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Revista Iberoamericana de Tecnología en Educación y Educación en Tecnología

versión impresa ISSN 1851-0086versión On-line ISSN 1850-9959

Rev. iberoam. tecnol. educ. educ. tecnol.  no.29 La Plata set. 2021

 

ARTÍCULOS ORIGINALES

A vertente francesa da Didática Profissional (Didactique Professionnelle) e o ensino

The French aspect of Professional Didactics (Didactique Professionnelle) and teaching  

Francisco Regis Vieira Alves1

1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará, Fortaleza, Brasil

fregis@ifce.edu.br

Recibido: 29/05/2020 | Corregido: 23/12/2020 | Aceptado: 03/02/2021

Cita sugerida: F. R. Vieira Alves, “A vertente francesa da Didática Profissional (Didactique Professionnelle) e o ensino,” Revista Iberoamericana de Tecnología en Educación y Educación en Tecnología, no. 29, pp. 68-78, 2021, doi: 10.24215/18509959.29.e8

 

Resumo

A vertente francesa de Didática Profissional (DP), originada em território francês ao final dos anos 90, constitui uma zona de confluencia e contribuição de três ramos investigativos e independentes de pesquisa. A Didática Profissional se constitui como uma perspectiva sistemática natural de extensão do pensamento piagetiano, com ênfase na aprendizagem do adulto, diante das exigências de atividades profissionais e da resolução de problemas, superação de obstáculos e tarefas no campo do trabalho. Dessa forma, o presente trabalho apresenta alguns dos seus pressupostos e principais noções e, ao final, busca indicar repercussões para a atividade do professor de Matemática e o ensino no Brasil.

Palavras chave: Didática profissional; Aspectos históricos e pressupostos; Situação profissional; Formação do profesor; Ensino.

Abstract

The french research area of the Professional Didactics (DP), originated in French territory at the end of the 90s, constitutes an area of confluence and contribution of three independent and investigative branches of research. Professional Didactics is a natural systematic perspective for the extension of Piagetian thinking, with an emphasis on adult learning, given the demands of professional activities and problem solving, overcoming obstacles and tasks in the field of work. Thus, the present work presents some of its assumptions and main notions and, at the end, seeks to indicate repercussions for the activity of the mathematics teacher and the teaching in Brazil.

Keywords: Professional didactics; Historical aspects and assumptions; Professional situation; Teacher training; Teaching.

 

1. Introdução

A noção multifacetada da aprendizagem adquiriu lugar de destaque e grande interesse por parte de Jean Piaget. Nesse sentido, J. Piaget introduziu uma perspectiva sui generis sobre um modelo dialético de construção do conhecimento, com origem em uma interação do sujeito epistêmico e um meio, de sorte que, diante de um conjunto de situações, problemas e obstáculos que exigem a adaptação do sujeito e a progressiva necessidade de superação de entraves, o sujeito aprende ao mesmo tempo em que se adapta. O sujeito aprende ao incorporar novos modelos de ação. O sujeito vislumbra roteiros inesperados e certos intinerários alternativos de ação e de antecipação, mediante o interesse de resolução de problemas que, na maioria dos casos examinados por Piaget, incorporam ou assumem um corpus de conhecimento científico de referência, por exemplo, o ssber científico matemático.

Por outro lado, o pensamento piagetiano permite um processo natural de extensão, quando objetivamos a aprendizagem dos adultos [1], circunscrita e situada em um contexto de atividades e resolução de tarefas prescritas e a atividade no ambiente do trabalho. Nesse caso, nos referimos ao indívíduo adulto que, segundo o ponto de vista de Piaget, já atinge determinado estádio biológico e psicológico da amadurecimento e, por conseguinte, não ocorre mais nenhum processo evolutivo segundo os estágios clássicos explicados por ele. Nesse sentido, concordamos com o ponto de vista contrário de Pastré [2, p. 1], quando menciona e explica que “a convicção de que há desenvolvimento cognitivo em adultos, ao contrário do que sugeria Piaget, para quem a partir dos 15 anos o ser humano atingiu a fase final de seu desenvolvimento cognitivo”.

Assim, podemos constatar que o desenvolvimento cognitivo dos adultos ocorre, por exemplo, de forma circunstanciada ao ambiente de trabalho, cujas relações fundamentais são consideradas de forma diferentes, quando comparadas com o ambiente escolar. Assim, a partir desses contextos, nas seções subsequentes, discutimos alguns dos pressupostos fundamentais da vertente francesa da Didática Profissional, originada na França, no início dos anos 90.

Cabe mencionar que a formação profissional, com enfase na compreensão da aquisição e a constituição de uma competencia profissional, que deve ser significada a partir de um expediente qualitativo e a reprodução e aplicação de regras e rotinas profissionais taylorizadas não podem ser reduzidas e restritivas ao seus viés estritamente mecânico, automático e pouco irrefletido. [3, 4, 5, 6, 7].

Por outro lado, não podemos desenvolver um exame pragmático, largamente ampliado e suficiente da noção de competencia profissional, tendo em vista que, cada métier particular condiciona determinadas características fundamentais e o sujeito responsável pela execução de determinadas tarefas especializadas, que concorrem para a constituição de um ofício e do seu métier, como no caso do professor de Matemática, por exemplo, que deve incorporar um repertório amplo de conhecimentos profissionais, de hábitos profissionais e saberes técnicos e científicos.

Para exemplificar, na figura 1, trazemos um esquema mnemônico proposto por Boudreault [8] sobre a complexa e multifacetada noção de competência profissional [9, 10]. Observamos que diante das múltiplas interrelações qualitativas envolvendo conhecimentos, saberes científicos e habilidades práticas, assumiremos uma perspectiva da Didática Profissional (DP) (do francês, Didactique Professionnelle) afim de considerar seus pressupostos de natureza essencialmente cognitivista.


Figura 1. Boudreault  [8] discute as multiplas relações condicionantes para a compreensão da complexa noção de competência profissional.

Nesse sentido, veremos que a Didática Profissional (DP) proporciona distinguir, por exemplo, a aprendizagem que ocorre no interior dos estabelecimentos de ensino, cuja referência e maior interesse consiste na aprendizagem de determinado saber científico de referência e, a atividade construtiva se mostra imprescindível para o estudante. Por outro lado, quando objetivamos o ambiente de trabalho ou, em sentido mais amplo, segundo Pastre et all [11], o campo profissional, se evidencia a importância da atividade produtiva, em detrimento da atividade construtiva do sujeito e, não se observa mais, como objetivo de aprendizagem do adulto, a indicação de apenas um saber científico de referência.

Por fim, buscaremos determinar algumas implicações para a pesquisa, desenvolvida no Brasil [3, 4, 5], em torno da atividade do professor de Matemática e uma maior compreensão sobre a noção de competência profissional [9, 10] que, segundo nossos trabalhos, costuma ser examinado a partir dos modelos teóricos que explicam a função ou modelo do professor de Matemática iniciante e o professor expert.

2. Alguns elementos de ordem histórica e gênese da Didática Profissional

Pastré [12] acentuou que o problema da competência profissional envolve uma discussão multidisciplinar que, a despeito da existência de vários tipos de abordagens ou expedientes de análise desenvolvidos por vários especialistas (psicólogos do trabalho, sociólogos, didatas, economistas, etc), podemos identificar três níveis representativos com as possíveis repercussões.

O primeiro nível envolve compreender as modificações e as transformações que afetam o próprio trabalho e as novas competências exigidas da sociedade atual. O segundo nível, envolve o campo social e político e, por fim, o terceiro nível, diz respeito ao desenvolvimento cognitivo e privado pessoal do trabalhador, isto é, como se constroem, se combinam e se reconstroem e/ou são descartadas as habilidades e competências (habilidades laborais) de um trabalhador, ao decurso de sua trajetória de vivências no interior do seu métier.

No excerto abaixo, apesar de extenso, se mostra imprescidínvel para que possamos compreender o entorno teórico que afeta e se desenvolver a corrente francesa de estudos da DP.

Nesse sentido, Pastré, Mayen e Vergnaud [13] explicam três origens de influências que podem ser, de forma prosaica, resumidas no seguinte trinomio “atividade, aprendizagem, formação”:

A Didática Profissional nasceu na confluência de um campo de prática, educação de adultos e de três correntes teóricas: psicologia do desenvolvimento, ergonomia cognitiva e didática. […] poderiamos dizer que tomou forma em torno de três orientações. Primeira orientação: a análise da aprendizagem não pode ser separada da análise da atividade dos atores. Se levarmos a sério uma perspectiva de desenvolvimento, devemos reconhecer uma profunda continuidade entre agir e aprender de e em nossa atividade. Portanto, segunda orientação, se queremos poder analisar o treinamento das habilidades profissionais, devemos observá-las primeiro, não nas escolas, mas no local de trabalho. Por fim, terceira orientação, para entender como a atividade e a aprendizagem são articuladas em um contexto de trabalho, vale a pena mobilizar a teoria da conceitualização em ação que, procedente de Piaget e adotada por Vergnaud, utilizando os conceitos de esquema e operação invariável, nos permitem entender como uma inteligência de ação pode se desenvolver. Devemos acrescentar que a Didática Profissional deve ser totalmente didática, ou seja, um estudo dos processos de transmissão e apropriação do conhecimento naquilo que é específico em relação ao conteúdo a ser aprendido. Simplificando, ele se concentra muito mais na atividade do que no conhecimento [13, p.152, tradução nossa].

Pastré, Mayen e Vergnaud [13] comentam que, a criação da DP é oriunda da formação dos adultos, construtivismo, socioconstrutivismo do desenvolvimento, psicologia do trabalho, ergonomia, da engenharia de formação, dentre outros. Dessa forma, é possível observamos uma união de correntes ou vertentes teóricas e práticas que concorreram para o desenvolvimento da DP.

Inicialmente, a partir dos três campos ou orientações de interesse para a DP, podemos compreender e ainda identificar a influência dos fundamentos da Psicologia Ergonômica, proporcionando uma fina apreciação e distinção entre “tarefa prescrita” e “atividade”. Por sua vez, Pastré, Mayen e Vergnaud [13] assinalam ainda a influência da ergonomia francesa e, por fim, alguns elementos da Psicologia Russa do trabalho.

Pastré, Mayen e Vergnaud [13] acrescentam uma perspectiva adotada que envolveu uma espécie de “viés de complementaridade”, diante da adoção de três orientações e que representam os autênticos interesses investigativos para a DP, como podemos ver a seguir:

Em resumo, a Psicologia Ergonômica forneceu considerável apoio à didática profissional: por um lado, forneceu métodos para estabelecer uma análise do trabalho voltada para o "treinamento e desenvolvimento de habilidades profissionais". Por outro lado, ao enfatizar a importância da conceituação na atividade laboral, foi possível estabelecer um ponto com a principal fonte teórica da Didática Profissional: a Psicologia do desenvolvimento, em especial a atual de conceituação em ação. [13, p. 166, tradução nossa].

Para que possamos compreender a constituição de um campo autônomo de estudos da DP que, como mencionamos anteriormente, ocorreu na França no início dos anos 90, urge considerarmos um cenário de influência das mudanças na Europa das relações de trabalho pós-guerra [14]. De fato, durante este emblemático momento histórico, divisamos uma perspectiva tayloriana de incidência sobre o trabalho, evidenciando-se pela noção de competência e que se resumia à capacidade de execução prescrita e mecânica de tarefas, de forma hermética, sobretudo, com uma atenção maior endereçada para o sujeito (trabalhador) individual [15] e ênfase para a atividade produtiva.

Mas, diante de um processo de evolução e automatização das ações, o caráter coletivo do trabalho se mostrou em evidência, com a migração gradual do individual para o coletivo, o que marcou os interesses de estudos psicossociais [16] e correspondente, um viés qualitativo para sua análise, concorrendo para um acréscimo da importância da atividade construtiva no trabalho.

Pastré [17] proporciona uma importante distinção entre ‘ativididade produtiva’ e ‘atividade construtiva’ e de que forma esses dois termos concorrem para nossa compreensão acerca da noção de competência profissional e da análise da atividade, quando explica que:

Rabardel teorizou isso assumindo uma distinção encontrada em Marx e distinguindo atividade produtiva (ao trabalhar, o homem transforma a realidade) e atividade construtiva (ao transformar a realidade, o homem se transforma). Deve-se compreender que essas duas formas de atividade constituem um par inseparável: não pode haver atividade construtiva sem uma atividade produtiva que lhe sirva de suporte. E, inversamente, a atividade produtiva necessariamente envolve, ainda que minimamente, atividade construtiva. Isso é especialmente o que acontece quando os humanos estão trabalhando. O objetivo de sua ação é a atividade produtiva: produzir bens ou serviços. Mas esta atividade produtiva é acompanhada, como efeito inevitável de certa forma, pela construção de experiências e competências, mais ou menos importantes dependendo do caso, que se insere na atividade construtiva. Mas se não podemos separar a atividade produtiva da atividade construtiva, não há como confundi-las. E entre as diferenças que podem ser observadas entre eles, há uma que é importante: para uma dada ação, a atividade produtiva termina com o fim da ação (objetivo alcançado ou falhado); enquanto a atividade construtiva pode continuar bem além, uma vez que o agente sempre pode aprender com sua ação passada. Este é o princípio de análises de práticas, debriefings, feedback. [2, p. 2 tradução nossa].

Pastré [18, p. 215] assinala que, durante o período da crise da organização do trabalho, na perpectiva tayloriana, a noção de competência enlargueçeu progressivamente seu próprio significado, diante de um cenário de crescente complexidade dos processos requeridos no campo do trabalho [16] e a compreensão que apenas a atividade produtiva, a busca pelo comprimento de metas e objetivos não definem todo um significado do trabalho.

Mediante um movimento e cenário histórico de mudanças, “outras formas inusitadas de trabalho colocam os operadores diante da tarefa de resolução de problemas” [18, p. 215]. Observou-se uma mudança gradativa de foco no individual para o coletivo, no trabalho, com preocupação substancial com os processos fundamentais de transmissão, veiculação sistemática das informações e da organização em grupo [16].

Pastré [18] acentua uma mudança de perspectiva e compreensão das relações qualitativas laborais, na medida em que se passa a considerar um viés qualitativo de aplicação estratégica de procedimentos visando a resolução e o exame de problemas complexos, erráticos e não triviais no trabalho, como constatamos logo abaixo:

E, consequentemente, uma crise na prescrição do trabalho: quando estamos lidando com um ambiente dinâmico, a aplicação de procedimentos não é mais suficiente como um guia para a atividade. Os operadores devem poder diagnosticar a situação a qualquer momento, que se torna um elemento central da competência. Outras formas de trabalho colocam os operadores em situações de solução de problemas. O interessante é que os problemas a serem resolvidos têm múltiplas dimensões; um compromisso aceitável deve ser encontrado entre essas dimensões. Estamos no que poderíamos chamar de inteligência estratégica da situação, onde não é mais uma questão de descobrir onde está o erro ou disfunção, mas onde é uma questão de construir uma solução que leve em consideração as diferentes dimensões do problema [18, p. 4, tradução nossa].

No trecho anterior, podemos identificar um caráter imprescindível da capacidade de avaliação qualitativa de situações no ambiente do trabalho, que eventualmente envolvem elementos originados de problemas e do mal funcionamento de determinado sistema, ou da ineficácia de um determinado procedimento ou operação e, por fim, do emprego de uma regra inadequada. Nesse contexto, entra em cena uma capacidade tácita e avaliativa do sujeito, no sentido de lidar com episódios inesperados no trabalho e adquire sentido a seguinte terminología:

Vamos chamar de problematicidade: alguns problemas podem ser resolvidos por meio de múltiplas estratégias, algumas das quais não envolvem necessariamente a mobilização do conhecimento que se tem para ensinar. Outros problemas, ao contrário, exigem praticamente a mobilização de conhecimentos para serem resolvidos. Problemática busca designar a relação mais ou menos estreita entre o conhecimento e um problema. [17, p. 18, tradução nossa].

Nesse caso, a DP permite vislumbrarmos a noção de “erro profissional”, o viés de problematicidade de determinada situação como elementos intrínsecos da aprendizagem do adulto no campo da atividade profissional. Na seção subsequente forneceremos outros elementos que devem permitir um exame não hermético da noção de “erro” ou uma compreensão sobre a noção inescapável de “obstáculo profissional”.

Um fator inesperado e que buscamos assinalar em nossos trabalhos [3, 4, 5] é que, assim como na escola, a superação de erros e obstáculos epistemológicos costuma ser um indicador de aprendizagem. No campo do trabalho, a superação de erros e do que denominamos por obstáculos profissionais se consubstancia, também, por um acréscimo de conhecimentos e progresso da atividade construtiva do sujeito.

3. Sobre a noção de obstáculo profissional

Pastré [18] explica um movimento dialético entre os fenômenos que concorrem para a aprendizagem de conhecimentos profissionais e, progressivamente, a automatização das ações de um indivíduo (trabalhador ou professor), e a paulatina evolução dos sistemas (e esquemas cognitivos) e o ajuste ergonômico próprio do indivíduo que concorre para revelar a sua capacidade presumida (nem sempre consciente) e a sua competência profissional, como observamos abaixo.

Porém, uma vez concluído o aprendizado, a habilidade não precisa mais da atividade da consciência, exceto quando algo inesperado acontece. Novamente, não podemos entender o que uma habilidade está separada de sua relação com o corpo. Assim, diferentemente do conhecimento, que se pode pensar que é sempre acompanhado pela conscientização quando é mencionado, as habilidades podem ser mobilizadas conscientemente, ou mais frequentemente do que inconscientemente, na forma de habilidades incorporadas. Esse movimento para automatizar as habilidades após o aprendizado é de grande importância prática, pois permite que o estado de alerta do sujeito seja transferido para níveis mais altos de atividade, mais complexos e mais integrados. [18, p. 7, tradução nossa].

Cabe considerar que “o conhecimento é considerado, certamente, como um objeto de conhecimento para o psicólogo cognitivo que investiga suas representações, mas, também como construção, através do processo de conceituação da própria atividade do sujeito” [19,  p. 40]. Por conseguinte, qualquer análise ou pretensão de avaliação da competência profissional não poderá ser apartada do entendimento do intrínseco processo de elaboração de representações mentais do sujeito, quer se trate de uma criança ou de um adulto, de forma especial, representações mentais derivadas da atividade no trabalho, conforme Pastré [20, p. 12] relembra, “antes da ação está a conceitualização”.

Ademais, o caráter dinâmico das representações mentais, quer sejam elas decorrentes a aprendizagem no contexto escolar ou no contexto da atividade laboral, preserva sua essência fortemente derivada e condicionada pela a ação e, em nosso caso de interesse, pela execução de tarefas profissionais. [21, 22 ,23], não obstante, por vezes, afetada pelo estilo e funcionamento lacônico de trabalhadores mais experientes [24, p. 6].

Por conseguinte, além de relativizarmos o caráter peculiar e inescapável de “problemas parasitas” e dos obstáculos profissionais [3, 4, 5] ou entraves recorrentes em qualquer atividade especializada, não podemos perder de vista o caráter objetivado e identificável da ação e da atividade concretamente desenvolvida (seja produtiva ou construtiva), uma vez que “a ação é sempre a primeira. O conhecimento não se apresenta ou se manifesta por saber dizer ou escrever algum texto, o mesmo se configura por agir e, em situação” [10, p. 3].

Pastré [20] comunica um importante ensinamento, na medida em que compreendemos um caráter inescapável dos obstáculos epistemológicos, de raizes bacherlardiana e, em certa medida e proporção, a existência de obstáculos profissionais que, por vezes, distinguem um profissional (professor) inexperiente e um profissional (professor) expert.

Pastré [20] explica o papel dos obstáculos, das situações profissionais [7], ao mencionar que:

Agora considere os problemas complexos. Um ator, com um modelo operacional muito relevante, entra em cena, procura obter uma resposta à situação desorganizada atual, quando encontra uma contradição entre a resposta que espera e a que observa. Este é geralmente o caso quando o ator é confrontado com uma nova classe de situações, por exemplo, um problema completamente novo, para o qual seu modelo operacional, relevante para as situações encontradas no passado, é inadequado para o presente caso. Essa oportunidade se apresenta como muito interessante para o aprendizado. O modelo operacional do ator não é de todo desqualificado. É sempre válido lidar com a classe de situações usuais. Mas a situação requer ação, para se reorganizar para poder integrar uma nova situação. Podemos chamar essa extensão do modelo operacional do operador, que representa um aprofundamento. [20, p. 90, tradução nossa]

Podemos identificar no pensamento de Pastré [20] um argumento estruturante no interior de sua teoría que vincula a atividade do trabalhador a um conjunto de situações profissionais características e, além disso, indica a importância da resolução de problemas no ofício. Por outro lado, no trecho que segue trazemos um exemplo clássico discutido por Perrin-Glorian [25]. O evento evidenciado diz respeito a uma situação fundamental típica e que coloca em destaque a capacidade profissional e, portanto, a competência do professor de Matemática em regular os elementos oriundos da avaliação e da evolução das aprendizagens de sua classe.

Registramos, em seguida, dois critérios para a avaliação do sucesso do professor, na medida em que Perrin-Glorian [25] aponta um plano institucional (avaliação oficial) e, um segundo critério situado e cirscunstanciado pelo andamento dos trabalhos no interior da sala de aula, consubstanciando um índice ou parâmetro de perceptual de sua competência profissional.

A pressão para o sucesso a curto prazo vem de estudantes e pais, bem como de colegas, e parece ser mais forte na faculdade do que no ensino fundamental. Um mínimo de sucesso do aluno é necessário para o professor para o funcionamento de sua classe. É também o principal meio de promover o próprio professor. O sucesso do professor pode ser avaliado de acordo com dois critérios: - por um lado, o sucesso dos alunos em exames ou verificações, especialmente se forem comuns a várias classes do mesmo nível (avaliação oficial). Isso também é o que os alunos e os pais esperam - por outro lado, o bom andamento das aulas, a atmosfera propícia ao trabalho, com alunos interessados ​​que apreciam "o prazer Uma dica é a participação dos alunos [25,, p. 25, tradução nossa].

A partir de um modelo metafórico de automatização do trabalho, podemos compreender que, atualmente, a eficiência ou competência do professor de Matemática se origina de uma capacidade, cada vez mais tácita e substancial de agir e reagir aos incidentes não previstos e situações (problemas) escolares inéditas. Reparemos, entretanto, que, em sintonía com o pensamento de Pastré [20], a capacidade do professor se mostra irremediavelmente vinculada a um conjunto de situações características de atuação no seu campo profissional [11].

Por conseguinte, podemos adquirir um entendimento de que ser competente significa a capacidade de gerenciar, cada vez mais, situações reconhecidamente complexas, erráticas e não triviais, todavia, recorrentes e invariantes no plano de um sistema escolar (ou instituição) e, de modo particularmente importante, no interior da sala de aula de Matemática. Consequentemente, diante deste cenário, como explica Pastré [12, p. 111], se busca observar que “a aplicação de bons procedimentos não se mostra suficiente e se torna premente saber adaptar os procedimentos aos comportamentos que se manifestam fora do normal”.

Para finalizar a seção atual, acentuamos que toda atividade profissional se mostra indissocialvemente condicionada por um conjunto de situações características, situações fundamentais e conhecimentos pragmáticos, envolvendo um roteiro de tarefas e rotinas que concorrem para a consubstanciação e auxiliam na identificação de determinada profissão ou ofício. Isso posto, na próxima seção discutiremos a noção de situação profissional e, em outro casos, faremos referência à noção de situação didática profissional [7].

4. Sobre a noção de Situação (Didática) Profissional

“Um conceito pragmático é característico de uma situação profissional [...] e específico a uma determinada classe de situações bastante limitadas” [26, p. 13]. Com origem nesse pressuposto fundamental e em outras hipóteses incorporadas pela didática profissional, podemos depreender um lugar privilegiado e um raciocínio semelhante ao expediente de Brousseau [27], quando examinamos a clássica noção de situação didática, no interior da Didática da Matemática.

No contexto da DP, se delineia um pensamento semelhante, na medida em que constatamos uma estrutura conceptual intrinsecamente vinculada a um conjunto de situações profissionais caracteristicas, como apreciamos em seguida.

Para cada classe de situação profissional, existe uma estrutura conceitual, que pode ser identificada pela análise cognitiva da tarefa e que é de certa forma a base invariável que servirá para organizar a ação efetiva do sujeito. Em outras palavras, quando queremos analisar o trabalho do ponto de vista cognitivo, os invariantes que procuramos não correspondem mais ao que encontramos em Piaget com o desenvolvimento da criança. Eles não são mais invariantes relacionados às propriedades de objetos, como as conservações piagetianas, cuja aquisição permite que as crianças construam uma representação do mundo, que corresponde a um tipo de física concreta (um objeto tem uma certa massa, uma peso, volume etc.). [18, p. 6, tradução nossa].

Por sua vez, Mayen [28] alerta sobre os seguintes aspectos atinentes a uma situação de trabalho e que, recorrentemente, são negligenciados ou pouco considerados no contexto de formação profissional inicial.

Pensar em situações de trabalho a partir de perspectivas ergonômicas e psicológicas permite manter uma posição em que o treinamento não é subserviente aos requisitos de situações profissionais e seus requisitos. A análise do trabalho para treinamento leva, em muitos casos, a destacar as razões pelas quais o que acontece nessa situação não vem (e às vezes principalmente) não da perspectiva do treinamento. Compreender o suficiente sobre as situações de trabalho para poder chegar a essa conclusão é motivo suficiente para se concentrar em situações profissionais. [28, p. 62, tradução nossa].

Apesar da natureza intrínseca do trabalho, Mayen [28] enfatiza, como atividade condicionada, uma situação social imposta, uma situação decorrente de certas exigências e demandas. Aqui, encontramos a semelhança, por exemplo, com as situações escolares comuns, respeitando as especificidades de cada uma, podendo também estar sujeitas a certos obstáculos indicados no ensino da Ciência, o que confirma a exigência constante de sua superação necessária, como a indicação sine qua non de um processo virtuoso de aprendizagem.

No caso anterior, com semelhança ao ponto de vista de Mayen [28], assumimos que a noção de obstáculos aplicados ao campo das situações profissionais fundamentais e, portanto, distinguimos da noção de Situação Didática Profissional (SDP), pois uma SDP é definida por um conjunto de interações envolvendo o aprendiz (profissional), o formador (de professores) e o conhecimento pragmático condicionado por uma Unidade de Trabalho (UT), ou seja, por uma situação característica e particular, recorrente e invariável, de uma atividade profissional.

Por unidade de trabalho (UT0, buscamos significar que, toda atividade profissional pode ser compartimentalizada segundo um conjunto de tarefas características ou núcleos constitutivos. Por exemplo, para o professor de Matemática, a elaboração de provas de Matemática constitui uma unidade de trabalho. Constituem outras unidades de trabalho, por exemplo, situações profissionais em que o mesmo precisa lidar ou gerenciar a evolução dos estudantes com dificuldade no aprendizado e, até mesmo, as relações estabelecidas com os país e parentes dos estudantes. Podemos, ainda, identificar outras formas de unidade de trabalho, quando examinanos as relações profissionais desenvolvidas por um grupo de professores, que, por intermédio de um componente esseencialmente pragmático, define um representante do grupo, responsável por representar os interesses do coletivo.

Em outros casos, podemos constatar que Mayen [28] manifesta e determina uma posição de destaque para a noção de Situação Profissional, quando menciona que:

Podemos abordar a noção de situação profissional em relação ao conhecimento. Na didática profissional, o treinamento não parte do conhecimento científico ou técnico, nem de procedimentos ou métodos, mas de situações profissionais. Essa idéia parte da observação de que uma situação profissional - e ainda é uma maneira de avançar em nossa definição, não é uma situação disciplinar, nem multidisciplinar ou multidisciplinar. É uma unidade por si só, e sua atividade não é a aplicação de procedimentos, métodos ou técnicas, nem a aplicação do conhecimento. Uma situação profissional também não é uma ocorrência prática de um modelo teórico, nem é uma situação didática (prática) para a construção de conhecimento. [28, p. 66, tradução nossa].

Para finalizar a seção atual, resgatamos um conjunto de pressupostos que devem servir para uma análise da atividade do ensino e, de forma específica, do professor de Matemática. Compreendemos que a noção de obstáculo (profissional) ocorre como um elemento inescapável e que deverá distinguir e separar o que nominamos como professor inexperiente (debutante) do professor experiente (o professor expert).

Ademais, tendo em vista o interesse pela modelização de situações, pela identificação de elementos invariantes e recorrentes em determinada atividade profissional, a não de situações didáticas profissionais surgem no sentido e interesse pale proposição de situações de aprendizagem do professor, isto é, de aprendizagem do adulto, diante da necessidade de desenvolvimento de atividades condicionadas. Isso posto, na seção subsequente, apresentaremos alguns elementos que podem concorrer para a pesquisa em torno da atividade do ensino e, de forma particular, do professor de Matemática.

5. Implicações para o ensino e a atividade do professor de Matemática no Brasil

Pastré [12] indica alguns postulados que permitem compreender o nível de significação da noção de competência profissional. O primeiro postulado diz respeito a caráter de homogeneidade das situações de trabalho que, no caso do professor de Matemática, podemos interpretar que o sistema escolar brasileiro considera um posto de trabalho em uma determinada unidade escolar semelhante ou idêntico ao mesmo posto de trabalho em outra unidade escolar. Tal identificação permite forte ligação e avaliação por intermédio de noção de competência e da qualificação (reconhecimento social da competência).

Por outro lado, os conhecimentos são organizados segundo um corpus de conhecimentos, coerentes e estruturados e, de modo particular, constatamos as mesmas características organizacionais dos saberes matemáticos científicos.

Não obstante, como esclarece Pastré [12, p. 113], “se torna necessário para cada métier extrairmos um corpus estável de capacidades, que podem superar situações imprevistas e a evolução do trabalho”. De modo semelhante, no caso do professor de Matemática, correspondentemente a um corpus de conhecimentos definidos, indicados por documentos normativos e oficiais se mostra necessário um conjunto de capacidades e habilidades profissionais socialmente reconhecidas e compartilhadas por um grupo ou gênero de profissionais (professores) de um mesmo posto de trabalho e reconhecido socialmente pela relevância social da atividade que executa no sistema escolar brasileiro.

Podemos compreender a noção de gênero no trabalho, por exemplo, a partir das explicações de Clot & Faita [29], quando revelam seu papel estruturante de uma atividade.

O gênero é de certa forma a parte implícita da atividade, este que os trabalhadores em um determinado ambiente saibam e vejam, esperem e reconheçam, apreciem ou temam; o que é comum a eles e que os une em condições reais de vida; o que eles sabem que precisam fazer graças a uma comunidade de avaliações pressupostas, sem a necessidade de especificar novamente a tarefa cada vez que ela surge. É como uma "senha" conhecida apenas por quem pertence à mesma formação social e profissional. [29, p. 11, tradução nossa].

Não obstante, quando objetivamos o ofício do professor, não podemos objetivar apenas um conjunto de atividades e situações profissionais vivenciadas no contexto da sala de aula, quando na interação com os estudantes. De fato, Pastré [30] menciona e descreve um fenômeno envolvendo a consideração de um cenário de aprendizagem dos alunos que se mostrar, de forma indissociável, relacionado com a nível de competência profissional do mesmo.

Parece-me que podemos ir um pouco mais longe: os professores também são educadores, no sentido em que são levados a provocar, quase parece provocar, esses episódios de aprendizado. Parece-me que a atividade de um professor permanece incompreensível se alguém interromper um de seus objetivos, certamente um dos mais difíceis de entender: estimular o desenvolvimento cognitivo dos alunos. [30, p. 91].

Quando objetivamos o fenômeno “aula”, como a constituição de uma das principais atividades e modalidade de tarefa que distingue o ofício ou o trabalho do professor, não podemos desconsiderar um outros conjunto de relações que se mostram e ocorrem no interior de um sistema escolar. Nesse sentido, Pastré [30] assinala a habilidade não trivial de condução de uma aula, visando a apropriação do conhecimento e as relações professor - estudantes, ao comentar que:

No momento, deixei meus pensamentos sobre a análise da atividade docente como a condução de uma aula com vistas à apropriação do conhecimento. Os alunos que enfrentam o professor são tratados como um todo, um todo com sua própria dinâmica e que reage globalmente às intervenções do professor. [30, p. 91, tradução nossa].

Por exemplo, no cotejo das atividades docentes, podemos recordar um momento fundamental da avaliação dos alunos, como uma unidade fundamental e constituinte de sua profissão. Ou, uma unidade de trabalho envolvendo o desenvolvimento de testes e exames, ao longo dos anos e sua duração correspondente, em essência, em maior ou em menor substância, o professor tem que lidar com o senso ou os sintomas de envelhecimento de seus próprios problemas (roteiro de abordagem dos conteúdos) colocados aos alunos. Tais sintomas, ao decorrer do tempo, podem atuar como entraves para os percursos desejados de significativa aprendizagem dos estudantes.

Por outro lado, em nossos trabalhos, temos considerados as interações de um professor (de Matemática) com outros professores (de Matemática) e colegas de profissão. Mayen & Gagner [31] apontam múltiplas habilidades necessárias e estratégicas, nem sempre adquiridas no início da atividade profissional, quando consideramos professores (de Matemática) inexperientes ou debutantes. Nesse sentido, os autores indicam características importantes de situações profissionais de trabalho.

Muitas situações de trabalho são tais que não permitem acessar e avaliar os resultados de seu trabalho, por motivos estruturais ou organizacionais. Também podemos mencionar segurança. Consciência de um problema de aprendizagem a capacidade de dirigir e manter a atenção para os aspectos mais relevantes do ambiente de trabalho em relação à ação de alguém; as possibilidades de repetir a ação, de treinar, de repetir sem repetir, em outras palavras, de variar as possibilidades da mesma ação, o que torna necessário manter a atenção, inibir as rotinas e ajustar a ação; a capacidade de comparar e identificar analogias; a possibilidade de construir inferências; a possibilidade de poder variar a visão sobre a situação ou alguns dos seus aspectos; tentar confundir-se, retomar a ação, corrigi-la, hesitar, duvidar; ter ou ser capaz de retornar à ação e, em particular, com outros e pela verbalização ou para cooperar para antecipar, liderar e avaliar a ação individual e coletiva, para se beneficiar de auxílios e recursos de várias naturezas das quais a ajuda e orientação ou salvamento de outros. [31, p. 77, tradução nossa].

Mayen & Gagner [31] indicam uma multiplicidade de relações e habilidades profissionais requeridas em qualquer atividade condicionada. Por outro lado, desde que buscamos distinguir a atividade do professor iniciante do professor experiente (do expert), afim de indicar um roteiro mais detalhado e que possa ser melhor compreendido pelo leitor, indicamos o itinerário proposto por Boudreault [8], ver figuras 1 e 2.


Figura 2. Boudreault [8, p. 234] apresenta um itinerário de ações e esquemas de organização da atividade visando a ação em situação profissional.

Diante de um cenário profissional, revelado por um conjunto de tarefas profissionais, o sujeito ou o professor (de Matemática) deve agir, mediante a mobilização imprescindível de conhecimentos privados, todavia, situados e circunstanciados, cuja natureza pragmática se revela a partir do julgamento e da interação com outros sujeitos. A competência profissional se revelará, mediante sua capacidade de superação de obstáculos ou entraves que impedem a execução de tafefas condicionadas e do julgamento, opinião e confirmação de outros sujeitos que compartilham do mesmo métier ou atividade profissional.

Nesse roteiro, as habilidades de “perceber” um problema, realizar um “tratamento” adequado e estratégia de resolução do problema em situação, a identificação de elementos essenciais na memoria (“memoria”), em seguida, uma identificação e “compreensão” das estratégias que envolvem melhores condições de êxito. Por conseguinte, o estágios ou ações intelectivas mentais envolvendo o “raciocínio”, a “análise” e a “avaliação” local e global de certos determinantes no contexto educacional concorrem para a etapa finla de “decisão” a ação visível e perceptível do professor de Matemática.

Na figura 2 visualizamos um percurso proposto por Boudreault [8] com repercussão imediata para o caso do contexto do ensino e da formação profissional e ação do professor. Seu modelo de ação ou descrição da atividade envolve o roteiro das ações expressas pelos verbos: (1) perceber (percevoir), (2) tratar (traiter), (3) memorizar (memorizer), (4) compreender (comprendre), (5) raciocinar (raisonner), (6) analisar (analyser), (7) avaliar (évaluer), (8) decidir (décider), (9) agir (agir).

Em maior ou em menor substância a atividade do professor pode ser hirarquizada segundo esses estádios ou verbos que indicamos na figura 2. De modo geral, uma situação profissional, objetivando a formação do professor, permite sua hierarquisação segundo unidades de trabalho que incorporam algumas das ações indicadas na figura.

Antes de finalizarmos a seção atual, apresentamos na figura 3, a descrição de três grandes classes de formas e interesses pela aprendizagem, segundo Pastré [17, 2] , a saber: a aprendizagem por intermédio da transmissão de saberes, a aprendizagem por intermédio da construção de um meio (milieu), no sentido de Brousseau [27, 32] e, por fim, a aprendizagem por tutoria e acompanhamento no contexto da formação.


Figura 3. Pastré [17] descreve dois eixos (pragmático e epistémico) que servem como referência e interpretação da atividade e aprendizagem do professor.

Patré [17, p. 11] concebe um questionamento importante, quando interroga que “mas então surge uma questão: como qualificar a aprendizagem que assume uma das formas mais comuns encontradas no ensino, a forma de aula, seja como uma palestra, ou como matemática do ensino fundamental ou aula de francês?"

O autor responde, pelo menos em parte tal questionamento, quando assinala uma perspectiva de compreender a aprendizagem, por intermédio de seus objetivos, e, nesse caso, podemos distinguir:

(i) aprendizagem cujo objetivo é adquirir conhecimento ou um saber (corpus de savoir);

(ii) aprendizagem cujo objetivo é adquirir o domínio de uma atividade (habilidade profissional) em uma situação.

Na figura 3 visualizamos um esquema mnemônico proposto por Pastré [17], segundo determinados eixos que indicam a aprendizagem do saber científico, aprendizagem em situação de trabalho.

Dessa forma, quando objetivamos o ensino de Matemática, não podemos desconsiderar determinados processos fundamentais que relacionam dois binomios fundamentais “estudante – professor” e “professor – professores”. Por exemplo, quando objetivamos a aprendizagem cujo objetivo é adquirir conhecimento ou um saber, podemos considerar a noção de transposição didática [33], que se mostra imprescindível, no sentido de catalizar a evolução da aprendizagem dos estudantes.

Por outro lado, quando mencionamos a noção de transposição profissional [3, 4, 5] passamos a considerar a aprendizagem, cujo objetivo é adquirir o domínio de uma atividade em uma situação, em que o interesse pode ser revelado por intermédio da troca de experiências e vivências envolvendo o binômio “professor – professores”. Neste último caso, de modo quase invariante, um conjunto de tarefas prescritas e endereçadas ao ambiente escolar, por exemplo, se mostram transmitidas, por intermédio de uma espécie de contrato de trabalho, envolvendo o professor de Matemática expert e os individuos menos experientes.

Em todo caso, do contexto anterior, os registro epistêmico e registro pragmático (ver figura 3) precisam ser considerados, na medida em que, a ação do professor de Matemática se mostra orientada tanto por um saber científico de referência, como no caso da Matemática, bem como, se mostra impregnada por um componente pragmático originado da própria identidade profissional.

Conclusões

Nas seções anteriores abordamos alguns pressupostos e os princípios norteadores para a Didática Profissional objetivada e aplicada ao campo da atividade pedagógica e profissional do professor de Matemática. Observamos que sua constituição como área de pesquisa e estudos no França, nos anos de 1990, ocorreu em um cenário de profundas mudanças da perspectiva de análise e a compreensão imperiosa das relações eminentemente qualitativas emergentes do trabalho. Por conseguinte, um quadro teórico constitutivo de evidência em um cenário de influência de múltiplas teorias, o que concorreu, a posteriori, para revelar e, de igual modo, confirmar um terreno investigativo consistente e que permitiu e permite, sobretudo, o seu avanço atual, como consequência.

Quando perspectivamos o trabalho dos professores de Matemática, sobretudo, o trabalho dos mais experientes (experts), podemos constatar que determinadas rotinas e roteiros de ação e execução tendem ou se dirigem a um processo de simplificação, optimização das ações, estilo profissional lacónico, institucionalização de alguns hábitos profissionais e, até mesmo, de economia ou encurtamento das ações, não raro, o seu envelhecimento também.

Claramente, divisamos alguns princípios da Ergonomia cognitivista, posto que, nos interessamos pelos roteiros de simplificação e não perda de eficiência de aplicação de conhecimentos e a competência exigida para tais tarefas. Por outro lado, ao passo que divisamos princípios ergonômicos que atuam diretamente na sua praxis em sala de aula, observamos, também, princípios organizadores da ação ou atividade em contexto ampliado de exercício do ofício da docência e no campo do trabalho que requerem um maior estádio científico de compreensão e desenvolvimento da pesquisa no Brasil [5].

Ademais, de forma inexoravelmente vinculada aos fenômenos de aprendizagem do adulto, no campo do trabalho, apontamos o papel do erro e dos obstáculos profissionais (ver figura 4), que ocorrem como elementos diferenciam, por vezes, um profissional iniciante e o profissional experiente, o expert. Tendo em vista localizar-mos, de forma sistemática, a origem ou a localização do erro, podemos examinar um conjunto ou apenas uma unidade de trabalho (ver figura 2). Por vezes, o erro ou obstáculo profissional sucede no interior de uma simples execução de uma regra ou cadeia de procedimentos relacionados por um conjunto de unidades de trabalho ou, de forma isolada, o erro se manifesta, no interior de uma única unidade de trabalho.


Figura 4. Descrição da competência profissional e seus elementos considerados no interior do campo profissional (elaboração do autor)

O exemplo mais clássico e pedagógico pode ser considerado na ofício ou na atividade de um piloto de avião. Diante de uma situação de acidente, envolvendo uma aeronave, a investigação sistemática se desenvolve, com o escopo de examinar todas as etapas e procedimentos do piloto, que antecederam a queda eventual da aeronave. Ao fim do processo de investigação, o evento passa a ser condiderado como um estudo de caso e a identificação do erro passa a ser incorporado em um protocolo profissional standard e passa a ser repercutido/replicado na formação de futuros pilotos.

Propugnamos, pois, um expediente semelhante para a atividade do professor de Matemática. A identificação de protocolos de conduta e hábitos profissionais, envolvendo determinados casos ou situações que concorrem para situações indesejadas ou equivocadas no sistema de ensino e culminam com o erro. Esses e outros elementos se inserem no que Pastré et all [11] chamam de campo profissional (ver figura 4).

Por fim, uma profusão de elementos de ordem qualitativa indicados ao decurso do trabalho, nem sempre perceptíveis no cenário das atividades profissionais podem ser registrados e, também, identificados, no sentido do acompanhamento necessário de um processo duradouro, nem sempre continuo e bastante prolongado, demarcando a passagem de um profissional noviço, ao campo pragmático de seu reconhecimento, para um profissional (professor de Matemática) experiente e competente no ofício.

Nessa transformação supracitada, a noção de obstáculos profissionais, a noção de Situação Didática Profissional SDP e a noção de Transposição Profissional devem constituir objeto de apreciação em ulteriores investigações sistemáticas balizadas pela Didática Profissional no cenário de pesquisas brasileiras. (ver figura 4).

Agradecimentos

Agradecemos o suporte financeiro no Brasil concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPQ.

Referencias

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Francisco Regis Vieira Alves
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Francisco Regis Vieira Alves
Professor Titular do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará – IFCE. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPQ/PQ2. Docente Permanente do Mestrado Acadêmico em Ensino de Ciências e Matemática – PGECM/IFCE. Docente Permanente do Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica – PROEPT/IFCE em Rede. Docente Permanente do Doutorado em Rede Região Nordeste – RENOEN.

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