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Revista de enseñanza de la física

versión impresa ISSN 0326-7091versión On-line ISSN 2250-6101

Rev. enseñ. fís. vol.35 no.2 Cordoba set. 2023  Epub 19-Dic-2023

http://dx.doi.org/10.55767/2451.6007.v35.n2.43727 

Relatos de aula

Sequência didática para mudanças conceituais no ensino de física: desenvolvendo o conceito de centro de gravidade

Conceptual changes in physics teaching: developing understanding center of gravity

Tatiane Feu Teixeira Santiago1  * 

Paulo Henrique Dias Menezes2 

1 Escola Estadual Prof. José Pereira Eboli, Avenida Professor João Rodrigues Alckmin, 1249, Jardim Esperança, CEP 12518-245, Guaratinguetá - SP, Brasil.

2 Departamento de Educação, Universidade Federal de Juiz de Fora, Campus Universitário, Rua José Lourenço Kelmer, s/n - São Pedro, CEP 36036-900, Juiz de Fora - MG, Brasil.

Resumo

Neste trabalho apresentamos uma sequência didática, constituída por um conjunto de atividade em níveis crescentes de complexi-dade, elaborada para possibilitar o desenvolvimento progressivo do conceito de centro de gravidade com base no modelo cognitivo de Piaget e Garcia para mudanças conceituais. As bases que fundamentam essa construção são compostas pelas tríades dialéticas das etapas: intra, inter e trans-objetal. Esse modelo de ensino possibilita levar o estudante à elaboração de conceitos mais abrangentes, rompendo paradigmas e alargando a capacidade de observar, comparar e transformar o conhecimento. A sequência didática foi apli-cada em aulas de física com estudantes do 2º ano do ensino do médio. Durante a aplicação examinou-se em detalhes a evolução do conceito de ponto de equilíbrio, na sua diferenciação com o centro de gravidade, como um indicador das formas de compreensão dos estudantes. Os resultados referendam a potencialidade dos processos de equilibração e desequilibração, pautado na incerteza com-partilhada entre os estudantes e entre eles e o professor, como elemento essencial na construção do conceito de centro de gravidade de forma significativa.

Palavras-chave: Ensino de física; Modelo cognitivo; Centro de gravidade; Sequência didática

Abstract

This article presents a didactic strategy, formed by a set of activities at increasing levels of complexity, designed for the development of the concept of center of gravity, based on Piaget and Garcia's cognitive model for conceptual changes. The bases that underlie this construction are composed of the dialectical triads of the stages: intra, inter and trans-object. This teaching model enables students to develop increasingly comprehensive concepts, breaking paradigms and expanding their ability to observe, compare and transform knowledge. The method was applied in physics classes with 2nd year high school students. During the application, the evolution of the concept of balance point was examined, in its differentiation with the center of gravity, as an indicator capable of pointing out the students' ways of understanding. The results indicate the potential of balancing and unbalancing processes, based on uncertainty shared among students and between them and the teacher, as an essential element in building the concept of center of gravity in a meaningful way.

Keywords: Physics teaching; Cognitive model; Gravity center; Didactic strategy

I. INTRODUÇÃO

A Base Nacional Comum Curricular brasileira (Brasil, 2018) indica que é objetivo da educação promover o desenvolvi-mento integral dos estudantes em suas dimensões cognitiva, social, emocional, cultural e física. Promover uma edu-cação integral nesses moldes talvez seja o principal desafio enfrentado por professores formados em modelo tradicional de ensino, pautado em aulas expositiva, geralmente focadas na transmissão do conhecimento.

A sequência didática aqui proposta surge como um enfrentamento a este desafio. Além de prover a mudança conceitual no estudante, exige também a mudança de comportamento do professor. A tradicional forma de transmis-são do conhecimento é substituída por práticas que valorizam e exploram o papel ativo do estudante na construção do seu próprio conhecimento.

O material aqui apresentado foi desenvolvido no âmbito do programa de Mestrado Nacional Profissional em En-sino de Física (MNPEF) e tem o objetivo de levar o estudante a construir o conceito de centro de gravidade, utilizando um modelo fractal, conhecido como tríade dialética de Piaget.

O centro de gravidade é um conceito importante no ensino da mecânica clássica, mas é pouco compreendido pelos estudantes. A pouca atenção dada a esse tema pode ser observada inclusive na quase total ausência de questões de vestibulares e do Enem que abordem o conceito de centro de gravidade. Por outro lado, trata-se de um conceito largamente presente no dia a dia, com aplicações que vão do equilíbrio do nosso próprio corpo, aos enormes arranha-céus e gigantescas pontes construídas pela engenharia (Lemos, Teixeira e Mota, 2010). Por esse motivo, nos empe-nhamos no desenvolvimento de um material que pudesse explorar esse conceito de forma significativa e contextuali-zada.

II. APORTE TEÓRICO

No cotidiano percebemos a importância do equilíbrio na organização da carga em caminhões e aeronaves, na cons-trução de grandes monumentos e até mesmo no simples ato de caminhar. Da Terra aos céus, situações de equilíbrio aparecem de forma diversificada e nos estimula a observar a natureza; a refletir, questionar e compreender a reali-dade como um paradigma em transição.

Analisando textos tradicionais de física básica, tais como: Symon (1982), Resnick, Halliday e Walker (2002), Hewitt (2002), observa-se uma tímida abordagem do conceito de centro de gravidade e poucas tentativas de mostrar a dife-rença entre centro de massa e centro de gravidade, normalmente, sem exemplos práticos que demonstrem essa dife-renciação. Essas observações corroboram o estudo realizado por Assis (2008b), que também notou que. . .

As definições apresentadas nos livros didáticos divergem entre si. Poucos livros fazem um levantamento histórico sobre o surgimento do conceito do centro de gravidade, não mencionando sequer Arquimedes com relação a este ponto. Em geral eles chegam ao conceito a partir da mecânica newtoniana. Não há problemas em relação a isto, mas seria interessante que fosse feita uma análise crítica do tema. Alguns livros chegam até mesmo a tomar o centro de gravidade como sendo sinô-nimo do conceito de centro de massa. Mas isto está bem distante da formulação de Arquimedes. Não há problemas com este procedimento, desde que o tema seja tratado com o devido cuidado. (Assis, 2008b, fl. 10)

No quadro 1 apresentamos um breve resumo de definições de centro de gravidade no decorrer da história com base no trabalho de Assis (2008a, p. 126-129).

QUADRO 1 Definições do conceito de Centro de Gravidade, com base em Assis (2008a). 

Obra Definição
Heron (século I d. C.) Mecânica O centro de gravidade ou de inclinação é um ponto tal que, quando o peso é dependurado por este ponto, ele fica dividido em duas porções equivalentes, [Her88, pág. 93], citado por Assis (2008a, p. 126)]
Papus (século IV d. C.) Coleção Matemática Dizemos que o centro de gravidade de qualquer corpo é um certo ponto dentro desse corpo tal que, se for concebido que o corpo está suspenso por este ponto, o peso assim sustentado permanece em repouso e preserva sua posição original, [Pap82, Livro VIII, pág. 815] citado por Assis (2008a, p. 127)
Arquimedes Sobre a Quadratura da Parábola Todo corpo, suspenso por qualquer ponto, assume um estado de equilíbrio tal que o ponto de suspensão e o centro de gravidade do corpo estejam ao longo de uma mesma linha vertical; pois esta proposição já foi demonstrada. [Arc02, pág. 238] citado por Assis, (2008a, p. 123)
Simplício (século VI d. C.) Sobre o Céu de Aristóteles (384-322 a. C.) O centro de gravidade é um certo ponto no corpo tal que, se o corpo for suspenso por uma linha ligada a este ponto, vai permanecer na sua posição sem se inclinar para qualquer direção. (Assis, 2008a, p. 128)
Assis (2008a) Arquimedes, o Centro de Gravidade e a lei da Alavanca (2008) O centro de gravidade de um corpo rígido é um ponto tal que, se for concebido que o corpo está suspenso por este ponto, tendo liberdade para girar em todos os sentidos ao redor deste ponto, o corpo assim sustentado permanece em repouso e preserva sua posição original, qualquer que seja sua orientação inicial em relação à terra. (Assis, 2008a)

Assis (2008a) considera a definição de centro de gravidade a partir de um exemplo prático, conforme descrito no quadro 1.

O corpo que está exercendo a força gravitacional é como a terra, mas com o formato de uma maçã, com a maior distância entre quaisquer duas partículas desta terra-maçã sendo dada por 𝑑𝑇; O corpo que está sofrendo a força gravitacional é como a lua, mas com o formato de uma banana, com a maior distância entre quaisquer duas partículas desta lua-banana sendo dada por 𝑑𝐿;A distância entre uma partícula i qualquer desta terra e uma e uma partícula j qualquer desta lua sendo dada por𝑑𝑖𝑗 = 𝑑𝑇+𝑑𝐿+𝑒𝑖𝑗, com 0<𝑒𝑖𝑗<<𝑑𝑇+𝑑𝐿. Neste caso não vai existir um centro de gravidade único. Dependendo da orientação relativa entre a Lua-banana e a terra-maçã, vão existir linhas de equilíbrio distintas. Nestes casos o conceito de centro de gravidade perde seu significado. (Assis, 2008a, p. 93)

Portanto, as regiões em que a definição de CG possui validade são aquelas em que o corpo rígido de prova sofre a ação da força gravitacional constante e, para isso, o corpo precisa ser pequeno em relação às dimensões da Terra e estar nas proximidades da sua superfície (Lemos; Teixeira e Mota, 2010).

Na concepção escolar esse conceito parece suficiente, porém, para ensiná-lo é preciso compreender qual conceito o estudante possui ou é capaz de construir. Foi com essa intenção que elaboramos uma sequência didática, orientada por atividades práticas, que visam focar as etapas da mudança conceitual na construção do conhecimento.

A. A Teoria de Piaget sobre mudança conceitual

A psicologia cognitiva se preocupa em compreender como as crianças pensam e os fatores que justificam as mudanças cognitivas ao longo de seu desenvolvimento. Na concepção de Piaget e Garcia (2011) trata-se de um processo estru-turado em que se distinguem três etapas sucessivas: operatória, operações concretas e operações hipotético-deduti-vas. Essas etapas correspondem sucessivamente às fases: intra, Inter e trans-objetal, formando a tríade dialética da construção de conhecimentos. Essa tríade pode ser representada, sucessivamente, pelas seguintes perguntas em re-lação ao objeto de aprendizagem: “o que é isso?” (primeiro nível: intra); como isso funciona? (segunda nível: Inter); e como se explica? (terceiro nível: trans). Esses três níveis são construídos a partir da mediação do professor, por meio de suas falas provocativas e de suas ações, propositalmente definidas para guiar o estudante no processo de constru-ção do conhecimento, buscando produzir o desequilíbrio e a flutuação de ideias, e a posterior equilibração.

FIGURA 1 Mostra o modelo fractal das etapas Intra, Inter e Trans (Menezes; Batista; Bertoldo, 1997). Observe que cada tríade constitui uma nova etapa Intra de uma nova tríade. 

A partir da figura 1 observa-se que se trata de um modelo fractal, em que o fechamento de uma tríade representa a abertura de outra tríade que utiliza a anterior como conhecimento prévio para a nova estrutura que se inicia. Esse processo não termina e a mediação do professor torna-se a principal ferramenta capaz de elevar os níveis de entendi-mento dos estudantes a condições cada vez mais complexas.

Dessa forma, a elaboração de uma sequência didática, pautada nessa psicologia cognitiva, representa uma alter-nativa ao modelo tradicional expositivo, que não consegue superar as confusões conceituais enfrentadas pelos estu-dantes, garantindo a mudança progressiva do conceito estudado em formulações cada vez mais elaboradas.

III. ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO

Nesta seção apresentamos a sequência didática (SD) elaborada para o desenvolvimento do conceito de centro de gra-vidade, fundamentada no modelo construtivista de Piaget para a mudança conceitual.

A aplicação da sequência didática ocorreu em uma escola particular, localizada em um município do interior do Rio de Janeiro (Brasil), no final do primeiro semestre de 2017, em duas turmas do 2º ano do ensino médio, totalizando 85 estudantes com idades entre 16 e 17anos. Cada etapa foi aplicada em módulos de aulas geminadas, com cerca de 100 minutos, o que favoreceu o desenvolvimento de proposta didática.

A. Organização da sequência de didática

O modelo de ensino adotado neste trabalho consiste basicamente em organizar e planejar a intervenção docente para que a apropriação do conhecimento ocorra de forma progressiva e sequencial. Na proposta cognitivista construtivista, esse modelo deve ser geral o bastante para se adequar às várias circunstâncias e currículos, mas potencialmente pre-ciso para garantir os princípios estruturadores para a apreensão do objeto de conhecimento pelo estudante, com base nas tríades dialéticas de Piaget e Garcia (1987, apud Aguiar Jr, 1999) que constituem as etapas intra, Inter e trans objetal.

A etapa INTRA configura-se como o primeiro nível de entendimento que confere qualidades observáveis do objeto de estudo e que são capazes de prover sentido à experiência. Na sequência didática proposta, nessa primeira etapa, espera-se que o estudante seja capaz de identificar as características de figuras geométricas planas regulares (círculo, retângulo e triângulo), de figuras planas não regular (boneco equilibrista) e de objetos tridimensionais (joaninha tei-mosa). Espera-se que os estudantes sejam capazes de destacar elementos observáveis de cada um desses objetos, tais como: simetria, forma, distribuição de massa, distâncias, diagonais e a caracterização do centro geométrico. A partir dessa exploração inicial, dá-se início à transformação progressiva de conceitos.

A etapa INTER de cada nível deve estar apoiada nas construções anteriores, quando o estudante passa a coordenar e a comparar os objetos, estabelecendo as relações e as transformações possíveis. Para isso, são apresentadas propos-tas de comparação entre as diversas figuras e objetos e entre o centro geométrico e o centro de gravidade dessas figuras e objetos.

A etapa TRANS é o momento que remete à transformação do nível anterior em uma nova estrutura de conheci-mento. Representa o estado de compreensão mais articulado, em que o modelo teórico permite prever e demonstrar e não apenas produzir simples constatações. Nessa etapa da sequência didática os estudantes são instigados a cons-truir o conceito de centro de gravidade por meio de um processo progressivo que envolve a equilibração e a desequi-libração do conhecimento em construção.

O fechamento de uma etapa TRANS abre uma nova etapa INTRA de um novo nível de entendimento, fazendo com que o conhecimento adquirido vá evoluindo para níveis de maior complexidade. O quadro 2 apresenta a estrutura resumida da SD em níveis de complexidade.

Os três níveis de complexidade mostrados no quadro 2 foram organizados em torno de quatro atividades principais. A primeira atividade envolve a determinação do centro de gravidade de figuras planas regulares: círculo, retângulo e triângulo (Apêndice 2). Inicialmente, espera-se que os estudantes construam o conceito de centro de gravidade a partir do centro geométrico do círculo e do retângulo. Posteriormente, eles recebem um triângulo para que possam fazer comparações e repensar o conceito construído anteriormente.

Na segunda atividade os estudantes devem determinar o centro de gravidade de uma figura plana não regular: o boneco equilibrista (Apêndice 3). Para isso, eles são desafiados a localizar o centro do boneco usando elementos geo-métricos e a comparar essa localização com a posição em que o boneco fica em equilíbrio sobre o palito suporte. Na sequência, os estudantes aprendem a localizar o CG do boneco equilibrista através de um fio de prumo. No final, os estudantes recebem um pedaço de massinha de modelar e são estimulados a repensar o conceito de CG a partir da distribuição de massinha no boneco equilibrista. O desafio é tentar equilibrar o boneco de cabeça para baixo sobre o palito suporte.

QUADRO 2 Organização dos níveis e etapas das atividades na sequência didática. 

Níveis Objetos Etapas
Intra Inter Trans
Características Relações Transformações
(I) (Círculo, Retângulo e Triângulo isósceles Círculo e Retângulo: Simetria Dobraduras, traçar diagonais. Triângulo isósceles: Simetria bilateral. Tem mais de um centro. Círculo / retângulo Possuem centro geométrico Triângulo / Círculo O triângulo não possui centro geométrico. O centro geométrico das figuras planas regulares é também o centro de gravidade. No triângulo o centro geométrico não coincide com o centro de gravidade.
O Boneco Equilibrista Encontrar o ponto central do boneco no molde de sulfite. Possui simetria bilateral. Dobrar mão com mão e pé com pé. Traçar diagonais. Braços mais compridos Pernas mais curtas. Transpor essa marcação para o papel cartão. Usar o suporte e testar se a marcação coincide com a posição de equilíbrio. O ponto que permite o boneco permanecer em repouso sobre o palito não é o ponto central da figura.
(II) Boneco Equilibrista com massinha de modelar Distribuir a massinha no boneco para colocá-lo sentado no palito Distribuir a massinha para que o boneco permaneça de cabeça para baixo. Testar a posição de equilíbrio anterior com a massinha adicionada ao boneco. O boneco possui distribuição irregular de massa Posições diferentes de equilíbrio. Equilíbrio estável, instável e indiferente. O centro de gravidade não é centro geométrico das figuras. E a posição que permite o corpo permanecer em equilíbrio depende da distribuição de massa no corpo, assim como de sua geometria.
Boneco Equilibrista e triângulo Semelhanças e diferenças entre o Triangulo e o Boneco equilibrista. Simetria A localização do centro de gravidade em cada figura. A localização do baricentro na região de maior área e, portanto, com menor distância, a 1/3 da altura do triângulo. O Boneco possui mais massa próximo à cabeça do que dos pés. Comparar o triângulo e o boneco com o corpo humano Determinar o centro de gravidade no aluno alto e forte. Determinar o centro de gravidade na aluna baixa e com os quadris mais largos. O centro de gravidade nem sempre será o centro geométrico das figuras. A localização desse ponto depende da distribuição de massa do corpo e da distância, sendo, portanto, o ponto que permite a figura permanecer em repouso ao ser suspensa através dele.
(III) Boneco equilibrista e a joaninha teimosa Geometria espacial da joaninha. Geometria plana do boneco equilibrista. A localização de centro de gravidade (ponto) no boneco. A determinação de um lugar geométrico (Circunferência) como sendo o centro de gravidade na joaninha teimosa. A distribuição irregular de massa na joaninha causada pelo peso de chumbo. Relacionar as cambalhotas com os tipos de equilíbrio Estável, instável e indiferente. Discutir sobre o significado da palavra “centro”. Recortar o centro do círculo e discutir a localização do Centro de gravidade. Perceber que o centro de gravidade não é sempre o centro geométrico de figuras planas e que a distribuição de massa, a distância, a área e a geometria determinam a localização desse conceito, que optamos por não chamar de centro por perceber que tal nomenclatura é restritiva.

Na terceira atividade (Apêndice 4) os estudantes devem construir o conceito de centro de gravidade a partir da comparação entre o boneco equilibrista e o triângulo. No primeiro momento eles são estimulados a repensar o con-ceito de centro de gravidade a partir da distribuição da massinha no boneco equilibrista e a comparar o resultado com a localização do CG do triângulo, que se encontra no baricentro da figura. No final desta atividade convidamos dois estudantes um menino e uma menina para participarem de algumas brincadeiras envolvendo o equilíbrio do corpo humano, confrontando as observações do centro de gravidade no triângulo e no boneco equilibrista com o CG do corpo humano.

A quarta atividade (Apêndice 5) envolve a comparação entre os CG do boneco equilibrista e da joaninha teimosa, um brinquedo construído com meia esfera de isopor. Nessa atividade, os estudantes são levados a extrapolar os limites das figuras planas para o espaço tridimensional e as relações entre massa, distância e geometria espacial são incorpo-radas ao conceito de centro de gravidade que foi evoluindo gradativamente ao longo das três atividades anteriores. Neste momento, a própria ideia de “centro” passa a ser repensada.

O objetivo principal dessa sequência de atividades é possibilitar que aluno seja capaz de construir o conceito de centro de gravidade de forma gradual, numa perspectiva metodológica construtivista. Para isso, faz-se necessário mo-dificar a também a postura do professor, em especial a maneira de se formular perguntas, tomando o cuidado para não induzir as respostas. O Apêndice 1 traz as orientações gerais para a condução das atividades pelo professor.

IV. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante a realização das atividades procuramos observar atentamente os elementos de comunicação entre os estu-dantes: gestos, olhares, sorrisos, atitudes e, principalmente, as tentativas de explicação entre eles para o fenômeno observado. Essa troca de conhecimento foi evoluindo gradativamente ao longo das quatro atividades. Aos poucos a certeza da racionalidade foi sendo substituída pela incerteza do “eu acho”. Dessa forma as rupturas e as transforma-ções desejadas foram se consolidando.

As ações de transformação do conceito de CG foram recorrentes, perpassando todas as atividades, e puderam ser observadas com mais intensidade à medida em que os estudantes se apropriavam dos saberes, participando ativa-mente da sua construção, com mais interesse e motivação, durante a sua evolução conceitual.

O quadro 3 apresenta um resumo dos resultados esperados e dos resultados obtidos durante as atividades.

QUADRO 3 Comparativo dos resultados esperados com os resultados obtidos na execução das atividades. 

Atividades Resultados Esperados Resultados Obtidos
Atividade 01 Intra: Construir o conceito de centro de gravidade a partir das relações e observações do círculo com o retângulo Inter: Desequilibrar a ideia inicial construída a partir do círculo e do retângulo com inserção do triângulo Trans: Reformular o conceito a partir das novas relações estabelecidas. A partir da postura instigativa e provocativa do professor os estudantes puderam perceber que a definição de centro geométrico associada ao CG é limitada e que necessita de reformulação para garantir a sua compreensão.
Atividade 02 Intra: Elaborar o conceito de centro de gravidade a partir do centro geométrico do boneco equilibrista. Inter: Verificar se a marcação do centro geométrico do boneco coincide com o ponto em que ele se equilibra, apoiado sobre um palito suporte. Trans: Ampliar o conceito de centro de gravidade para figuras planas não regulares, com distribuição irregular de massa ao longo do corpo do boneco. Os estudantes reavaliaram propriedades e atributos da primeira atividade expressando ideias para ampliar a elaboração do conceito de centro de gravidade da primeira tríade.
Atividade 03 Intra: Observar as mudanças que ocorrem no centro de gravidade do boneco equilibrista ao se adicionar massinha de modelar em diferentes posições. Inter: Comparar as situações de equilíbrio do boneco sobre o palito de apoio, com e sem a massinha de moldar, visando a desequilibração da ideia do em um ponto específico do objeto de estudo. Trans: Reformular o conceito de centro de gravidade em função da distribuição de massa. Percebeu-se que a capacidade de relacionar o centro de gravidade com a distribuição da massa no objeto foi ampliada, mas que ainda perpetua a ideia de que as figuras de alguma forma, mesmo sendo diferentes podem apresentam o mesmo comportamento, o que faz ser necessário repensar a situação do círculo, do retângulo e do triângulo, para assegurar que a transformação do conhecimento ocorra de forma progressiva.
Atividade 04 Intra: Observar o comportamento do centro de gravidade em um corpo tridimensional, com distribuição irregular de massa. Inter: Extrapolar a ideia de que centro de gravidade é um ponto ao longo da superfície do objeto, por meio da comparação da joaninha com o comportamento dos demais objetos estudados. Trans: Reformular o conceito de centro de gravidade, perpassando as ideias de simetria, forma, distância, distribuição de massa e geometria espacial. Os estudantes conseguiram estabelecer conexões do boneco equilibrista com o círculo, o retângulo e o triângulo adicionando pequenas quantidades de massinha em suas superfícies, objetivando uma nova condição de equilíbrio. A partir da joaninha, conseguiram estabelecer correlações entre o equilíbrio do brinquedo com o equilíbrio do corpo humano. Os estudantes ainda, buscavam outras situações cotidianas para aplicarem o conceito reformulado.

No início das atividades os estudantes acreditavam que o centro de gravidade permanecia sempre em uma mesma posição, depois foram reconstruindo esse conceito no decorrer das atividades propostas (Santiago, 2018). Contempla-mos discussões, olhares, gestos e sorrisos que permitiam perceber os diversos momentos de evolução do conceito. A seguir apresentamos algumas falas dos estudantes ao comparar o centro de gravidade do boneco equilibrista com a joaninha teimosa:

“O ponto de equilíbrio não está no meio da figura”; “Além das medidas dos lados e eixo de simetria a concentração de massa é importante”; “A distância da massa em relação ao centro altera a influência do ponto de equilíbrio”; “A base do triângulo possui maior massa como no boneco equilibrista ao adicionar massinha”; “É necessário uma divisão igual da área em rela-ção à massa para achar o ponto de equilíbrio”; ”Tem que compensar a pouca massa com mais distância, igual a balança”; “O ponto de equilíbrio depende da massa e da distância”, “o equilíbrio não depende da área, mas da massa e da distância”. (Santiago, 2018, p. 59)

As figuras 2 e 3 mostram estudantes brincando o boneco equilibrista e explorando o centro de gravidade no corpo humano.

FIGURA 2 Estudantes brincando com o boneco equilibrista. Fonte Santiago (2018, p. 54) 

FIGURA 3 Estudantes explorando o centro de gravidade em seus corpos. Fonte: Santiago (2018, 55). 

As atividades propostas permitiam confrontar situações distintas, num processo de construção e reconstrução do conhecimento. A partir das desequilibrações e reequilibrações produzidas nas diversas atividades foi possível ampliar o conceito de centro de gravidade que os estudantes possuíam.

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O espaço dialógico de construção do conhecimento, gerado pela sequência didática proposta neste trabalho, ajudou a transformar os estudantes em sujeitos capazes de construir o seu próprio conhecimento. O agente responsável por essa transformação é o professor. A ele coube a condição provocativa e instigadora de conduzir as aulas. Os encontros entre professores e estudantes, entre conhecimento científico e conhecimento da vida cotidiana, entre o saber escolar e o saber social, indicam que a ação docente deve ser orientada no sentido de uma aprendizagem significativa, norte-ada por modelos compatíveis com o desenvolvimento cognitivo do estudante.

Neste trabalho utilizamos um modelo fractal, formado pelas etapas piagetianas de construção do conhecimento: intra, inter e trans-objetal, com a recursividade de uma sequência didática que possibilitou aos estudantes se depara-rem com situações desequilibradoras em diferentes níveis de complexidade e em diferentes contextos para a constru-ção do conceito de centro de gravidade. Essa ação recursiva ajudou a ajustar os descompassos entre o conhecimento pré-existente e o novo conhecimento e entre o tempo de ensino e o tempo de aprender.

Com o desenvolvimento da sequência didática, percebeu-se um aumento significativo no interesse e na compre-ensão dos estudantes. Com isso, aos poucos, eles foram se tornando protagonistas das aulas, cabendo ao professor a possibilidade de pensar junto com eles, mas não para eles. Com isso, a própria capacidade de compreensão do pro-cesso de ensino e de aprendizagem do docente foi se ampliando no decorrer das aulas, ressignificando o seu próprio papel em sala de aula.

A evolução do conceito de centro de gravidade seguir de forma natural, amparada na interlocução entre situações de equilíbrio e desequilíbrio do conhecimento adquirido, promovendo a evolução do senso comum para o conheci-mento científico. Nessa interface de compreensão conseguiu-se acomodar e desenvolver o conceito de centro de gra-vidade, ora produzindo certezas propositais, ora gerando desconforto e desequilíbrio.

Por fim, o desenvolvimento desta sequência didática nos fez ressignificar o desafio de uma educação integral, apon-tado no início deste artigo, como uma busca constante de superação da estagnação dos processos educacionais, vi-sando garantir que os estudantes alcancem a aprendizagem desejada. A dimensão desse desafio é muito ampla e pode estar relacionada a vários fatores, mas é imprevisível acreditar na capacidade de aprendizagem dos estudantes, re-vendo as práticas educativas de forma a mostrar que essa capacidade emana deles, quando estimulados em ambiente propício e de forma adequada.

REFERÊNCIAS

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Santiago, T. F. T. (2018). Modelo de ensino para mudanças conceituais: desenvolvendo o conceito de centro de gravidade. Dissertação de mestrado. Programa de Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física. Universidade Federal de Juiz de Fora. Disponível em: https://repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/8130. Acesso em: 05 jul. 2023. [ Links ]

Symon, K. R. (1982). Mecânica. Tradução: Gilson Brand Batista. Rio de Janeiro: Campus. [ Links ]

Recebido: 05 de Abril de 2023; Aceito: 15 de Agosto de 2023

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