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Relaciones internacionales

On-line version ISSN 2314-2766

Relac. int. vol.29 no.58 La Plata Jan. 2020

http://dx.doi.org/https://doi.org/10.24215/23142766e087 

Estudios

A contribuição de Bourdieu para a ciência e os objetos das Relações Internacionais

La contribución de Bourdieu a la ciencia y los objetos del campo de Relaciones Internacionales

Bourdieu's contribution to the field of International Relations and its objects

Marina Scotelaro Doctora en Relacionales Internacionales (PUC Minas-Brasil), docente en el Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH-Brasil)1 

1(UniBH-Brasil)

Resumo

O trabalho problematiza o papel, ainda incipiente, da sociologia de Pierre Bourdieu para compreensão dos objetos analisados no campo de Relações Internacionais bem como de seu entendimento crítico como um campo social específico. O argumento central do artigo se divide em duas partes. Primeiro, aponta para contribuições da sociologia dos campos para uma historiografia crítica da formação do campo científico das Relações Internacionais. Em segundo lugar, demonstra como os objetos do campo, os fenômenos sobre o “internacional”, podem ser apropriados pelas noções de Bourdieu. Para além de uma revisão de literatura de parte da obra de Bourdieu, realiza-se uma análise bibliográfica dos trabalhos de autores internacionalistas com o intuito de contribuir para os debates teóricos do campo.

Palavras-chave Pierre Bourdieu; Relações Internacionais; Sociologia do conhecimento; Fenômenos Internacionais

Resumen

El trabajo problematiza el papel, aún incipiente, de la sociología de Pierre Bourdieu para la comprensión de los objetos analizados en el campo de Relaciones Internacionales, así como de su entendimiento crítico como un campo social específico. El argumento central del artículo se divide en dos partes. Primero, apunta las contribuciones de la sociología de los campos realizadas a la historiografía crítica de la formación del campo científico de las Relaciones Internacionales. En segundo lugar, demuestra cómo los objetos del campo, los fenómenos sobre lo "internacional", pueden ser apropiados por las nociones de Bourdieu. Además de una revisión de parte de la obra de Bourdieu, se realiza un análisis bibliográfico de los trabajos de autores internacionalistas, con el propósito de contribuir a los debates teóricos del campo.

Palabras clave Pierre Bourdieu; Relaciones Internacionales; Sociología del conocimiento; Fenómenos Internacionales

Abstract

The paper questions the still incipient role of Pierre Bourdieu's sociology in understanding the objects analyzed in the field of International Relations as well as his critical understanding as a specific social field. The central argument of the article is divided into two parts. First, it points to contributions from the sociology of the fields made to the critical historiography of the formation of the scientific field of International Relations. Second, it demonstrates how the notions of Bourdieu can appropriate the objects of the field, the phenomena about the “international”. In addition to a literature review of part of Bourdieu's work, a bibliographical analysis of the works of internationalist authors is carried out with the aim of contributing to the theoretical debates in the field.

Keywords Pierre Bourdieu; International Relations; Sociology of Knowledge; International Affairs

Fundamentando em bases disciplinares da filosofia política do século XIX, o campo científico de Relações Internacionais (RI) se consolida em meados do século XX, a partir de desenvolvimentos na academia estadunidense. As primeiras abordagens formais do campo foram oriundas da Ciência Política behaviorista, cujo o desenvolvimento teórico foi assumindo um contorno mais claro, de modo que algumas bases fundacionais permaneceram inalteradas (Hagmann & Biersteker, 2012). Isso se altera a partir dos anos 1980, com a emergência de alternativas analíticas reflexivistas que ampliam o espaço para questionarmos sobre o que se constitui o objeto “internacional” e suas formas de apreensão (Kurki & Wight, 2013). Deste movimento, uma das áreas de estudo que emerge se relaciona a estudos sociológicos e estudos metateóricos acerca das práticas acadêmicas e da construção de conhecimento no campo de Relações Internacionais (Wæver, 1998). Nas RI, esta temática assume um papel importante para a compreensão história da formação do campo ao examinar o material teórico do campo, com o intuito de clarificar, avaliar e aprimorar os sistemas conceituais utilizados nos estudos empíricos sobre a política mundial (Ashworth, 2014; Chernoff, 2007; Freire, 2013). Neste caso, Pierre Bourdieu tem sido autor ainda pouco utilizado nos estudos sociológicos do campo, e detrimento a outros autores cânones do campo, como Popper (1993), Kuhn (1998) ou Lakatos (1978).

O objetivo do artigo é, portanto, compreender as apropriações de Bourdieu para as Relações Internacionais, a fim de ressaltar a validade da obra do autor para a entendimentos mais robustos sobre o internacional e sobre o desenvolvimento do próprio campo científico. Em termos de objeto material – os fenômenos próprios do campo, o “internacional” – ressalta-se que Bourdieu contribui para a investigação da construção dos objetivos e dos campos de estudos das subdisciplinas; enquanto objeto formal – as maneiras como a comunidade científica se apropriam dos fenômenos – Bourdieu colabora para uma reconstrução das ideias e como elas se constituíram ao longo do tempo. Ademais, Bourdieu auxilia nos estudos sociológicos do próprio campo, sintetizando as formas pelas quais os objetos formais e materiais se estruturaram em contexto históricos específicos com determinados propósitos específicos (Cox, 1981). Assim sendo, é possível desvelar como se forjaram práticas sociais científicas específicas, dando forma aos campos global e nacionais das RI.

Desta forme, o trabalho busca contribuir para a validação de Bourdieu no campo de RI (assim como já o é para outras áreas do conhecimento) a partir de alguns aspectos. Por um lado, percebe-se uma utilização crescente de Bourdieu aos estudos no campo, sobretudo a partir dos anos 2000 (Adler-Nissen, 2013; Leander, 2006; Targa, 2017). Bourdieu deve ser valorizado nas RI para como um dos aportes acerca das interpretações que trabalham sobre hierarquias sociais duradouras nas práticas acadêmicas e na produção de conhecimento no campo (Cohen, 2018, pp. 207-208). Além disso, suas contribuições ampliam o potencial de teorias já vigentes inserindo a noção de cultura às mesmas. Por outro lado, cumpre um papel de trazer à tona um sociólogo que se relaciona diretamente com aspectos estruturais do campo das Relações Internacionais, e que foi negligenciado frente às contribuições de outros autores oitocentistas como Max Weber, Karl Marx, Emile Durkheim na constituição fundacional dos estudos sociais no campo (Pouliot & Mérand, 2012, p. 25).

Para além desta introdução, este trabalho conta com mais três partes. A próxima seção versa sobre as apropriações de Bourdieu dentro do campo de Relações Internacionais para compreensão do mesmo como campo científico. O propósito é abordar seus conceitos chave para o estudo dos campos sociais, no caso do artigo, dos campos científicos. Na seção subsequente, dedicou-se a entender os objetos internacionais interpretados e problematizados a parir de suas categorias. Trabalhou-se alguns dos fenômenos caros às pesquisas de Relações Internacionais a partir da sociologia dos campos bourdieusiana com o propósito de demonstrar o potencial de entendimento das práticas sociais empreendidas pelos atores em diferentes subcampos da área. Por fim, nas considerações finais, aponta-se para a potencialidade de Bourdieu para a robustez das análises sobre o “internacional” bem como para a construção na sociologia crítica das Relações Internacionais.

1. Contribuições de Bourdieu para uma compreensão do campo científico das Relações Internacionais

Foi a partir de debates epistemológicos dentro das Relações Internacionais que a noção de reflexividade foi incorporada no campo (Bueger, 2012), elemento chave na perpectiva sociológica bourdieusiana. Por um lado, a partir da virada cultural nos anos 1970 (Jackson, 2008), houve uma ampliação conceitual e de temas a serem trabalhados sobre o “internacional”, permitindo a inserção de temas culturais nos estudos do campo. Ao mesmo tempo, abriu-se espaço para o questionamento do modelo racionalista que determinou a produção teórica do campo nas décadas anteriores. Por outro lado, a partir da virada linguística (Lapid, 1989) em finais da década de 1980, a reflexividade passa a incidir sobre o subcampo da história internacional, alcançando também os emergentes estudos sociológicos do campo. Neste último, a análise das produções bibliográficas do campo permitiu compreender tanto a construção das interpretações sobre os fenômenos como também os jogos de forças entre os pesquisadores que participaram das lutas disciplinares para validação dos conhecimentos produzidos na área. Com a virada prática que o campo absorve nos 1990 (Adler-Nissen, 2012a; Jackson, 2008), Bourdieu é revistado e inserido progressivamente com mais vigor nos debates epistemológicos e sociológicos do campo.

As obras aqui citadas de Bourdieu perpassam uma série de trabalhos cujo intento não é realizar uma revisão bibliográfica extensiva, mas selecionar aquelas mais pertinentes ao propósito do trabalho (Bourdieu, 1975; 2002a; 2002b; 2002c; 2003; 2004; 2005). Com isso, pretende-se pontuar a forma como os autores de RI se apropriam e entram em contato com os conceitos do autor para alinhar suas perspectivas. De início, e fundamentalmente, é importante começar pela noção de campos sociais. Estes são entendidos como espaços sociais específicos nos quais determinados agentes sociais se orientam e agem de acordo com algumas regras e leis de funcionamento. Cada campo possui objetivos e bens específicos disponíveis que os atores buscam e competem pela obtenção dos mesmos (Bourdieu, 2002c, pp. 47, 95; Leander, 2006, p. 6). De modo geral, os campos constituem aspectos particulares da sociedade, cada um com suas próprias dinâmicas de funcionamento, mas que se justapõem e se relacionam formando redes de atuação dos agentes sociais (inseridos em todos eles). Em contrapartida, os campos específicos – como a ciência – têm estruturas próprias que alocam os agentes de forma diferenciada formando estruturas de posições diferenciadas que condiciona a ação dos atores sociais.

Em vista disso, o que conforma a continuidade das práticas dos agentes dentro o campo é a forma como a estrutura do mesmo incide sobre os agentes, resultando em suas ações. As regras, tácitas e explícitas, de um campo circunscrevem não só a forma do campo, mas algumas predeterminações para ações dos agentes. Como cada campo possui objetivos próprios, por consequência, criam-se certas expectativas sobre as formas como os agentes podem ou não se comportar na busca dos objetos oferecidos pelos campos. A prática, nesta acepção, é conformada pela ideia de habitus, uma espécie de estrutura cultural incorporada pelos agentes (Bourdieu, 1975, p. 23). É a partir desta lógica que é possível se compreender a ciência (no caso, a ciência das Relações Internacionais), como um campo social específico. Dotado de um status diferenciado, a Ciência é um campo de dinâmicas internas próprias, cujo objetivo principal é operacionalizar as teorias sobre entendimentos de certos objetos apreendidos pelas mesmas. No campo das RI, o principal objeto analisado é o “internacional” (Duroselle, 2000).

Por este ângulo, é possível afirmar que o autor contribui para desvelar a permanência deste objeto para o campo. No que tange às discussões ontológicas do campo, as leituras de Pierre Bourdieu se inserem nos debates metateóricos do campo, notadamente nas disputas entre as tradições de pesquisa dominantes sejam do positivismo ou pós-positivismo (Adler-Nissen, 2012a, p. 71;Lapid, 1989; Laudan, 1978). Foi a partir das perspectivas acerca das “relações objetivas” vinculadas às estruturas sociais que as contribuições de Bourdieu foram incorporadas de forma tangencial nos estudos epistemológicos do campo (Berlin, 2012, p. 64). Isto fez que com que o autor fosse classificado como atrelado às lógicas empiricistas no campo dado sua perceptiva estrutural (Pouliot & Mérand, 2012, p. 24)[1 ]. A partir da virada linguística em finais dos anos 1980 e da “virada prática” nos anos 1990, as contribuições de Bourdieu são então revisadas de forma a incorporar o elemento da reflexividade e de sua epistemologia da prática sobre o entendimento na construção social do conhecimento.

Neste ponto, Bourdieu toca em um dos dilemas metodológicos mais caros ao campo das Relações Internacionais: a relação entre estrutura e agência dos níveis de análise (Adler-Nissen, 2013, pp. 8-9; Singer, 1961; Wight, 2006). Em grande medida, os autores de RI se alternam entre perspectivas de agência – na qual os atores determinam os processos políticos causalmente – ou estruturais no sentido de que o sistema ou a esturra internacional determina a prática dos autores (Waltz, 2010). Contudo, se aproximando da noção de construtivismo e perspectivas a ele vinculadas posteriormente nos anos 1990, a noção de “construtivismo estruturalista” – como Bourdieu se auto situa (Pouliot & Mérand, 2012, p. 25) – assume uma correspondência evidente. Para o autor, a relação co-constitutiva que delega tanto às estruturas sociais como aos esquemas de interpretação dos agentes assume um papel central no seu modelo de sociologia dos campos. Os atores passam por processos constantes de socialização de comportamentos, de modo a ajustar suas práticas individuais às alternativas definidas pelo campo (Bourdieu, 2002a, p. 118). Assim, há um misto de consciência e inconsciência dos atores no processo – incorporam as leis do campo e ajustam aos seus padrões individuais de referências e suas leis em outros campos. O que afasta Bourdieu da perspectiva construtivista de Wendt (2014) é a não preocupação deste último com as relações de poder e as estruturas de dominação – uma lacuna posteriormente preenchida seja pelo desenvolvimento da tradição construtivista (Kratochwil, 1989; Onuf, 1989) como por outras correntes como as análises neo-gramscianas (Cox, 1981). A ideia de anarquia internacional como uma construção social não pode se resumir a percepção dos atores (Wendt, 1992), mas ao resultado de relações de poder sobre formas distintas de se compreender o mundo social (Pouliot & Mérand, 2012, p. 26; Zehfuss, 2001).

Nesta lógica, Bourdieu dissolve o problema da agência-estrutura uma vez que relaciona de forma inextrincável as tradições objetivistas – relacionas as perspectivas de estruturalistas –, com a noção da agência – fundamentada nas tradições interpretavistas – (Adler-Nissen, 2012, p. 2).“O habitus deve ser entendido como uma máquina de ação cultura. É (…), ‘a orientação semiconsciente (mas não inata) que os indivíduos têm do mundo. Esta orientação ‘forma a base para a prática’.”[2 ] (Jackson, 2008, p. 164, tradução nossa). Em inter-relação, os chamados “níveis de análise” são os produtos das interações sociais, ou seja, o produto das práticas dos atores. A despeito de delegar um papel importante às estruturas objetivas dos campos, não é possível considerar o autor como um estruturalista, no sentido determinista do termo, uma vez que tais estruturas por ele consideradas são apenas duráveis enquanto os atores mantiverem os esquemas de hierarquias vigentes. A depender das ações estratégicas dos atores sociais e pelos dos recursos postos em jogo, os campos podem sofrem mudanças profundas se extinguido ou se perpetuando. Ademais, vale ressaltar que o papel centrado na reflexividade dos atores que assumem a consciência das práticas pode alterar suas estratégias dentro dos campos para obtenção de posições dentro (e fora) do mesmo (Jackson, 2008, pp. 165, 168)

Para agir dentro dos campos, as possibilidades de cada agente estão, em alguma medida, dimensionadas pela quantidade de recursos que os mesmos detêm frente ao objeto/lógica do próprio campo. O tipo de recurso específico ao qual Bourdieu denomina de capital simbólico cumpre duas funções na sociologia dos campos: 1) permite com que os agentes conquistem o objeto pretendido e 2) distribui as posições mesmos dentro das estruturas do próprio campo. O resultado esperado das lutas por capitais estabelece as estruturas de posições entre os agentes do campo que os diferenciam a depender do capital do qual dispõem. Aqueles que ocupam posições privilegiados reproduzem as práticas dominantes do campo, mantém seu doxa – as práticas dominantes – em continuidade, empreendendo estratégias de conservação. Em outras camadas, os demais agentes podem buscar manter o comportamento dominante, alcançando a elite do campo, ou empreender estratégias de subversão, para alterar a distribuição de capital científico disponível. Assim, a posição ocupada e os recursos disponíveis configuram as possibilidades estratégicas de atuação nos campos científicos.

Na ciência, o capital simbólico é do tipo científico e segue leis de acumulação próprias. Diferente de um ambiente de cooperação, os campos são espaços de disputa, de lutas disciplinares, por acumulação de capital, o que culmina consequentemente na concentração de capital em algumas frações do campo (Bourdieu, 1975, pp. 27-28). Na ciência, o acúmulo de capital está diretamente relacionado à ideia de legitimidade e prestígio para se determinar a validade do conhecimento de uma dada área. Para obter o capital conhecimento científico, é possível operar a partir de duas modalidades diferentes. Por um lado, busca-se o capital puro, que representa a produção de conhecimento objetivo, inovações teóricas e de conteúdo para o campo. Por outro lado, busca-se um tipo de capital institucional, que está relacionado a ação dos atores em espaços acadêmicos – instituições, congressos, eventos (Bourdieu, 2004, pp. 35-41). A fração dominante tem como estratégia se manter em posições privilegiadas para dar continuidade o doxa do campo científico – neste caso, os instrumentais teóricos e metodólogos predominantes para a produção do conhecimento da área (Bourdieu, 1975, pp. 32-39; 2002c, p. 121). O comportamento esperado desta fração – grupos ou elites que detém o poder ou não de manter as tradições dominantes do campo – é desempenhar um papel de gatekeeper[3 ] das estruturas de posição e da distribuição de capitais no campo (Crane, 1967; Yoels, 1974).

Assim sendo, considera-se que os métodos não se desassociam dos tipos de conhecimento produzidos. Os desenhos de pesquisa são discursos inseparáveis das práticas sociais, das posições dos atores e do contexto onde estão inseridos, geralmente atrelados àqueles que concentram a maior quantidade de capital simbólico disponível no campo. Como “ferramentas analíticas” (Leander, 2006, pp. 2-5), a reflexividade o modelo interpretativo de Bourdieu foca no poder simbólico que leva em conta uma espécie de violência constitutiva do mundo social (Targa, 2017, p. 65). Este argumento se faz claro quando se considera que as autoridades científicas produzem os significados que moldam as práticas de todos atores inseridos nas comunidades acadêmicas. De modo geral, as práticas de produção de conhecimento parecem desinteressadas, voltadas para produção de novos saberes. Contudo, sem a reflexão sobre a forma de como são executadas – sem a percepção sobre os contextos nos quais o habitus disciplinar é estruturado –, mantêm-se e reproduz-se as hierarquias sociais.

A posição do pesquisador é um ponto cego nas correntes dominantes das RI e tem sido amplamente negligenciado pelo reflexivismo, embora pareça seguir logicamente as alegações epistemológicas sobre a impossibilidade de se produzir de conhecimento neutro.[4 ] (Berlin, 2012, p. 67, tradução nossa).

Portanto, para além da análise da linguagem posta nas produções científicas, suas estruturas discursivas que continuem o saber científico (Foucault, 1999; 2008), é necessário ir além do texto e perceber como a prática dos agentes reproduzem as representações estruturas discursivas de cada campo. Antes de se institucionalizar, já havia a pratica sobre como lidar com os processos internacionais (Berlin, 2012; Targa, 2017).

No caso das Relações Internacionais, a estrutura do campo foi instituída a partir do exercício de política externa e da diplomacia (Targa, 2017), cujo projeto mais significativo se situa nos anos 1950, momento em que se busca dar continuidade à supremacia estadunidense que havia se estabelecido desde o período do pós-II Guerra Fria (Guilhot, 2011; Parmar, 2011). Enquanto ciência, as RI germinaram ao longo do período entre guerras até meados do século XX, gestando os aspectos materiais e formais do campo. Em termos contextuais, a institucionalização dos debates acadêmicos estadunidenses que marcaram a definição do campo em relação à Ciência Política e definiram a identidade da disciplina se situou em meio às disputas das grandes potências na bipolaridade, momento de instabilidade política com níveis de segurança internacional instáveis. Esta narrativa esteve ancorada nas contribuições originárias de Carr (1946) e Morgenthau (1956) aos estudos de política internacional, que imputaram o tom estadocêntrico e belicista ao campo. A posição privilegiada desfrutada pela academia estadunidense pode ser traduzida em um tipo de paradigma científico capaz de dominar a formulação do comportamento padrão do campo (seu doxa). Por um lado, desfrutava de capital puro, oriundo do fortalecimento da área de Ciência Política a partir da revolução behaviorista dos anos 1950; por outro, a existência de organizações como a Fundação Ford, com alto grau de concentração de capital institucional, viabilizou o desenvolvimento de atividades científicas. A partir da centralização dos Estados Unidos, grande protagonista das relações internacionais e definidor das Relações Internacionais, a acepção da última sugeriria a primazia de suas ações na primeira (Hoffman, 1977).

Entretanto, a desigualdade da distribuição de capital marginalizou a disseminação de tipos específicos de saberes sobre o internacional bem como outras formas relevantes de se produzir conhecimento – inclusive no polo europeu[5 ]. O efeito ontológico deste processo foi a delimitação das margens do campo a partir de ações que são políticas por natureza (Smith, 2002, p. 82). Assim, entende-se que a disciplina é “muito menos internacional” do que o próprio nome sugere (Kristensen, 2013). Isto não ocorre por uma dominação política ou centrada em um Estado, mas a partir de elites concentradas no mundo anglo-saxão. Como mais um dos campos simbólicos sociais, tal ciência se fundamentou em agentes com mais capital (inclusive em outros espaços sociais) que legitimaram e naturalizaram o doxa sobre o entendimento do internacional (Berlin, 2012, p. 65).

Logo, o espaço social por meio destes agentes dominantes (situados no centro estadunidense do centro da política mundial ao longo da segunda metade do século XX) determinou a permanência de uma Ciência Social positivista por formação. O fato de o campo estar mais integrado/internacionalizado hoje não implica necessariamente em uma supressão da desigualdade ou rompimento com as estruturas de poder do campo. Com isso, não se nega o fato de existirem centros-periferias – ou estruturas de poder internas aos campos nacionais – no campo. O que se pontua é a existência de uma estrutura internacional de poder que repercute sobre as estruturas de poder nacionais, restringindo suas capacidades de entrar nos círculos de produções de valor científico internacional de forma proporcional, ou se valendo das lógicas submissas, pouco subversivas, frente do campo científico de forma pura ou institucional (Kristensen, 2013).

O que melhor explica este movimento, dentro da ciência, a partir da perspectiva bourdieusiana, é a existência do chamado “habitus disciplinar”, que agrega as metodologias e objetos analisados centrais e que são disseminados como entendidos como centrais ao campo. Aqueles socializados a este habitus disciplinar adquirem o direito de admissão necessário para entrada no campo, e assim, produzir o conhecimento legitimado pelo campo (Bourdieu, 1975, p. 23). Este entendimento não desconsidera as características individuais dos atores nos campos, uma vez que os intelectuais optam por estratégias e caminhos distintos ao longo de suas vidas. Por isso, é fundamental considerar os “habitus de trajetória”, que seria o conjunto de qualidades particulares absorvidas pelos atores sociais inseridos em outros espaços sociais, com seus ordenamentos sociais particulares. E é por esta razão que o tipo de conhecimento produzido está atrelado ao contexto sócio histórico no qual se situa em relação aos outros capitais de outros campos sociais que incidem sobre ele.

Notadamente, estes processos só podem ser revelados a partir uma de reconstrução histórica das Relações Internacionais que vise, em larga medida, reconstruir o objeto de estudo, a origem ontológica do campo, conectando seu desenvolvimento à geopolítica do conhecimento (Bell, 2009, pp. 8-12). Dessa forma, o resgate do passado por meio de releituras e questionamento dos mitos fundadores da disciplina (Carvalho, Leira, & Hobson, 2011; Jackson 2008, pp.159) permitiria identificar o discurso prevalecente e as alternativas que foram subjugadas e esquecidas ao longo do processo de construção de uma cultura eminentemente ocidental (Inayatullah & Blaney, 2004). Isto é sensível quando se avalia o momento fundacional do campo, lançando uma análise crítica sobre a historiografia tradicional. No caso das Relações Internacionais, como a ideia de competência se vincula a permissão para avaliar e legitimar certas tradições de pesquisa que tenha a capacidade de lidar de forma mais duradoura (Bourdieu, 2003, pp. 74-80) com os fenômenos internacionais, os atores sociais predominantes se valeram de outros capitais para impor as estruturas do campo que até hoje perduram, em alguma medida, como dominantes no campo – as racionalistas.

Este processo de validação só se fez possível quando houve um reconhecimento da autoridade científica capaz de manter sua posição legítima no campo. Para tanto, os capitais científicos podem ser parte central, mas são também mesclados a outras posições ocupadas e capitais de outros campos sociais adquirindo mais força na manutenção de tal hierarquia social. Um elemento chave da sociologia dos campos de Bourdieu é fato de que nenhum campo é hermeticamente fechado e todos exercem influência uns sobre os outros, o que inclui o campo científico (Bourdieu, 2003, p. 114). Os agentes não têm plena liberdade de agir dentro dos campos onde estão inseridos, dado o fato que estão imersos em vários campos ao mesmo tempo. Quanto mais os agentes do campo detêm poder/capital para determinar os caminhos do mesmo, mais autônomo o campo se configura. Isto significa diretamente definir as lógicas de estruturação e a baixa influência de outros agentes de outros campos no funcionamento dos mesmos (Bourdieu, 2004, pp. 30-31; Cohen, 2018, p. 205).

No caso das Relações Internacionais, isto teve um papel definidor e mantém-se em alguma medida, por natural indefinição de uma identidade teórica e incertezas metodológicas, o campo passa por processos recorrentes de influências de outros campos científicos – sociologia, linguística, ciências sociais (Ashworth, 2014). O objetivo era estabelecer as bases para uma ciência normativa, com máximas prudentes e não princípios empíricos cientificistas. Neste momento, mantendo uma tradição elitista e conservadora na realização de conferências regionais, a presença de atores políticos diretamente envolvidos na política exterior financiados por fundações de pesquisa evidencia o papel dos formuladores de decisão política no desenvolvimento do que viria a ser considerado como “teoria” básica da política internacional para o campo nascente de Relações Internacionais (Guilhot, 2011). Ressalta-se assim, que desde o momento fundacional do campo de RI, a prática dos agentes do campo moldou as possiblidades analíticas do se tornaria um campo social científico frente a outras Ciências Sociais.

No caso das Relações Internacionais, uma ciência transdisciplinar, a influência dos capitais particulares dos atores – científicos e políticos – incidiu de forma decisiva na formação do mesmo. Desde seus primórdios, por vezes situados no século XVI com a paz de Westfalia (Carvalho, Leira, & Hobson, 2011), é reconhecido que as contribuições de outras ciências sociais foram fundamentais na formação do objeto científico específico do campo de RI. Entretanto, tal uma discussão ainda é uma disputa entre as tradições historiográficas tradicionais e à historiografia crítica do campo (Ashworth, 2014). Identificar os traços intelectuais e suas implicações sobre os conteúdos do campo e a forma como se estabeleceram ao longo do tempo foi, em grande parte, determinada pelas condições materiais anteriores ao século XX que viabilizaram a formação deste novo campo, sobretudo, quando consideradas as práticas imperialistas e de caráter nacionalista dos Estados modernos (Schmidt, 1998).

Ainda, uma forma de perceber a influência de outros capitais e outros espaços nacionais sobre a formação das comunidades domésticas é lançar um olhar sobre as revistas acadêmicas (Wæver, 1998; Breuning, Bredehoft & Wlaton, 2005; Kreimer, 1993; Turton, 2016) a partir das leituras de Bourdieu (Deciancio, 2016; 2017; Kreimer, 1993; Sarlo, 1992; Sarthou 2011; 2012). As revistas cientificas são aqui entendidas como uma forma de disseminação e validação do conhecimento produzida no campo; quanto mais internacionalizadas maior a circulação deste conhecimento e acesso entre os agentes. É possível, desta forma, explorar o campo tanto em seus aspectos tanto cognitivos quanto institucionais (das metodologias de pesquisas às instituições de fomente e estrutura educacional strictu sensu. No que tange às revistas, ao considerá-las como espaços de legitimação de campos científicos, o estudo histórico das revistas é capaz de ressaltar a estrutura sincrônica do sistema de posições do campo (Sarthou, 2011). Ao mesmo tempo, é possível reconstruir a trajetória das ideias que conformação as tradições dominantes bem como os momentos de emergência de outros discursos da área. Dessa forma, a compreensão das revistas auxilia no processo de autonomização do campo e nos eixos da construção de um pensamento independente sobre a disciplina (berger, 2017).

O que se percebe, de modo geral, é um predomínio da produção substancial a partir do centro anglo-saxão, enquanto nos campos nacionais da periferia mundial as publicações predominantes focam em estudos de caso e pouco contribuem para os avanços teóricos mais amplos do conhecimento nas RI (Kristensen, 2013, 2013; Tickner, 2002; 2009; 2013), ainda que se perceba em periódicos de pesquisa uma diversidade maior de temas (Turton, 2016). Do exposto, é fundamental, ao longo das pesquisas científicas, ter em mente alguns elementos oriundos deste processo de reflexividade. A definição das agendas de pesquisa tem em si um elemento de escolha entre quais temas são priorizados ou marginalizados (Yoels, 1974). Além disso, as escolhas metodológicas já contêm em si uma perspectiva particularizada do pesquisador, o que leva a pensar no grau de comprometimento com a análise em si. Ademais, a reflexividade tem que estar conectada à própria interação do pesquisador com sua comunidade acadêmica em termos de linguagem e demais elementos sociais. Por isso, o que pode ser considerado um comportamento de prudência epistêmica (Leander, 2006, pp. 17-18) nada mais é do que a abordagem mais sistemática da cultura nos estudos campo ao ressaltar a “natureza” sociocultural das práticas e crenças dos agentes no campo. “(…) a reflexividade de Bourdieu prove aos acadêmicos de RI uma forma examinar criticamente as posições as quais eles mesmos e seus colegas falam.”[6 ] (Adler-Nissen, 2012a, p. 11, tradução nossa).

2. Bourdieu e os aportes sobre o “internacional”

Partindo da valide conceitual de Bourdieu para a compreensão dos processos disciplinares do campo, alguns trabalhos recentes utilizam a perspectiva bourdieusiana nas Relações Internacionais enquanto um instrumental analítico para compreender os objetos específicos do campo. Ainda há algumas dificuldades em como operacionalizar as “ferramentas analíticas” de Bourdieu para se trabalhar metodologicamente– ora apropriados em uma perspectiva mais pós-estrutural, ora enfatizando a contingência da agência (problema metodológico já apontado na seção anterior). Independente disso, os esforços analíticos se debruçam sobre objetos específicos do campo para compreender suas evoluções. A utilização dos conceitos críticos frente a ahistoricidade e apolitização dos fenômenos internacionais é útil para desmistificar tratamentos naturalizados sobre os objetos tomados como básicos para o campo.

(...) (os internacionalistas) estão fadados a produzir relatos de um mundo fantasioso onde o poder simbólico e a violência são ambos geralmente ausentes ou simplesmente presumidos como algo inexistente no mundo dos pesquisadores. Inversamente, as pesquisas com bases reflexivistas podem ter um significado social profundo pela desnaturalização, historicização e desmascaramento ao tomar como evidente entendimento e suas implicações de poder. Isto pode revelar o aspecto interessado das práticas aparentemente desinteressadas (na ciência). Isto pode ser usado para ‘desvelar as condições sociais de possibilidade’ nos contextos do mundo real. Portanto, uma ‘Realpolitik da Razão’ é tanto uma chave para pesquisa significativamente social quanto uma importante parte do mundo político real.[7 ] (Leander, 2006, p. 20, tradução nossa).

Assim, com o exame historiográfico da construção dos objetos e de seus campos e subcampos sociais específicos, Pierre Bourdieu contribui para o entendimento das hierarquias estabelecidas pelas práticas em torno dos mesmos. E é em um sentido crítico acerca da produção do poder simbólico que tais autores trabalham a partir de Bourdieu (Pouliot & Mérand, 2012).

O livro de Adler-Nissen (2012) problematiza a ausência de Bourdieu no campo das RI e traz uma compilação de artigos trabalhados sobre temas e conceitos chaves para o campo a partir da perspectiva bourdieusiana. A ideia da obra é conduzir o autor a um lugar ocupado por outras leituras sociológicas e culturalistas do campo, em uma tentativa de superar as reificações das leituras sobre a política mundial. “Enquanto a sociologia política se desenvolve rapidamente como uma perspectiva nas RI, existe um vazio no diálogo geral sobre as vantagens e desvantagens de se importar Bourdieu para as RI.”[8 ] (Adler-Nissen, 2012a, p. 1). Assim, com Bourdieu, é possível redescobrir as práticas e estruturas simbólicas que conformam as arenas de conflitos disciplinares do campo. Portanto, é possível reconsiderar os objetos do campo, incorporando elementos que vão além das análises a partir da linguagem. Com conceitos como campo, práticas e habitus, Bourdieu ajuda a entender: a) as linhas de exclusão e inclusão dos campos; b) quais grupos e instituições sociais permeiam a política mundial; c) quais os mecanismos de poder existentes no campo; e d) os usos conceituais em vários espaços sociais (Adler-Nissen, 2012a, p. 2).

No que tange aos objetos do campo, o Estado (um dos objetos originários do campo) é o elemento mais trabalhado por autores que se apropriaram das ferramentas analíticas de Pierre Bourdieu para a compreensão deste campo social vital. O Estado disfruta de uma condição especial entre os campos para Bourdieu, uma vez que cria seus próprios produtos simbólicos. Uma vez que agrega todos os campos e subcampo sociais existentes em uma dada sociedade, o mesmo estabelece entre eles um processo de dialético de interação continua para a própria definição do Estado. Por conseguinte, ao categorizar as estruturas sociais que o compõem, categoriza também os problemas pelos quais a sociedade vivencia e as próprias ciências que lidam com as questões sociais vigentes. Ao desafiar a noção clássica weberiana de monopólio do uso da força (Weber, 2004), entende-se aqui que a excepcionalidade do Estado reside no monopólio da acumulação da sua violência simbólica (Targa, 2017, pp. 72-75). Assim, é possível dizer que o Estado, para Bourdieu, configura-se como “meta-campo” cujos capitais simbólicos produzidos são reconhecidos como legítimos e disputados pelas elites de diferentes campos autônomos.

Esta linha interpretativa vai de encontro ao pensamento tradicional das Relações Internacionais, que insiste em considerar o Estado enquanto um ator, geralmente unitário par as perspectivas racionalistas, ou conformado por identidades em interação a partir de leituras reflexivistas. Dentro desta discussão, a ideia de soberania (Buzan &, Wæver, 2009; Wight, 1985) ganha espaço privilegiado por fornecer as bases constitutivas do que seria o sistema de Estados ou o que confirmaria a política inter-nacional (Adler-Nissen, 2012b, pp. 179-181). No entanto, do ponto de vista bourdieusiano, a soberania nada mais é como a reivindicação da autoridade que se consolida por uma prática histórica em contextos particulares específicos. Neste sentido, não cabe às RI – enquanto ciência que estuda o objeto “internacional” – reivindicar o monopólio sobre a interpretação deste meta-capital como simplesmente correspondente ao Estado e suas dimensões externas (Targa, 2017, p. 77).

Com isso, a própria noção do que segurança (Morgenthau, 1956; Walker, 1993) – elemento chave para definições clássicas de Estado – passam a ser reapropriadas quando aplicadas às noções de Pierre Bourdieu. A noção de prática assume papel central nas transformações das comunidades epistêmicas no habitus desempenhado na segurança e contra a (in)segurança nas relações internacionais (Bigo, 2013, pp. 114; 120-121). O entendimento do que é violência passa por transformações significativas a depender do contexto histórico. A partir de uma genealogia do conceito, é possível perceber que do nível individual ao controle do Estado, alcançando elementos para-estatais ou transnacionais, a ideia de segurança se transforma em algo definido por sua própria prática (Buzan, 1991; Pouliot, 2010). Assim, a comunidade epistêmica se transforma na medida em que se modifica o poder em jogo nas relações sociais. Por extensão, faz sentido pensar que a área de estudos estratégicos (Katzenstein, 1996; Schelling, 1960), entendidos como choques externos e a consequente aplicação de meios militares para resolução de crises externas linha de Bourdieu apresenta mais inconsistências na aplicação das ferramentas analíticas de Bourdieu (Mérand & Forget, 2013) A principal dificuldade é encontrar um arranjo comum sobre qual base deve se fundamentar o campo de estudos dada mutabilidade de seu objeto, condicionado a noção de violência anterior. Disto resulta uma dificuldade na comunidade epistêmica sobre formas de lidar com o poder material dos Estados pela gestão de conflitos (Mérand & Forget, 2013, p. 110). Isto, entretanto, não enfraquece sua contribuição aos estudos de segurança.

Na arena internacional, um elemento marcante tem sido a identificação de normas, que não eliminam a ideia de anarquia, mas que alteram as expectativas de comportamento dos Estados. Como mencionado anteriormente, a ideia de normatividade é questionada por Bourdieu e se aproxima da ideia de co-constituição das práticas desempenhadas pelos atores enquanto produtos da relação entre estrutura e agência (Wendt, 1987) – ou habitus e campo (Leander, 2006, p. 9). Contudo, a contribuição de Bourdieu se alinha à discussão já identificada por debates internos à tradição (Zehfuss, 2001) que supera a reificação de Alexander Wendt frente ao papel desempenhado pela agência. A perspectiva bourdieusiana de nómos delega em primeiro plano as relações de poder que são centrais à interação, e não apenas às normas estabelecidas em determinadas áreas de interação na política internacional (Epstein, 2013, p. 165). Este dimensionamento compreende as regras e normas como parte imbuídas de significados formulados em contextos histórico-sociais cujas características são reflexos das hierarquias construídas pelos discursos dominantes sobre a mundo realidade material disponível (Kratochwil, 1989, Onuf, 1989).

Ademais, estes entendimentos (p contribuem para o entendimento aprofundado destas relações quando dimensionados, por exemplo, os estudos de integração. Ainda que olhasse com uma perspectiva racionalista para o projeto da União Europeia, o uso construtivista estrutural da integração (Deutsch, 1957; Hass, 1958) – e posteriormente somados aos do desenvolvimento da teoria de regimes (Ruggie, 1983) – se aproxima de Bourdieu pelo questionamento dos níveis de análise. Os processos de integração não seriam frutos de uma perspectiva da ação puramente racional ou funcional para os atores, mas uma ideia ou identidade constituída pela prática diária de aproximações de identidades compartilhadas. Isto superaria o estadocentrismo constante das RI e coloca como fundamental as especificidades sociais das práticas e as transformações do campo de interação entre os atores envolvidos (seja do nível doméstico ou enquanto unidade de ação internacional).

Dentre objetos não tradicionais do campo (àqueles diferentes do ator Estado e do fenômeno da guerra e observados por outras lógicas para além de perspectivas racional-estruturalistas), Bourdieu contribui substantivamente aos estudos culturais e de gênero. As tradições de pesquisa tradicionais de RI delegaram por muito tempo à cultura um espaço tangencial na produção e conhecimento causal explicativo sobre o comportamento Estados no sistema internacional. Evidentemente, as abordagens reflexivas deram destaque a noção de cultura ao centralizam-na formação de identidade não só de indivíduos, mas também na percepção dos Estados frente ao sistema internacional (Wendt, 1992). Para além disso, Bourdieu vinculada a ideia de cultura como uma construção de crenças (Anderson, 2008), mas que operam o poder simbólico e cultural dentro dos campos referentes. Um dos pontos interessantes trabalhados nesta área de pesquisa se refere à noção de “carisma” na política (Williams, 2013, pp. 131-132). Diferentemente da concepção weberiana como uma qualidade do tomador de decisão (Weber, 2004, p.161), o carisma vem sendo utilizado por grupos terroristas, atores estatais. Há uma ligação entre estratégias simbólicas e de poder que envolvem a mobilizam de indivíduos para recrutamento para obtenção de objetivos políticos destes grupos, afetando a forma tradicional de lidar com a segurança transnacional.

No que tange aos estudos de gênero, é possível afirmar que Bourdieu e debruçou e foi apropriado para a problematização acerca das sobre hierarquias internacionais fundamentadas nesta relação social (Adkins & Skeegs, 2005; Bourdieu, 2001; Fraser, 1997). Entretanto, a literatura específica de Relações Internacionais ainda é incipiente na utilização de suas ferramentas analíticas para desvelar internacionalmente a constituição da violência simbólica estabelecia entre a relação do masculino-feminino. A grande contribuição de Bourdieu a este assunto permeia de forma clara o objeto dos estudos de gênero das RI. Em síntese, a permanência das hierarquias de gênero e suas possibilidades emancipatórias a partir do conceito da prática subversiva, performativa, demonstra pontos de contato evidentes entre os autores. Além de apresentar sinergias com as teorias sociais feministas, trabalha-se no nível da agência como resistência e problematiza-se o “internacional” como espaço político regulado pela ideia de masculino (Fraser, 1995).

Para além de toda a potencialidade apresentada, sem embargo, Pierre Bourdieu pouco contribuiu diretamente com análises dos objetos específicos do “internacional” (Cohen, 2018, p. 201). Suas contribuições mais relevantes para os estudos da área circundaram o tema da globalização dos campos. Para além da distribuição desigual de capitais dentro de campos científicos, coloca que esta divisão alcança o nível internacional criando novas hierarquias entre os espaços sociais. Este processo de internacionalização de práticas está diretamente vinculado àquilo que chama de “luta de classes”[9 ]. Classes estas entendidas as frações dominantes dentro dos campos formadas pelo processo de monopolização de capitais e que produz diferente efeitos sobre campos mais autônomos ou mais heterônomos. “In that sense, the international dimension of capital can be a structural dimension of a social field and of its transformations (…).” (Cohen, 2018, p. 208). Entretanto, a despeito de reconhecer a integração entre os níveis de análise, foca metodologicamente seu raciocínio científico na formação e fundacional dos campos dentro dos espaços nacionais antes de sua globalização.

Por tal razão, há algumas controvérsias sobre as formas como Bourdieu pode ser incorporado no campo, uma vez que sofre parte críticas de outras leituras “internacionalistas”. Bourdieu é tomado por se aproximar de leituras pós-estruturalistas, a partir de uma sobrevalorização dos discursos. Logo, sua aproximação frente a estes se dá pelo desenvolvimento de entendimentos complexos da linguagem como formas de construção da identidade nacional (Jackson, 2008, p. 157) . Entretanto, afasta-se do purismo desta interpretação ao incorporar a pesquisa empírica sobre a prática (como resultado da interação entre o habitus e o campo) e por dimensionar a noção de reflexividade sobre a política de formação dos campos. Portanto, a noção de violência simbólica –práticas inconscientes de reprodução das relações hierarquizantes de poder –, intrínseca às concepções de Bourdieu, amplia a compreensão sobre os tipos hierarquizantes de lutas constantes travadas pelos atores no internacional (e dentro do próprio campo) pelo poder para legitimar a dominação (Adler-Nissen, 2012a, pp. 4-7).

3. Conclusão

Do exposto, em termos de contribuição ao debate sociológico das Relações Internacionais, Pierre Bourdieu oferece interpretações que buscam desvelar o nível de autoritarismo imbuído no processo de produção de conhecimento na área. Primeiramente, auxilia na compreensão dos motivos dos caminhos teóricos empreendidos, bem como sobre a constituição das fronteiras disciplinares e quais impactos deste questionamento sobre os saberes excluídos do campo (Agnew, 2007). No que tange às contribuições metateóricas de Bourdieu para o campo, é possível apontar que sua epistemologia reflexiva atinge a “via media” entre os polos neopositivistas e antifundacionistas do campo, que marcam os debates entre racionalistas e reflexivistas. Além disso, a ontologia relacional do mesmo oferece uma solução conceitual ao problema de agência-estrutura que ainda determina os modelos de construção teórica no campo. Por fim, sua teoria, baseada na prática, permite superar a falsa antinomia reificada entre a teoria e a ação política, demonstrando como o internacional é construído diariamente e como o conhecimento a ele relacionado depende das transformações do habitus dos agentes.

No que tange aos estudos empíricos das RI, entende-se que sua contribuição mais controversa é a noção de Estado e suas formas de exercício de poder simbólico. A maioria das tradições de pesquisa das Relações Internacionais considera o Estado enquanto um ator da política internacional (ainda que algumas o coloquem pari passu a outros agentes). Descontruir a ideia de agência do Estado e considerá-lo um espaço social onde os poderes simbólicos e a violência são exercidas sobre os demais elementos sociais pode transformar a própria ontologia fundacional do campo. Para mais, levantar questões sobre a formação dos campos nacionais e suas práticas e a interação com o nível global faz com que a complexidade dos objetos trabalhados no campo seja observada, metodologicamente, de uma forma inversa – o nacional como ponto de partida para o internacional. Isto não seria uma revolução dentro do campo uma vez que várias interpretações, sobretudo, as reflexivistas, trabalham a partir deste modelo de análise. O que se aponta aqui é a potencialidade de se observar o fenômeno mais próximo à sua realidade prática, sem imbuir a ele dimensões desproporcionais e observar com mais cautela como, de fato, as influências internacionais incidem sobre as dinâmicas locais.

Disto, emerge uma pergunta pertinente e que se perpassa os estudos sociológicos críticos do campo emerge com muita coerência:

(...) existe um campo de poder global? E, se existir, de que forma este interfere nos campos de poder locais para a disputa e condução dos Estados? Este campo de poder global possui o formato de cada campo local ou molda o campo local? Qual a fronteira entre o local e o global na formação do campo de poder que disputam os estados? (Targa, 2017, p.76)

Quando se aproxima do campo de Relações Internacionais em campos nacionais (ou em grupos que não fazem parte da elite intelectual do mesmo) percebe-se momentos de dualidade na busca de suas respectivas autonomias das comunidades acadêmicas. A pouca autonomia dos campos científicos ao longo de suas constituições se deu, em larga medida, por processos de separação de outras áreas científicas, sobretudo, a partir das Ciências Sociais (Tickner, 2013). No espaço doméstico, muitos processos sociopolíticos atrasaram o desenvolvimento de estudos autônomos sobre o “internacional”. Como os primeiros campos estiveram vinculados aos modelos de Ciência Política, cujo formato foi oriundo dos Estados Unidos, a influência deste modelo externo foi determinante para os formatos assumidos no espaço doméstico destes campos externas de forma determinante (Deciancio, 2016). A heteronomia dos mesmos é constituída pela confluência de capitais de distintos campos domésticos em relação ao campo de RI internacionais (Breitenbauch & Wivel, 2004). Como resultado, o objeto “(...) o internacional é visto tanto como uma faceta do capital social dentro dos campos nacionais como um processo de absorção dos campos nacionais a partir dos campos globais.”[10 ] (Cohen, 2018, p. 209).

Infere-se assim que onde há relações de poder estruturadas de forma desigual o conhecimento vai cumprir uma função de mistificar essa relação social, à medida que é construída a partir de interesses e informada a partir de um conjunto de valores específicos. As explicações sociológicas sobre o desenvolvimento de determinadas áreas do conhecimento e o valor científico dos mesmo não se opõem ou se contrapõem logicamente. Isto condiz com a ideia de que a validade científica imputada a um conhecimento legitimado depende de como o poder circula dentro e para além das comunidades epistêmicas que são geohistoricamente localizadas. Assim, entender o funcionamento do campo está condicionado a uma compreensão sobre os aspectos ontológicos, epistêmicos e normativos que se manifestam historicamente desde seu momento fundacional. Não existe uma objetividade incontestável na ciência ou em qualquer campo social (Berger & Luckmann, 1991; Mannheim, 1954; Weber, 1997).

Este movimento historiográfico apresentado, que complementa as perspectivas sociológicas de Bourdieu, tem como objetivo central discernir as imagens dominantes dos campos, cujas narrativas científicas predominantes legitimam e estabelecem as práticas disciplinares. Neste sentido, compreender as histórias disciplinares a partir de explicações externalistas ou internalistas se apresenta como uma falsa dicotomia, dado o poder analítico do dimensionamento dos fatores contextuais incidindo sobre o desenvolvimento científico de um campo. No sentido aqui trabalhado, criticar a história global do campo reivindica situar as histórias específicas dentro de um movimento global de fluxo de desenvolvimento do campo. Especificamente, em se tratando de Ciência, a partir de uma nova ontologia histórica, é possível discernir novas formas epistemológicas de se compreender os alcances interpretativos de um campo.

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Notas

1“Our shared point of departure is that IR scholars often treat concepts as the foundations on which theoretical or empirical contributions are based, but seldom as objects warranting critical examination in their own rights.” (Adler-Nissen, 2012a, p. 12).

2The habitus should therefore be understood as the engine of cultural action. It is (…)‘the semi-conscious (though not innate) orientation that individuals have to the world’. This orientation ‘forms a basis for practice’.

3Entende-se por gatekeeper na ciência ao papel desempenhado por agentes científicos responsáveis na manutenção nas tradições dominantes nos campos (sobretudo, por meio dos controles editorias de revistas especializadas), seja por barrar estratégias de subversão ou restringir novos entrantes.

4The research’s own position was blind spot in the mainstream IR and had been largely overlooked by reflexivism even though it seemed to follow logically from the epistemological claims about the impossibility of detached knowledge production.

5O pensamento europeu, sobretudo, inglês, desenvolve-se pari passu aos estudos estadunidenses. Entretanto, como esteve vinculado a uma tradição idealista e historicista que se desenvolve pós-I Guerra, associada a noção de paz e instituições internacionais, teve pouco espaço nos debates campo nas décadas subsequentes.

6 (…) Bourdieu’s reflexivity provides IR scholar with a way of critically examining the positions from which they themselves and colleagues speak.

7 (…) (the internationalists) are bound to produce unrealistic accounts of a fantasy world where symbolic power and violence is either absent generally or simply assumed to be absent in the world of the researcher. Inversely, reflexively grounded research can have profound social significance by denaturalizing, historizing and unmasking taken for granted understandings and their power implications. It can reveal the interested aspect of the seemingly disinterested. It can be used to “excavate the social conditions of possibility” in real world contexts. Therefore a “Realpolitik of Reason” is both the key to socially significant research and an important part of real world politics.

8While political sociology is developing rapidly as a perspective in IR, there is a lack of general dialogue on the advantages and disadvantages of importing Bourdieu into IR.

9Ao longo de sua obra, ainda que critique as leituras economicistas do campo da economia liberal, a ideia de capital e acúmulo de Bourdieu se baseia em uma luta antieconômica vincula a bens simbólicos e não materiais.

10(…) the international is here seen both as a facet of social capital within national fields and as a process of absorption of national fields into global fields.

Recebido: 23 de Abril de 2019; Aceito: 02 de Setembro de 2019