1. Introdução
Como pesquisador, sou autor de artigos científicos, com produção ininterrupta desde 1998. Naquela época publiquei meus dois primeiros artigos na Revista panamericana de salud pública da Organização Panamericana de Salud (OPAS) e bem como na Revista de nutrição, do núcleo de editoração da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), a principal revista da área de ciências da nutrição no país (Ferrari, 1998a, 1998b).
Meus primeiros artigos científicos escritos em inglês, todos redigidos por mim, foram publicados nas revistas Biologia, da Bratislava na República da Eslováquia, no International medical journal, publicado pela Japan International Cultural Exchange Fountation de Tóquio no Japão, no Czech journal of food sciences da República Tcheca, na Biomedicine & pharmacotherapy, que pertenceu à Editora Masson de Paris, além da Revista Interciência em Caracas, cujo conteúdo versou sobre biologia molecular aplicada à nutrição em português (Ferrari, 2000; Ferrari, 2001; Ferrari & Torres, 2002a; Ferrari & Torres, 2002b; Ferrari & Torres, 2003), pois acreditamos que os conhecimentos produzidos pelos professores das universidades latino-americanas precisam ser difundidos nas línguas pátrias de modo a ser apreendidos tanto pela comunidade acadêmica quanto pela sociedade que nos mantém e que urge dos saberes produzidos pela academia (Marin, Petralia & Stubin, 2015).
Outro exemplo que conheci pessoalmente foi a revista Biogerontology, uma das soberanas na área de Gerontologia Biomédica, pertencente à editora Springer, na qual publiquei em 2004 (Ferrari, 2004). Finalmente, outro exemplo a ser discutido é o periódico científico Evidence-based integrative medicine, da extinta editora Adis International, para o qual também contribuí no ano seguinte (Ferrari, 2005).
Depois de refletir ao longo de anos de carreira, é necessário utilizar a experiência apreendida para promover a reflexão crítica sobre a produção científica das instituições de ensino e pesquisa e propor uma ruptura benéfica no sentido de fomentar a valorização de periódicos nacionais, latino-americanos e outros pertencentes ao Hemisfério Sul e outras regiões do mundo, como diversas editoras tradicionais que não visam somente o lucro e a ganância, além de refutar, veementemente, qualquer tipo de produção acadêmica veiculada em periódicos predatórios (PP), que apresentam qualidade duvidosa a nula.
2. Percursos metodológicos e conceituais
Considerando-se a metodologia da curadoria científica ou curadoria de conteúdo que se baseia em coletar as informações, categorizar (comparar; generalizar), criticar (discriminar; avaliar), conceituar e circular (mostrar valor; tornar acessível) (Garcia & Czeszak, 2019; Sharma & Deschaine, 2016), utilizando também os referenciais específicos do campo das ciências da saúde e da medicina (Pellizzon, Población & Goldenberg, 2003), foi possível distinguir três tipos de periódicos: os legítimos (gratuitos ou com taxas aceitáveis de publicação), os periódicos predatórios (incluindo fraudes e clones) e as grandes editoras comerciais que transformaram um bem público (periódicos científicos e seus conteúdos) em objeto de consumo, visando o lucro e não necessariamente a prosperidade da ciência e da tecnologia, ou seja, da humanidade (periódico com elevada taxa de publicação).
Editoras e suas revistas predatórias ou fraudulentas são aquelas que veiculam artigos desprovidos de revisão por cientistas, também conhecida como revisão por pares, sem a devida edição e checagem de conteúdo, o que significa ausência de apuração da qualidade estatística dos estudos, uma vez que constituem meios falsos ou criminosos de recolhimento de taxas de publicação (processing fee ou article charge), e executam um serviço rápido e sem critérios, pois geralmente tais entidades não possuem editores, corpo editorial, informações necessárias sobre o processo editorial e requisitos éticos, assim como fingem possuir indexações em bases de dados e fatores de impacto (Beall, 2012; Begun & Abdulla, 2021; Eriksson & Helgesson, 2017; Gallent-Torres, 2022; Grudniewicz et al., 2019; Nieminen & Uribe, 2021; Sorokowski, Kulczycki, Sorokowska & Pisanski, 2017).
É importante ressaltar os seguintes prejuízos devido à publicação de artigos em periódicos predatórios (Forero et al., 2018; Owens & Nicoll, 2019; Vervoort, Ma & Shrime, 2020):
Perda de conhecimento e dados gerados, pois muitas vezes depois de alguns anos a revista desaparece.
Publicação de dados duplicados ou plagiados.
Publicação de estudos de baixa ou nula qualidade.
Desperdício de recursos públicos, privados e dos próprios autores.
Melhorias e pontuações inadequadas nos currículos dos autores destes estudos em PP.
Desvalorização das revistas nacionais gratuitas de acesso aberto, pelo reconhecimento da cultura pague e publique (pay and publish).
Neste sentido, um pesquisador da área de enfermagem, recém contratado como professor assistente, conseguiu um pequeno laboratório e realizou sua pesquisa de pós-doutorado. Quando já havia submetido seu manuscrito para um PP, descobriu que um pós-doutor da sua universidade estava listado como membro do corpo editorial da revista. Quando decidiu procurá-lo, ele confidenciou que nunca revisou para aquela revista, mas não conseguiu remover seu nome do corpo editorial. Após inúmeras tentativas em vão de cancelar a submissão e recusa a pagar a taxa de publicação de $400, a revista publicou seu artigo. Mas ele persistiu e continuou tencionando o cancelamento da publicação que foi, enfim, anunciada por eles. Porém, um mês após este acordo, o artigo ainda estava online (Chambers, 2019).
Em outro caso, um eminente professor de medicina, membro do Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (International Committee of Medical Journal Editors), recebeu convites insistentes para submeter e publicar em poucos dias um manuscrito para o próximo número do PP, com a promessa de não se preocupar com as taxas que seriam facilitadas e ainda foi convidado a integrar o corpo editorial da revista, ambas propostas que foram rechaçadas por ele (Fox, 2021).
Não obstante os problemas gerados por PP, nos últimos anos uma nova modalidade deste “golpe” é representada pelos periódicos clonados (clone ou hijacked journals) (Asim & Sorooshian, 2019; Butler, 2013). Grupos criminosos criam falsas homepages clonando os dados de periódicos conhecidos. Deste modo, autores desavisados submetem seus estudos e publicam facilmente sempre após o pagamento de taxas de publicação (Assim & Sorooshian, 2019).
A lista de periódicos predatórios criada por Jeffrey Beall apresenta diversos exemplos que estão abaixo listados.
Alguns exemplos de periódicos clonados que foram identificados durante o desenvolvimento de projeto de pesquisa institucional sobre PP compreendem Anais da Academia Nacional de Ciências, Archives des sciences, Bothalia, CEPAL Review, Ciência e técnica vitivinícola, Education journal, Epistemologia, Interciência, Journal of engineering technology, Multitemas, La penseé, Revista brasileira de medicina esportiva, Revista de educación, Sylwan, Wulfenia, International medical journal, Agrochimica, dentre outros (Beall´s List, 2021).
Percebe-se da pequena listagem acima apresentada que todas as grandes áreas do conhecimento podem ter periódicos clonados (humanidades, sociais aplicadas, ciências exatas e da terra, ciências biológicas e da saúde, etc.) e já é comum que os portais das revistas legítimas tragam anúncios denunciando esta fraude, como foi o caso das revistas Wulfenia e da Ciência e técnica vitivinícola (Figura 1).
Evidentemente que a clonagem visa criar uma revista falsa para cobrar taxas. No caso da Ciência e técnica vitivinícola, por exemplo, enquanto a verdadeira não cobra tarifas de publicação, o clone exige pagamento de 454 dólares.
Outro caso interessante foi o representado por um dos “estudos” que apoiava o uso da cloroquina. Um dos artigos do grupo liderado pelo francês Didiet Raoult, que teve a participação da médica Nise Yamaguchi (Pawar et al., 2020), depoente à Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou irregularidades políticas, jurídicas e de alocação de recursos públicos frente à epidemia de COVID-19 no parlamento brasileiro (CPI da COVID-19), foi uma revisão publicada no periódico clone International medical journal que apresenta um falso ISSN, além de falsos editores, cobrando taxa de para publicação de $195 (o original, listado na Tabela 1 e apresentado na figura 2, é gratuito).
Comparando o verdadeiro IMJ com o falso é possível verificar as seguintes diferenças: no verdadeiro, o editor é o Prof. Amarendra N. Singh do Canadá e o editor honorário é Tsutomo Sakuta, Japão. Além disso, no verdadeiro o ISSN das versões impressa e online são, respectivamente, 1341-2051 e 2436-3294, enquanto que o clone apresenta ISSN 13412051 (sem traço, o que não corresponde a ISSN verdadeiro) e editor seria um suposto Prof. Hidetoshi Sama khor, uma mistura de nome japonês com dois sobrenomes típicos da Índia. Além disso, o corpo editorial apresenta um dos “editores” com o nome de sabio Maradona...seria uma homenagem a este grande craque do futebol argentino e mundial? (Figura 4).
Um grande problema é que não apenas jovens pesquisadores são presas fáceis de PP. Um estudo com 37 professores experientes em Ghana (África), mostrou que a maioria deles tem dificuldade em distinguir PP de legítimos, especialmente em relação a indexações e fatores de impactos fraudulentos ou enganosos (Kinde, 2021).
É fundamental ressaltar que mesmo em países ricos como nos Estados Unidos, os PP também têm vitimado professores seniores cuja dificuldade em reconhecer revistas fraudulentas está igualmente presente (Longyhore & Zagar, 2015).
Há diversas listas que publicam as editoras e seus PP. Todavia, diariamente são criados novos PP e, por isso, muitas vezes tais publicações não foram ainda listadas. Assim, autores têm ressaltado a importância das faculdades, universidades e institutos de pesquisa oferecerem treinamento em educação científica que inclua como identificar os PP (Silva, 2021; Wager, 2017).
3. Será que diversos periódicos de prestígio se tornaram predatórios devido à ganância das grandes editoras internacionais?
Conforme o discutido por Amaral (2018), muitas publicações de elevado prestígio tornaram-se veículos extremamente caros para que autores e suas instituições de fomento publiquem seus trabalhos científicos.
A este respeito, Burges-Jackson (2020), formado em direito e filosofia, publicou um artigo desafiando o paradigma dos periódicos tradicionais e discutiu sua carreira como pesquisador e produtor de conhecimento nessas áreas. Segundo aquele autor ele pretende publicar em PP porque as revistas de editoras famosas é que seriam as verdadeiras predadoras. No seu artigo, o pesquisador demostrou que as revistas tradicionais são muito mais caras que os chamados “predatórios”, cobrando taxas que variam de $598 a $3.360, e a demora em revisar os estudos é totalmente frustrante, somado ao fato de que há restrições quanto ao tamanho do artigo, bem como os autores precisam ceder seus direitos autorais e os estudos podem não ter acesso aberto aos leitores. Por fim, Burgess-Jackson (2020) mostrou que algumas das grandes editoras faturaram de 350 milhões até 2,6 bilhões de dólares em 2019.
Na mesma perspectiva do autor anteriormente citado, Amaral (2018), professor e pesquisador do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Río de Janeiro, discutiu o processo de publicação de um de seus estudos: em poucas semanas seu estudo foi revisado gratuitamente e publicado na plataforma de pré-prints, o bioRxiv, mas quando eles decidiram submeter para uma revista da editora Elsevier, com fator de impacto 8,299 em 2016 e conceito A1 no QUALIS, o mesmo recebeu revisões em poucas linhas, mas demorou 173 dias para ser aceito e demorou a ser publicado, mas o pré-print dos autores já estava disponível online, mediante pagamento de $35,95. O autor demonstrou que houve pouco trabalho dos revisores (497 palavras no total), mas a equipe do estudo trabalhou durante dois anos para escrever o manuscrito e ainda tiveram que pagar uma taxa de publicação de $4.420 para uma editora que faturou 3 bilhões de dólares em 2016. O autor conclui serem as grandes editoras comerciais, localizadas especialmente na Europa, legítimas predadoras de autores, instituições e governos mundo afora.
Somente para esclarecer o sistema QUALIS é uma classificação brasileira dos periódicos que dá notas aos periódicos sendo os conceitos A os mais elevados, seguindo-se de vários degraus B (B1 a B5, o menor) e aqueles desclassificados recebem a apreciação C.
Ao trazer à tona parte de minha produção, gostaria de enfatizar o que ocorreu com os periódicos em que publiquei anos atrás.
Para isso, foram sistematizadas as características daquelas revistas quando publiquei e como elas são hoje em dia (Tabela 1).
Observando-se a tabela 1 é possível concluir que, de modo geral, as publicações ligadas a associações científicas, universidades ou institutos públicos de pesquisa são gratuitas ou apresentam taxas muito mais baixas quando comparadas às grandes editoras comerciais (Elsevier, Springer, Taylor & Francis, etc.).
Neste sentido é importante refletir sobre questões fundamentais: as editoras comerciais se apropriam de graça dos estudos científicos, mas cobram até três vezes para que as pessoas tenham acesso ao seu conteúdo: taxam autores, suas instituições e governos que assinam os periódicos “legítimos”.
Destarte, uma grande proporção de revistas que foram criadas por universidades, instituições de pesquisa e associações científicas, para conseguir mais prestígio e talvez também terem uma gestão mais profissional foram predadas pelas grandes editoras científicas que adquiriram um volume imenso de periódicos pré-existentes, o que nem sempre resultou em melhorias editoriais, mas sabidamente tornou diversos periódicos gratuitos (para autores e leitores) em veículos caríssimos e muitas vezes inacessíveis a pesquisadores e mesmo ao público leitor de ciência.
O preço para publicar e ter acesso aberto a seu artigo geralmente só está disponível para autores de países ricos que tem condições de pagar por assinaturas dos periódicos (Fernandez-Llimos, 2014).
Por causa do que foi acima discutido, alguns autores têm sugeridos outra denominação para PP que poderiam ser mais apropriadamente de publicações fraudulentas, desonestas ou enganosas (Memon, 2019; Mercier, Tardif, Moore, Le Sage & Cameron, 2018).
Embora possa parecer que periódicos pagos apresentam elevados fatores de impacto comparados aos gratuitos, isto nem sempre é verdade. Há inúmeros exemplos de periódicos que custam caro e tem baixos fatores de impacto ou nem apresentam este indicador.
De todo modo, é necessário enfatizar que os periódicos tradicionais sejam eles de grandes editoras ou não, diferem dos PP porque seguem rigorosas práticas editoriais, permitindo publicar conhecimentos que passaram pela avaliação criteriosa dos pares e podem ser discutidos e até retratados posteriormente, caso tenham ocorrido erros ou seja verificado má conduta científica na elaboração do artigo científico (plágio, falsificação ou fabricação de dados).
4. Pensando fora da caixa: valorizando periódicos não comerciais e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)
Criado em 2017, pelos professores Paulo Inácio Prado (Universidade de São Paulo), Roberto André Kraenkel (Universidade Estadual Paulista) e Renato Mendes Coutinho (Universidade Federal do ABC), o Preda QUALIS (2017) mostrou a presença de 485 títulos predatórios na lista do QUALIS, alguns recebendo notas A1 ou A2.
Desta maneira, é necessário questionar a metodologia do QUALIS que se baseia numa falácia, pois sua premissa principal de que se trata de classificação de revistas em que os programas de pós-graduação brasileiros publicam têm deixado de fora ou dado notas baixas a excelentes periódicos, isto é, qualquer lista deveria cobrir todos os periódicos legítimos existentes, apresentar uma nota única e jamais permitir a inclusão de periódicos suspeitos ou predatórios.
Ainda nesta perspectiva, é necessário afirmar que não há qualquer justificativa para o QUALIS conter sequer um único PP, uma vez que a qualidade dos artigos publicados desvirtua em todos os sentidos a ciência. Um exemplo de artigo de baixa qualidade, escrito por autor dos Estados Unidos, que não seria publicado em revistas legítimas que realizam revisão por pares, é um estudo de revisão sobre nutracêuticos (suplementos nutricionais) no tratamento do câncer. Tal estudo, publicado em menos de um mês, que também incluiu entre as palavras-chave a homeopatia (que não apresenta comprovação científica), não citou qual foi o período temporal coberto pela revisão, bem como os critérios utilizados para a inclusão ou exclusão de estudos, o que torna implausível qualquer conclusão deste trabalho veiculado num PP (Nwanodi, 2017). É mister ressaltar que tal PP cobra uma taxa de publicação de 519 euros, sendo um negócio desonesto bastante lucrativo.
Neste sentido, uma análise do QUALIS revelou que há problemas de transparência sobre os processos de avaliação, a falta de diálogo sobre os resultados desta apreciação, bem como periodicidade muito longa (Ponce et al., 2017).
Quanto à periodicidade do QUALIS é necessário compreender que a inteligência artificial pode ajudar para a classificação de periódicos e livros que poderia ser modificada em tempo real, incluindo periódicos que não foram listados, excluindo predatórios e modificando os conceitos de revistas. A pergunta que não quer calar: a quem interessa ter uma periodicidade tão longa e revistas de baixa qualidade ter bons conceitos a despeito de inúmeras revistas de excelência que às vezes sequer foram incluídas no QUALIS?
Outros problemas do QUALIS são o enorme desconhecimento e preconceito dos avaliadores com periódicos fora do Eixo Europa Ocidental, Estados Unidos / Canadá e outros países anglofônicos, visto as críticas que sofri quando publiquei no Czech journal of food sciences, que muitas vezes não foi avaliado por certas áreas, embora tenha recebido B1 em algumas delas.
Diante destes cinco impasses do QUALIS, que são a incorporação de periódicos predatórios e também de baixa qualidade com boas notas, a valorização de publicações das grandes editoras comerciais e o desconhecimento e desvalorização de periódicos da Europa Centro-Oriental, da Ásia, Oceania, Oriente Médio e também da África e América Latina, Ferrari (2019) propõe um choque de descolonização dos pesquisadores e a necessidade tanto de novos tipos de avaliação da produção científica, quanto da democratização do conhecimento e da valorização de periódicos do Sul Global.
Neste sentido, cada vez mais é notória a melhoria de qualidade das publicações latino-americanas que vem se desenvolvendo com políticas de democratização do conhecimento por meio do acesso aberto não comercial, da incorporação de tecnologias e de indicadores que qualidade que perpassam o simplismo tecnicista da medida de citações e apontam a necessidade de produção do conhecimento como bem público e não uma simples mercadoria (Alperin & Fischmann, 2015).
Como afirma Boaventura de Sousa Santos é necessário valorizar as epistemologias do Sul global e criar resistências contra a opressão, o patriarcado e o colonialismo exercidos pelo modelo capitalista do Norte Global, que tem levado as sociedades à exaustão social e econômica (Santos, Araújo & Baumgarten, 2016), além de estimular o produtivismo que empobrece o trabalho docente e transforma a ciência e o conhecimento humano em meras commodities a serviço do capital (Benessia et al., 2016; Trein & Rodrigues, 2011; Vosgerau, Orlando & Meyer, 2017).
Considerando-se também que grande parcela da pesquisa biomédica e clínica, publicada nas revistas científicas mais famosas, com elevados fatores de impacto e prestígio, não pode ser replicada por diversas falhas metodológicas aleatórias ou intencionais, as últimas relacionadas à má conduta científica (plágio, violação da autoria dos estudos, falsificação e fabricação de dados, etc.) (Bustin & Huggett, 2017; Ioannidis, 2015; Ramirez et al., 2017; Sahare & Roberts, 2020), uma ruptura com este paradigma é urgente, pois é necessário refletir sobre para quem e para quem se faz ciência.
Deste modo, a partir do referencial de Santos, Araújo & Baumgarten (2016) é necessário que novas avaliações da qualidade de revistas deem preferência e favoreça periódicos nacionais, Latino-americanos e de outros países, especialmente os gratuitos, mantidos por governos e universidades ou instituições de pesquisa e ensino e que quanto maior a adoção dos 17 objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS)(PNUD, s/d), maior deveria ser a valoração do periódico associada certamente à indexação em bases de dados importantes segundo a área do conhecimento (Ferrari, 2018).
Ademais, na progressão da carreira docente, qualquer artigo publicado em periódico predatório deveria ser excluído, e periódicos nacionais, latino-americanos e de outras localizações geográficas, desde que atendam a critérios de qualidade (indexações, corpo editorial robusto, fluxo editorial transparente e de qualidade, etc.), precisam ser mais valorizados, pois o conhecimento gerado localmente interessa aos gestores para resolver nossos problemas e não para serem publicados apenas em inglês de modo a nem serem lidos pelos públicos alvo prioritários para realizar as transformações educacionais, políticas, econômicas, culturais e tecnológicas que a América Latina e os demais países em desenvolvimento urgem e exigem.
Conclusões
Pelos exemplos apontados neste ensaio foi evidenciado que a produção do conhecimento humano precisa ter acesso amplo e gratuito. Isto significa que autores e instituições de pesquisa não podem ser reféns de editoras predadoras de qualquer natureza cujo objetivo é tratar os artigos científicos como meras mercadorias. Os artigos científicos gerados pelas instituições de pesquisa são patrimônio das nações e precisam, além de resolver problemas específicos dos pesquisadores, ter relevância tanto para o avanço do conhecimento humano quanto para a resolução dos dilemas da sociedade, especialmente no que se refere aos objetivos do desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente e o futuro das próximas gerações.
É necessário que a avaliação da qualidade dos periódicos de cada país incorpore cada vez mais, as inúmeras revistas nacionais, latino-americanas e do Hemisfério Sul, especialmente as gratuitas e de acesso aberto.
Ficou evidenciado que neste cenário das publicações há peixes pequenos, gratuitos e muito valorosos, pequenos predadores e grandes tubarões. Mas, até quando pagaremos para publicar, quando as editoras é que deveriam remunerar autores, universidades e instituições de pesquisa pelo conhecimento por elas gerado e financiado pela sociedade, afinal elas têm predado a pesquisa feita com tanta dedicação, esforço e dificuldades por centenas de pesquisadores, especialmente na América Latina e Caribe.