INTRODUCCIÓN
A doença de Darier é uma doença autossômica dominante, caracterizada por perda de adesão entre as células epidérmicas (acantólise) e queratinização anormal, com uma prevalência estimada em 1 em 55.000.¹ Manifesta-se, geralmente, durante a segunda década da vida, mas pode iniciar mais tardiamente, afetando a pele e as unhas de formas peculiares.¹ Os pacientes desenvolvem pápulas e placas queratóticas, amareladas ou amarronzadas, principalmente nas áreas seborreicas, como no tronco superior, flexuras, couro cabeludo e fronte, distribuídas simetricamente e exacerbadas pela radiação ultravioleta e pela transpiração. 1,2,3,4.A maioria dos pacientes também apresentadepressões puntiformes ou pápulas queratóticas palmo-plantares. 1,4 As alterações ungueais incluem bandas longitudinais brancas largas, bandas longitudinais vermelhas e bandas longitudinais brancas e vermelhas, alternadas, muitas vezes com um entalhe em forma de V na margem livre da unha.¹ Pode haver também alterações na mucosa oral e, às vezes, alterações neuropsiquiátricas.4
O gene defeituoso na doença de Darier é o gene ATP2A2, localizado no cromossomo 12, região 12q2324.1, que codifica a isoforma 2b da enzima Ca²+ ATPase (bomba de cálcio) no retículo endoplasmático (RE). 1,2
Essa enzima é fundamental na regulação do cálcio intracelular, ao transportá-lo ativamente do citoplasma para o RE (reserva de cálcio).1,5 O defeito nesse sequestro de cálcio para o RE prejudica a síntese, o processamento, a dobra e o tráfego de proteínas juncionais, o que pode gerar a acantólise.1,2,5 Além disso, a depleção queratinocítica de cálcio do RE está associada a apoptose, desencadeada pelo acúmulo intrareticular de proteínas desdobradas, que gera respostas de estresse celular, levando a queratinização prematura. 3,5
A forma localizada da doença de Darier é rara e foi descrita pela primeira vez por Kreibich em 1906.4 Sugere-se que essa forma de apresentação seja um mosaico genético de doença de Darier generalizada, envolvendo a superfície da pele de forma linear, zosteriforme, irregular ou com outro arranjo localizado.4
No mosaicismo, a doença apresenta um padrão linear, tanto fenotípica quanto histologicamente semelhante ao Darier clássico, porém em forma unilateral, seguindo as linhas de Blaschko.³ Os locais mais comumente afetados são o tronco e os membros, sendo o couro cabeludo raramente afetado.4 A doença tem início, geralmente, na terceira ou quarta década de vida, não há predileção sexual e os fatores agravantes são semelhantes aos da doença de Darier generalizada, destacando-se a luz, o calor, a sudorese e o atrito, além da gravidez. 1,3,4 Estima-se que, em 10% dos casos, as lesões são distribuídas segundo esse padrão linear.¹
CASO CLÍNICO
Paciente do sexo masculino, 73 anos, apresentando, desde os 40 anos, múltiplas pápulas planas hipocrômicas agrupadas, não pruriginosas, algumas discretamente eritematosas e sem descamação, dispostas linearmente ao longo do membro inferior direito, desde a raíz da coxa até a matriz ungueal do primeiro pododáctilo, seguindo a linha de Blaschko (Figs 1 e 2). O exame do aparato ungueal do primeiro pododáctilo revelou ceratose subungueal e distal, além de fratura da lâmina até a prega proximal, cujo exame micológico (direto e cultura) foi negativo. Evoluiu, nos últimos 2 anos, com confluência das pápulas hipocrômicas na regiãoinguinal direita, formando placa condilomatosa, acinzentada, algo violácea e intensamente pruriginosa (Fig 3). As regiões palmo-plantares e as mucosas estavam poupadas. Não havia história de familiares com lesões semelhantes. Os exames histopatológicos de uma pápula da perna (Fig 4) e da placa inguinal (Fig 5) revelaram fenda acantolítica suprabasal, com presença de corpos redondos e grãos. Optou-se pelo tratamento apenas da placa condilomatosa, devido ao intenso prurido local. Como não houve resposta a criocirurgia (2 sessões de 5-10segundos), foi realizado shaving e eletrocoagulação da lesão, com resposta clínica sustentada no pós operatório tardio (Fig 6).
DISCUSIÓN
As lesões dermatológicas que se apresentam em arranjo linear, seguindo as linhas de Blaschko, podem representar a clínica de diversas doenças. Dentre os distúrbiosinflamatórios, a psoríase linear, o líquen plano linear, o líquen estriado, vitiligo segmentar e a blaschkite estão entre os diagnósticos diferenciais.4,5,6
Diante de um distúrbiocutâneo linear, é útil considerar qual seria o diagnóstico se a condição afetasse toda a superfície cutânea, uma vez que alguns distúrbioscutâneos autossômicos dominantes clássicos às vezes ocorrem no padrão mosaico.5 Embora a morfologia da lesão e a histologia sejam semelhantes nas formas mosaicas e generalizadas, o diagnóstico não será imediatamente claro sem as indicações dadas pela distribuição e aparência geral do distúrbio generalizado.5 Nesse contexto, tem-se, entre os diagnósticos diferenciais, os nevos epidérmicos verrucosos, a doença de Darier linear, doença de Hailey-Hailey linear, poroqueratose linear, carcinoma basocelular linear, neurofibromatose segmentar tipo I, mosaicismo na esclerose tuberosa, telagiectasia nevoide, dentre outros. 1,4,5
De acordo com a denominação sistemática de Happle, dois tipos de mosaico de manifestações segmentares de distúrbioscutâneosautossômicos dominantes podem ser distinguidos.¹ O tipo 1 reflete a heterozigose para uma mutação somática pós-zigótica na embriogênese precoce e mostra um grau de gravidade correspondente ao encontrado no fenótipo não segmentar. 1,3,6 As lesões seguem as linhas de Blaschko unilateralmente, sem outras manifestações da doença. A pele, além das manifestações segmentares, é perfeitamente normal. O tipo 2, mais raro, reflete a perda de heterozigosidade para o mesmo alelo e mostra acometimento marcadamente mais grave.1,3As lesões representam áreas focais de maior gravidade, sobrepostas à doença de Darier disseminada. 1,6
Em formas de mosaico da doença de Darier, a presença de outras manifestações, tais como depressões puntiformes palmares, distrofia ungueal, pápulas planas semelhantes a verrugas e envolvimento da mucosa, depende da extensão da doença.1,3,6,11 Isto está relacionado com o tempo de início da mutação, quanto mais cedo a mutação na embriogênese, maior a área envolvida pelo transtorno.¹ As manifestações ungueais da doença de Darier estão frequentemente ausentes na variante linear, bem como os antecedentes familiares da doença. 6 A diferenciação entre a variante linear e a doença clássica é puramente clínica, com base na distribuição das lesões na pele.¹
Não há relatos de pacientes com doença de Darier segmentar transmitindo doença generalizada à sua descendência, mas o mosaicismo para o gene envolvendo as gônadas e conseqüente transmissão de doença de Darier generalizada para a próxima geração é possível; e isso deve ser levado em consideração no contexto do aconselhamento genético para doentes com doença de Darier restrita a áreas cutâneas seguindo as linhas de Blaschko. 1,7
Os critérioshistopatológicos relevantes são acantólise e disqueratose, sendo dois tipos de célulasdisqueratóticas notadas, o corpo redondo e os grãos. 5,6A epiderme acima da acantólise e dos focos disqueratóticos é espessa, com papilomatose e hiperqueratose.5,6 Na derme superficial, há um infiltrado inflamatório perivascular discreto a moderado.5,6 Essas característicashistopatológicas que induzem ao diagnóstico são frequentemente focais, necessitando de investigação cuidadosa; e, como não sãoespecíficas da doença de Darier, a clínica é essencial para o diagnóstico final. 5
O padrão acantolítico disqueratótico associado ao envolvimento linear de lesões não congênitas, sem envolvimento de mucosas ou de regiões flexurais, engloba três dermatoses no diagnóstico diferencial clínico-patológico: doença de Darier linear, nevo epidérmico acantolítico disqueratótico adquirido e doença de Grover linear.6Happle considera o nevoepidérmico disqueratótico adquirido uma variante da doença de Darier linear, por semelhanças clínicas e histopatológicas, o que é suportado pela demonstração, em nível molecular, das mutações do gene ATP2A2, em mosaicismo pós-zigótico.7 Outros autores suportam o termo nevo epidérmico quando as manifestações da doença de Darier estão ausentes, sem história familiar e a idade de início é a infância ou ao nascimento, na ausência de estudo genético.³ Como ambas as doenças são muito raras, são necessários estudos de mutação de um maior número de indivíduos afetados para comparar essas doenças.² Os casos de doença de Grover linear são relatados como antecedidos por febre e ocorre em idades mais avançadas que na doença de Darier linear.8
O tratamento da doença de Darier linear normalmente limita-se à terapia tópica, principalmente com retinóides, apresentando resposta terapêutica.9,11,12 Há tratamentos descritos com tazaroteno, adapaleno e 5-fluoracil, além de tretinoína e isotretinoína, ácido lático, ácidosalicílico e esteroides tópicos.4,10,11,12 O adapaleno age modulando a diferenciação dos queratinócitos e possui um perfil farmacológico mais específico do que a tretinoína, resultando em altaeficácia e menor irritação.9 Dermoabrasão, laser de CO2, criocirurgia e até mesmo a excisão cirúrgica têm sido propostas nas formas hipertróficas, como realizado no nosso paciente, com boa resposta. 4,9 Assim, a excisão cirúrgica deve ser avaliada e considerada como opção terapêutica, até mesmo inicial, para as formas clínicas hipertróficas de Darier linear, habitualmente refratárias ao tratamento com retinóides tópicos ou criocirurgia.
Figs 1 e 2: múltiplas pápulas planas hipocrômicas agrupadas, dispostas linearmente ao longo do membro inferior direito, desde a raíz da coxa até a matriz ungueal do primeiro pododáctilo.
Fig3: placa condilomatosa, acinzentada, algo violácea.
Figs 4 e5: fenda acantolítica suprabasal, com presença de corpos redondos e grãos.
Fig 6: placa condilomatosa pós tratamento.
REFERENCIAS
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