são muito semelhantes àqueles obtidos para os censos
posteriores. Os resultados para o censo de 1970, o primeiro a se dispor de microdados, também
são muito semelhantes, com algumas mudanças nas posições relativas. Em síntese, a exemplo
dos demais censos examinados, na composição desse pólo superior dos rendimentos trata-se,
basicamente, de um conjunto de categorias de ocupantes de cargos públicos, de profissionais
portadores de titulação universitária economicamente mais valorizada, de administradores de
empresas e de proprietários. Nesse censo de 1970, certamente em decorrência do esquema de
classificação, não se destacam nesse pólo os administradores de organismos públicos que não
os do judiciário e as categorias de proprietários aparecem em quantidade bem menor que no
censo de 1980. Em todo caso, são essas categorias de proprietários que, como já mencionado,
nos censos mais recentes são formalmente convertidas em tipos de administradores, conforme
os novos critérios e princípios, que tomam a "competência" e a posição na divisão do trabalho
como base principal e quase exclusiva, portanto, ficando impossível discernir em que medida a
posição social ou, mais prosaicamente, o montante de rendimentos decorre do grau de escolarização,
da posse e controle de capital econômico, do capital de relações sociais e da influência
"política", dentre outros recursos, de modo separado ou em combinação.
A alternativa para alcançar um maior grau de especificação dos grupos e categorias e suas respectivas
posições no rank do montante de rendimentos, é tomar através de esquemas de classificação
e agrupamento menos agregados. O grau máximo dessa desagregação é o nível das
categorias (quatro dígitos) para os censos mais recentes. Os censos mais antigos com microdados
disponíveis não dispõem de todos os esquemas intermediários, mas em compensação, ao
operar com o código de classificação antigo evidenciam outras relações, como aquelas entre o
grande grupo dos administradores e as diversas categorias de proprietários. A apresentação dos
resultados nesses níveis mais desagregados, no entanto, seria demasiadamente extensa.
Considerações finais
O caráter unidimensional e de supervalorização da escolarização em esquemas como a ISCO-
88 tem várias conseqüências. Uma das mais gerais dessas conseqüências é a equivalência
entre ocupação com condição social, que decorre particularmente do pressuposto da ocupação
como princípio exclusivo da participação nas atividades econômicas e sociais em geral e
a escolarização como a responsável exclusiva pela "competência" e pela especialização. Essa
supervalorização da escolarização está diretamente associada e é reforçada pela constatação
geral de relações estatisticamente positivas entre quantidade de educação formal, montante
de rendimentos e categorias ocupacionais e sua transformação em "causa" no sentido de agente
causador. Simultaneamente, como a ocupação enquanto especialização funcional é tomada
como modalidade exclusiva de integração social e econômica, torna-se o critério exclusivo de
classificação, em detrimento daquelas "atividades" decorrentes da simples condição associada à
detenção de outros recursos que não a escolarização.
Como essa supervalorização da educação ou "competência" e da especialização vinculada à divisão
do trabalho e sua setorialização interage com a representação sindical ou corporativa e com
o grau de reconhecimento e regulamentação formal e oficial, o principal efeito geral consiste
em que o grau de "aplicabilidade" ou de adequação desse esquema é completamente variável e
dependente de cada situação particular. Ou seja, do mesmo modo que categorias socialmente
muito amplas e com muito peso quantitativo são classificadas de modo muito precário e tangencial
ou aproximativo, como os "agricultores" ou ainda como os classificados em categorias de
ocupações "mal definidas", outras mais próximas mas insignificantes em termos ocupacionais ou
quantitativos constituem categorias formalmente especificadas. Porém, como já mencionado,
não se trata apenas de algum problema mais geral centrado em algum determinado universo
social ou econômico e sua inadequação frente ao esquema de classificação oficial, como o caso
do "artesanato" francês descrito por Zarca (1993). No caso em pauta todas as categorias se apresentam
de modo diferenciado conforme sua maior ou menor distância frente ao esquema de
classificação, que decorre das relações com a divisão social do trabalho ou melhor, da leitura da
mesma conforme esse esquema
Outro efeito geral dos graus diferenciados de aplicabilidade ou possibilidade de enquadramento
desse esquema de classificação é que as categorias mais distantes são as que se situam nos
extremos, superior e inferior, no que tange à posição social, evidentemente, por razões distintas.
No extremo inferior, como se trata de um esquema fortemente centrado na escolarização e na
divisão social do trabalho numa perspectiva da organização "empresarial" urbana industrial, não
apenas o conjunto de categorias não integradas diretamente em relações de trabalho assalariado,
como aquelas na unidade familiar e assemelhadas, como também o trabalho assalariado
em unidades domésticas apresenta problemas de classificação e enquadramento. Mas, mesmo
deixando de lado o conjunto de categorias classificadas de modo muito parcial ou aproximativo
e tomando apenas aquelas formalmente declaradas como "mal definidas", em geral se trata daquelas
que se situam no extremo inferior quanto à posição social, seja em termos do montante
de rendimentos, do grau de escolarização, da formalização das relações de trabalho ou de outro
indicador qualquer. Quanto à adaptação desse esquema às condições brasileiras, é importante
notar que no próprio trabalho das instituições contratadas pelo IBGE, como a FIPE (Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas da USP), as chances de classificação e o grau de "enquadrabilidade"
dependem explicitamente da maior proximidade e presença no universo empresarial,
sindical ou corporativo e com o grau de titulação escolar, que, como já indicado, é inclusive
tomado como critério básico. Isso está vinculado ao mencionado problema da "pobreza" e da
"desigualdade" ou da integração social como matriz subjacente nos esquemas do IBGE.
Quanto ao pólo superior no que tange à posição social, no esquema da ISCO-88 é onde se situa
o agrupamento geral definido como das ocupações "administrativas" ou de "direção". É nesse
pólo superior que esses princípios de classificação ocupacional se demonstram mais compósitos,
apesar de sua unidimensionalidade. Isso aparece inclusive na composição dos subgrupos
desse agrupamento geral das ocupações "administrativas", com um voltado para os "empregadores"
ou "proprietários", outro mais centrado nos "administradores" e um terceiro nos "administradores"
do setor público. Em síntese, a título de "ocupação" de "administrador" são incluídas as
categorias cuja principal base social de existência é a posse de capital econômico, o poder político
(com base eleitoral ou por cooptação), além dos que teriam como fundamento a posição de
comando no próprio estabelecimento, como "administradores" propriamente ditos. Por outro
lado, como a condição de "proprietário" constitui um critério "ocupacional" independentemente
das relações de trabalho, também são incluídas categorias cuja ocupação exclui qualquer função
de "empregador" ou de assalariado, como os "agricultores", os "pecuaristas", dentre outros.
Essas últimas categorias, em termos práticos na aplicação desse esquema no Brasil oscilam ambivalentemente
entre esse agrupamento do topo quanto à posição social e o extremo oposto,
ou seja, aquele dos "trabalhadores na agricultura".
Tanto para a ISCO-88 como em sua aplicação brasileira o caráter setorialista do esquema de
classificação de ocupações é muito mais centrado nos critérios de agrupamento. Nesse ponto
também é importante notar que o único grande grupo (em nível de um dígito) do conjunto de
10 que não está relacionado com alguma esfera de produção ou conjunto de ramos de atividades
é o dos "dirigentes em geral" ou, no censo de 2010, "diretores e gerentes". Ou seja, trata-se
daquele situado no topo quanto à posição social. Algo semelhante ocorre com os subgrupos
(em nível de dois dígitos).
Como já mencionado, à primeira vista esses problemas decorrentes da matriz setorialista e do
peso decisivo da escolarização para a análise das relações entre classificações ocupacionais e
posição social poderiam ser amenizados com a utilização de indicadores como a posição na
ocupação. Isso contemplaria inclusive um dos critérios principais no esquema de Erickson e
Goldthorpe (1992), que destaca a modalidade de contrato ou de relações de trabalho como
principal indicador do poder de comando ou de subordinação. Porém, o principal problema na
utilização da posição na ocupação no que tange às relações com a posição social é a quase exclusividade
da modalidade formal da relação de trabalho como recorte do que seria posição na
ocupação. Conseqüentemente, a principal divisão é aquela entre assalariados, empregadores e
trabalhadores por conta própria. Os recursos de especificação, em geral, se restringem ao tipo
de estabelecimento, como é o caso dos trabalhadores domésticos, ao setor (público ou privado
e em alguns casos, se é militar) e, por fim, o grau de formalização ou de oficialização do vínculo
de emprego, através da existência ou não de carteira assinada. Evidentemente, nesse grau
de generalidade e estando assentada apenas nas relações de trabalho ou vínculo de emprego,
a posição na ocupação, embora possa contribuir, se torna muito pouco discriminativa para a
análise da posição social. Por exemplo, todos os funcionários públicos, independentemente da
posição hierárquica ou de qualquer outro critério, acabam incluídos na mesma categoria. A isso
se acresce o problema da inexistência de informações estatísticas relativas ao montante do patrimônio
econômico, o que não chega a ser uma exclusividade brasileira, mas em todo caso poderiam
amenizar esse alto grau de generalidade das categorias quanto à posição na ocupação.
Notas
1 Com base nesse estudo, foi elaborado outro texto mais extenso, centrado nos problemas do caráter multidimensional das estruturas sociais frente aos esquemas de classificação estatística (Statistical Classifications, Occupational Categories and Social Stratification), ainda inédito.
2 Se tomado como um caso exemplar nesse sentido o de uma publicação oficiosa cujo autor ocupou cargos de direção no IBGE, a hagiografia não se restringe a algum tipo de consagração de "figuras" ou "vultos" da instituição, mas abrange a própria disciplina numa espécie de "evolução iluminista", na qual se incluiriam as "ciências de Estado" e, evidentemente, a estatística (ver, particularmente, Senra, 2005, pág. 61-62).
3 Para mais detalhes relativamente às correspondências entre os usados no Brasil e a respectiva fonte internacional ver http://ibge.gov.br/concla/corresp.php Disponível em 25/03/2012 e para as fontes da OIT http://laborsta/ilo.org./classification Disponível em 25/03/2012). Mais recentemente, há um conjunto de políticas no sentido de integrar os países que formam o MERCOSUL, além de outros da América Latina, num processo de adaptação conjunta desses esquemas internacionais (http://www.ibge.gov.br/censo/mercosur.shtm Acessado em 10/01/2013
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