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Folia Histórica del Nordeste

versión impresa ISSN 0325-8238versión On-line ISSN 2525-1627

Folia  no.30 Resistencia dic. 2017

 

RESEÑAS BIBLIOGRÁFICAS

Salinas, María Laura; Quarleri, Lía Renata (Editoras). Espacios misionales en diálogo con la globalidad Iberoamérica. Resistencia: ConTexto Libros. Universidad Nacional del Nordeste. Facultad de Humanidades: Conicet. Instituto de Investigaciones Geohistóricas, 2016, 252 pp.

Recibido: 10/11/2017
Aceptado: 10/12/2017

O livro compõe-se de trabalhos muito bem elaborados, através dos quais pode-se perceber sua sintonia em relação aos avanços teóricos e metodológicos demonstrados pela historiografia recente, referentes a atuação da Companhia de Jesus nos territórios coloniais das coroas ibéricas. A obra apresenta, também, dimensão interdisciplinar, uma vez que as pesquisas que o constituem abordam o passado a partir de perspectivas não apenas atentas às questões históricas, mas também antropológicas e arqueológicas. Sendo assim, destaca-se pelo intento em propiciar uma compreensão globalizada das relações da Companhia ao conectar as historicidades das missões e de seus integrantes nos diferentes lugares abordados; porém, sem ignorar as particularidades contextuais e incapacidades individuais que corroboraram a ação dos padres inacianos, bem como os entraves institucionais existentes e as relações entre estes órgãos e seus submetidos.

Ao considerar o labor missional jesuítico no processo de conquista e evangelização nas Filipinas, Coello de la Rosa ressalta a importância de uma análise não isolada das reduções, mas, sim, tomadas em conjunto. Ao tratá-las em sua dimensão Ásia-Pacífico, ele destaca a importância de se observar as missões em localidades fronteiriças, pois estas se constituem elementos-chaves para o entendimento do processo de formação de redes de conexões regionais e continentais. O autor afirma que, se, por um lado, as instalações inacianas buscavam propagar os valores do ecumenismo cristão, assumindo, assim, o papel de mediadores culturais, por outro, ao longo de sua participação junto à Coroa espanhola tornaram-se, também, agentes políticos, econômicos e territoriais, uma vez que suas ações e ocupações contribuíram não apenas para consolidar, e ampliar o espaço ocupado, contribuindo para o desenvolvimento do comércio transoceânico, como, também, na formação de um espaço geopolítico.

Ao abordar a lógica de organização das milícias indígenas das missões religiosas situadas nas regiões de Guayrá, Chiquitos e Mojos, Avellaneda analisa o papel defensivo que estas hostes desempenharam em relação às investidas de bandeirantes portugueses, bem como o impacto que exerceram na consolidação de fronteiras em diferentes regiões. A autora destaca-se que embora as milícias conservassem antigas e distintas estruturas de poder, a integração social foi possível devido ao inimigo em comum e à necessidade de defesa de um ambiente também compartilhado. No entanto, ela ressalva que, embora as milícias de nativos do Guayrá tenham se desgastado devido às contínuas mobilizações a serviço da Coroa, o mesmo não se passou com as de Chiquitos e Mojos, subordinadas às autoridades locais. A autora busca demonstrar como o pacto entre os caciques reduzidos e os jesuítas possibilitaram aos primeiros consolidar o poder que dispunham sobre seus séquitos, aumentando também o número de suas parcialidades, e mantendo-se independentes da sociedade colonial; e aos segundos, assegurar a defesa e a continuidade das reduções.

Eduardo Neumann discorre sobre a questão da escrita como instrumento de catequese destinada à evangelização da população nativa missioneira e a insuficiência dos textos diante da vivacidade dos dialetos compartilhados pelos nativos e que se encontravam em contínua transformação. Segundo Neumann, era através da fala que os temas de maior repercussão circulavam na sociedade missioneira. O autor destaca que embora os textos tivessem primazia diante da fala, devido à sua relevância na comunicação epistolar e nos trabalhos de demarcação, também entre os nativos alfabetizados a expressão verbal permanecia uma qualidade distintiva, sendo a oratória um atributo necessário para quem almejasse assumir a liderança entre os guaranis. Neumann apresenta claros exemplos de como coexistiram escrita e verbalização, argumentando que o uso de uma não implicaria na rejeição da outra. Ele evidencia uma tensão existente na concomitância dos usos da escrita e da palavra falada ao apontar que, se, por um lado, as lideranças indígenas buscavam importantes informações sobre a mobilização das tropas ibéricas, fazendo uso de comunicação epistolar, por outro, muitos dos nativos rebelados desconfiavam da validade dos tratados por escrito, valorizando em tais casos, o acordado em assembleias.

Através da análise de obras linguísticas jesuítas, Chamorro busca dar a conhecer os termos mbya e ase, que, assim como ava, eram utilizados na língua guarani para referir-se aos seres humanos. Ao versar sobre o vocábulo ava, a autora não apenas descreve vários exemplos para seu uso, como, também, apresenta situações em que os sentidos da palavra podem agregar conotações positivas ou negativas dependendo do caso. Sobre ase, além de elucidar suas características gramaticais, ela destaca a função que o termo agrega ao significar nos seres humanos aspectos relativos à alma e ao corpo. Em relação à palavra mbya, Chamorro demonstra como esta pode oscilar de sentido, conforme o papel ativo ou passivo do sujeito - tanto no singular, como no coletivo.

Diez Gálvez busca aprofundar o conhecimento sobre as missões a partir das especificidades artísticas inscritas nas obras religiosas das igrejas dos pueblos de Mojos e Chiquitos. Sendo assim, a autora classifica os itens em categorias para a partir das características de cada item perceber a capacidade de produção local, o comércio de artigos importados, bem como o desenvolvimento de verdadeiras escolas artísticas. Ainda que em ambos os casos, tiveram que importar parte de suas obras durante todo o período de administração jesuíta, em meados do século XVIII Mojos e Chiquitos dispuseram de mestres locais que vieram a desenvolver produtos de alta relevância artística, e, posteriormente, tiveram suas técnicas transformadas em importantes escolas, inclusive, irradiando peças às missões circunvizinhas.

A partir de algumas das preconceituosas afirmações com as quais os padres da Companhia de Jesus construíram a representação etnográfica dos nativos assentados nas reduções religiosas, Paz busca demonstrar como estes espaços estavam intrinsecamente envolvidos no processo de construção e consolidação de poder dos caciques que ali se estabeleciam. O autor aponta como as referências históricas onde os jesuítas registraram juízos de valor - encontradas, por exemplo, nas acusações de inconstância dos nativos - nos permitem perscrutar as estratégias que por estes estavam sendo empregadas naqueles momentos. Por um lado, precisavam fomentar o desenvolvimento de um líder nativo que serviria como intermediário nas suas relações com os demais neófitos; e para isso, permitiam aos caciques disporem de bens imateriais e materiais, através dos quais, estes, podiam fortalecer seu prestígio. Os padres, por outro lado, necessitavam limitar esta autonomia dos caciques e do restante do grupo; e isso buscavam ao tentarem impedir as relações matrimoniais poligâmicas - que propiciavam alianças com outros grupos étnicos. Com isso, a complexa relação estratégica para com os indígenas reduzidos levava os jesuítas a se oporem às práticas tradicionais e, ao mesmo tempo, agir com liberalidade sobre certos hábitos dos nativos, como a bebedeira e o ócio.

Galhegos Felippe destaca a incapacidade dos jesuítas em compreender a lógica empregada pelos indígenas na satisfação de suas necessidades alimentares. Segundo o autor, a alegação do nomadismo dos nativos - aspecto social chave de sua interpretação - foi reiteradamente utilizada pelos religiosos e demais agentes administrativos para julgar os grupos aborígenes do Chaco como incapazes de se auto gerenciarem. Entretanto, Galhegos Felippe ressalva que, inclusive, os grupos chaquenhos em redução apresentavam as mesmas características que as distintas parcialidades que optavam pela continuidade do modo de vida tradicional. Assim, ele afirma que a prática do "nomadismo" tão denunciada pelos jesuítas era, na verdade, uma atividade econômica de manutenção e consumo conscientes dos alimentos ofertados pelo espaço. Segundo o autor, nem mesmo as sociedades horticultoras da região desenvolveram procedimentos voltados à conformação de estoques. Portanto, alega não se tratar de que as sociedades indígenas do Chaco não fossem capazes de se apropriarem de instrumentos e métodos de cultivo, na verdade, os índios produziam excedentes suficientes para as práticas de reciprocidade, conforme a tradicional economia nativa.

Analisando a produção e o trabalho na hacienda La Chacarita, Ciliberto recorta seu gerenciamento desde o afastamento da Companhia de Jesus até o governo de Juan Manuel de Rosas no intuito de identificar transformações e continuidades em sua organização produtiva e mercantil. A autora inicia seu trabalho salientando que as distintas propriedades urbanas e rurais pertencentes à Companhia de Jesus teriam composto um sistema econômico articulado, rentável e suficiente. La Chacarita destacava-se como a mais produtiva unidade agrícola. Segundo Ciliberto, ao desarticular o sistema jesuítico de gestão a primeira administração da Junta de Temporalidades, ainda que tivesse mantido uma produção excedente voltada para o comércio, suscitou algumas dificuldades para a sustentabilidade do estabelecimento. Assim, a hacienda teve aumento nos gastos em consequência do descompasso entre a lógica de produção sistêmica dos inacianos e a administração fragmentada realizada pelo arrendatário. Este, ao receber o estabelecimento em sua totalidade não teria se ocupado da produção de insumos voltados ao consumo interno, o que teria implicado no encarecimento da força de trabalho por ele empregada. No entanto, o arrendatário que sucede a administração da hacienda - a despeito da produção diversificada dos jesuítas - logra uma relativa recuperação econômica basicamente com apenas o cultivo de trigo e cevada, e a extração de lenha. Para o período do governo de Juan Manuel de Rosas, a autora identifica a continuidade de uma produção diversificada. Porém, a chácara já não mais assegurava sua inserção mercantil a partir da produção e comercialização exclusivamente do trigo; neste momento, ela estaria dependendo fundamentalmente da venda de lenha, do arrendamento por dinheiro, e da fabricação de adobe.

Ao refletir "Para além das ruínas ..." que atestam a presença dos jesuítas em localidades hoje pertencentes ao estado do Rio Grande do Sul, Barcelos tece sua narrativa abordando as apropriações simbólicas e construções de identidades apreendidas a partir do que ele denomina por Sistema Solar Patrimonial. O autor alega que o expressivo volume de escritos produzidos pelos missioneiros serviu para - além de seus objetivos imediatos - construir uma memória reproduzida acriticamente ao longo do século XIX. Barcelos destaca que apenas a partir da segunda metade do século XX surge uma historiografia disposta a discutir e desmistificar aspectos desta história laudatoriamente construída. No entanto, ele ressalva que, embora no ambiente acadêmico as elogiosas interpretações dos feitos da Ordem tenham sido contidas, o mesmo não se pode afirmar sobre a atuação de agentes sociais externos, uma vez que estes permaneceram abstraindo uma imagem - advertidamente - idealizada. Assim, argumenta sobre como o acúmulo de referências textuais e materiais à obra missioneira conformaram um "núcleo duro" simbólico, lugar de onde emanam imagens suficientes para ratificar no presente o discurso preteritamente construído. Desta forma, caminhos, ruínas, personagens e objetos ganham relevância social e turística fomentada pela ação de agentes sociais, respaldados por políticas públicas municipais e em parceria de órgãos públicos estatais. De acordo com o autor, uma vez que um local histórico é apropriado pela sociedade como parte de sua memória, criam-se condições para que neste local desenvolva-se também uma relação de auto identificação cultural e simbólica.

Esta é uma obra cujo pioneirismo do trabalho em articular distintos espaços missionais, se ocupando de especificidades existentes em cada uma destas localidades, deve ser destacado, uma vez que os escritos aqui relacionados proporcionam melhor entendimento sobre a dimensão implicada pela atuação dos jesuítas. Desse modo, o trabalho de elaboração do livro também merece ser valorizado. Portanto, o esforço desempenhado por María Salinas e Lía Quarleri para a concretização deste empreendimento, sem dúvida alguma, é um fator a ser elogiado. Aguarda-se novos projetos e o aprofundamento das propostas globalizantes. Que ao intento se dê continuidade, e que se possa explorar, ainda, outras formas de se concatenar "o todo", seja através de temas similares em distintas regiões em um mesmo período, ou em relação a outros marcos e referenciais históricos fortes o bastante para justificar suas comparações e particularidades.

Marcelo Augusto Maciel da Silva *

* Mestrando em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Bolsista de Mestrado pelo CNPq. marceloaugustus@msn.com

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