Introdução
A flexibilidade é um componente da aptidão física relacionada à saúde que tem importância relacionada à manutenção da independência funcional e realização das atividades da vida diária (Batista, Couto, Oliveira & Santos Silva, 2018). Diferentes métodos de alongamento, com diferentes intensidades, são comumente aplicados como atividades de aquecimento para o treinamento principal e, muitas vezes, objetivam a prevenção lesões (Lempke, Green, Murray & Stanek, 2017). No entanto, tais benefícios não foram comprovados (Carvalho, Prati, Carvalho & Dantas, 2009; Costa, Santos, Prestes, Silva & Knackfuss, 2009; Cramer et al., 2007).
Em contrapartida, a flexibilidade assume um parâmetro importante do condicionamento físico, assim como a força, a resistência muscular localizada, a capacidade aeróbica e a composição corporal (ACSM, 2014). Diante da relevância desta qualidade física, a avaliação dos níveis da amplitude de movimento (ADM) em militares foi o foco de estudo, com o intuito de oportunizar a elaboração de programas para o seu aprimoramento (Paiva et al., 2005; Silva, Coelho, Marins & Dantas, 2005).
Desta forma, para os candidatos ao oficialato da Força Aérea Brasileira (FAB) a aplicação de métodos de treinamento específicos podem auxiliar na eficiência da preparação física para as futuras atividades laborais dos pretendentes à função de piloto militar (Freitas & Fernandes Filho, 2004; Sampaio, Dantas, Fazolo & Fernandes Filho, 2003). Contudo, a ADM, em especial, colabora com a prevenção de distúrbios musculoesqueléticos, responsáveis por causar desconforto e dor (Pereira & Teixeira, 2006).
A eficiência dos diferentes métodos de alongamento é um fator que assume questionamentos quanto aos seus efeitos imediatos sobre a força, implicando em prejuízos sobre a mesma (Almeida et al., 2011; Endlich et al., 2009; Paulo et al., 2012; Ribeiro et al., 2016) ou não (Ayala, Croix, Baranda & Santoja, 2015; César, Silva & Rezende, 2018; Ferreira, Bertor, Carvalho & Bertonini, 2015) e, especialmente, sobre os efeitos crônicos, na qual estudos não apresentaram efeitos deletérios dos métodos supracitados sobre o desempenho neuromuscular (Barbosa, Dantas, Silva, Souza & Vieira, 2018; Konrad, Gad & Tilp, 2015; Minshull, Eston, Bailey, Rees & Gleeson, 2014).
Diante dos diversos contrapontos, é necessário a elucidação dos conhecimentos referentes ao comportamento da ADM após os exercícios de flexibilidade realizados em diferentes intensidades, em caráter crônico, com o intuito de elaborar programas de treinamento físico mais condizentes com a realidade e especificidade da população estudada (Sampaio et al., 2003).
Dentre os programas de desenvolvimento da flexibilidade, cita-se o alongamento submáximo que refere-se à forma de trabalho que visa à manutenção dos níveis de flexibilidade obtidos e a realização dos movimentos de amplitude normal com o mínimo de restrição física possível (Achour Júnior, 2007; Dantas & Conceição, 2017), e máximo (flexionamento) que, segundo Dantas & Conceição (2017), visa obter uma melhora da flexibilidade através da viabilização de amplitudes de arcos de movimento articular superiores aos originais.
Dois métodos comuns de alongamento na prática clínica são o alongamento estático e a Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva (FNP) (Lempke et al., 2017). Segundo Kaya (2018) é importante entender os efeitos de vários métodos de treinamento da flexibilidade e definir a forma mais apropriada para maximizar o movimento e o desempenho humano.
A FNP constitui uma técnica de alongamento máximo comumente usada nas sessões atléticas e clínicas com o objetivo de otimizar a performance motora e reabilitação através do aumento da ADM (Kawa, 2018; Kwak & Ryu, 2015). Foi constatado que esta técnica provoca maiores ganhos na ADM quando comparada a outros métodos de treinamento da flexibilidade (Lempke et al., 2017; Mitchell et al, 2007), principalmente quando comparado ao alongamento estático devido ao aumento da inibição do músculo alvo (Lempke et al., 2017).
A hipótese deste estudo foi que o método de FNP forneceria estímulo suficiente para melhorar a ADM , de forma crônica, em jovens militares.
Considerando o exposto, o presente estudo teve por objetivo comparar o comportamento da amplitude de movimento (ADM), antes e após 12 semanas de intervenção dos programas de treinamento de flexibilidade, com diferentes intensidades, que utilizavam um método submáximo (alongamento) e um método máximo (FNP) em militares do sexo masculino recrutados na Escola Preparatória de Cadetes do Ar (EPCAR).
Metodologia
Participaram do estudo, caracterizado como quase experimental, 90 pré-cadetes com faixa etária entre 15 e 20 anos. Os mesmos foram recrutados através de convite oral, após instrução com explicação detalhada sobre os procedimentos do estudo, envolvendo os 500 alunos da EPCAR.
Os critérios de exclusão estabelecidos foram: não pertencer à faixa etária indicada, ser atleta, sedentário, não concordar com os termos de compromisso assumidos com o pesquisador, não assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, usar drogas e ou medicamentos que influenciassem as variáveis estudadas.
Todos os voluntários selecionados, que preencheram os critérios de inclusão, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
O presente estudo seguiu as recomendações da Resolução 466/12, II.4, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e da Convenção de Helsinki (2013), sendo aprovado sob nº de protocolo 04/2009 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Rede Euro Americana de Motricidade Humana / RJ.
Na visita inicial foram realizadas as avaliações antropométricas, com utilização de uma balança Filizola. (Brasil) de capacidade suficiente (150kg e resolução de 100g), um estadiômetro e fita métrica da marca SANNY. (Brasil). Onde foram aplicados os protocolos da International Society for the Advancement of Kinanthropometry (Marfell-Jones, Olds, Stewart & Carter, 2006), bem como a familiarização dos participantes com os testes e exercícios de flexibilidade.
O experimento foi constituído de três grupos distintos e independentes (n = 30), que observaram dois estratos temporais, pré e pós, sendo os participantes distribuídos randomicamente para dois grupos experimentais: alongamento (GA) e facilitação neuromuscular proprioceptiva (GFNP), e um controle (GC) (figura 1).
Os testes e a intervenção experimental ocorreram nas dependências da EPCAR por um período de 12 semanas consecutivas, com volume de quatro sessões semanais no período da tarde, sempre no mesmo horário, das 15:30 às 15:50. Em todos grupos, os exercícios foram realizados em duplas, com a aplicação de três séries e intervalo de cinco segundos, como sugere o estudo de Gama, Medeiros, Dantas & Souza (2007).
A diferença na intervenção entre os grupos se deu pelas distintas intensidades aplicadas durante a realização dos exercícios. Embora tenham sido realizados os mesmos exercícios, movimentos de FHO, EHO e FCL, cada grupo respeitou seu respectivo método de treinamento.
O grupo do (método) alongamento (GA) realizou o treinamento experimental pelo método passivo até o limite natural do arco de movimento sem gerar qualquer desconforto e com o tempo de duração de permanência no movimento de cinco segundos (Dantas & Conceição, 2017). A intensidade, avaliada e controlada pela Escala de Esforço Percebido na Flexibilidade - PERFLEX (Dantas et al., 2008) atingiu a faixa do forçamento, entre os níveis 31 e 60 do PERFLEX (X = 48,7 ± 5,8), caracterizando a intensidade submáxima. Os resultados foram calculados pela média final de todas as médias diárias de intervenção.
Já o método FNP, respeitou o protocolo Scientific Stretching for Sports – 3S (Hindle, Whitcomb, Briggs & Hong, 2012). A intensidade nas fases de forçamento estático no intervalo de desconforto atingiu a faixa entre os níveis 61 e 80 da referida Escala (PERFLEX), por 8 segundos de contração isométrica cada, assinalando a intensidade máxima.
O GC permaneceu no local de intervenção, sem realizar qualquer tipo de esforço.
A ADM foi verificada mediante o teste de goniometria, com base no Protocolo LABIFIE (Dantas et al.,1997), nos movimentos de flexão e extensão horizontal de ombro (FHO / EHO) e flexão da coluna lombar (FCL). A mensuração foi realizada por meio de um goniômetro de aço, com amplitude de 360º, da marca “Lafayette Goniometer Set”, EUA e respeitou as seguintes descrições:
Na FHO o indivíduo ficou em posição sentada com as pernas estendidas, mantendo uma postura reta, com a cabeça voltada para frente e ombros simétricos. O braço direito manteve-se abduzido em um ângulo de 90º com o tronco, o cotovelo estendido com a palma da mão voltada para baixo. Logo após, o goniômetro foi posicionado com o seu eixo central sobre o ponto acromial. Uma das hastes manteve-se fixa nas costas do aluno no sentido transversal, ao longo de uma linha traçada entre os pontos acromiais direito e esquerdo e a outra sustentada na face externa do braço, sobre a linha traçada entre os pontos acromial e radial. Após a adoção desse posicionamento, o avaliado executou a FHO com exigência máxima, como ilustra a figura 2.
A mensuração da EHO obedeceu à mesma posição anterior, para que, em seguida, o indivíduo executasse o movimento (Figura 3).
A FCL foi realizada com o aluno sentado mantendo as pernas estendidas em um ângulo de 90º com o tronco e braços soltos ao lado desse. O eixo central do goniômetro foi posicionado sobre o ponto trocantérico, com uma das hastes fixada na lateral do tronco, sobre o prolongamento da linha axilar, e a outra ao longo da parte lateral da coxa. Em seguida, executou-se o movimento, como aponta a figura 4.
Para a análise dos dados, utilizou-se o programa estatístico SPSS versão 21.0 (IBM, I.C.). Foram empregados os métodos da Estatística Descritiva que possibilitaram caracterizar o universo amostral, sob os seus aspectos de distribuição de frequência, com o tratamento dos dados discretos a seguir: média, desvio-padrão e nível de confiança. Em um segundo momento, foi realizada a Análise de Variância (ANOVA one-way) combinada ao teste Post Hoc de Tukey, para identificação das possíveis diferenças entre os ganhos médios percentuais, caracterizando a comparação intergrupos. Foi considerado um nível de significância p < 0,05.
Resultados e Discussão
Após a realização do pré e do pós-teste houve o tratamento estatístico dos dados, o qual apontou os resultados referentes às alterações advindas do período de 12 semanas de treinamento.
A tabela 1 apresenta as características antropométricas da amostra.
Os resultados denotam que não existem diferenças significativas (p<0,05) entre os valores médios, para as variáveis: estatura, massa corporal e gordura relativa, o que permite afirmar que não há diferenciação antropométrica entre os participantes.
Os resultados comparativos dos movimentos de FHO, EHO e FCL entre o grupo controle (GC) e os grupos que realizaram a intervenção (GA e GFNP) são apresentados nas tabelas a seguir.
A tabela 2 aponta o resultado referente ao movimento de FHO.
Como o cálculo refere-se a razão entre o pós e o pré-teste, índice de razão, os resultados apontam que os ganhos observados pelo grupo que realizou a FNP foram significativamente superiores (5,4%) (p= 0,001) aos ganhos observados pelo grupo que realizou alongamento (1,2%) que, por sua vez, apresentaram-se superiores aos do grupo controle (0,8%).
A tabela 3 aponta o resultado referente ao movimento de EHO.
Mediante a razão, os resultados apontam que os ganhos notados pelo grupo que realizou a FNP foram significativamente superiores (21,1%) (p=0,002) aos ganhos observados pelo grupo que realizou alongamento (12,8%) que, dessa vez, não apresentaram significância superior aos ganhos do grupo controle (12,5%).
Os resultados da ADM da FCL são apresentados na tabela 4.
A razão definiu os resultados, os quais apontam que os ganhos observados pelo grupo que realizou a FNP foram significativamente superiores (57,1%) (p=0,001) aos ganhos observados pelo grupo que realizou alongamento (16,7%) que, por sua vez, apresentaram-se superiores aos do grupo controle (1,0%).
Assim como no presente estudo, os ganhos de ADM foram identificados por pesquisas que aplicaram a intervenção crônica da flexibilidade, seja pelo emprego do método estático (Ferreira, Salmela & Guimarães, 2007. Gonçalves, Pavão & Dohnert, 2013; Mahieu et al., 2007; Minshull et al., 2014; Yildirim, Ozyurek, Tosun, Uzer & Gelecek, 2016), seja pela FNP (Gama et al., 2007; Kwak & Ryu, 2015; Konrad, Gad, & Tilp, 2015, Rees, Murphy, Watsford, Mac Lachlan & Coutts, 2007).
Quanto à intervenção envolvendo o método estático, Gonçalves, Pavão & Dohnert (2013) verificaram que um programa de 12 sessões de alongamento estático máximo para membros inferiores aumentou significativamente a ADM (p = 0,03) em jovens atletas de futebol corroborando com os resultados do presente estudo, no qual houve aumento significativo na ADM para o movimento de FCL. No entanto, apesar da semelhança nos resultados para a FCL e a amostra constituída por jovens treinados, o nosso estudo avaliou, ainda, a flexibilidade dos movimentos de FHO e EHO numa amostra de não atletas, apresentando uma maior abrangência na mensuração da flexibilidade e nos resultados da influência do alongamento estático sobre a ADM após um período de treinamento de 12 semanas com quatro sessões semanais.
Em contrapartida, embora estudos tenham mostrado que os exercícios de alongamento aumentam a ADM, Barbosa et al. (2018) demonstram que, independente do uso de técnicas estáticas ou dinâmicas, uma ou 10 sessões de alongamento estático não altera a ADM e o desempenho neuromuscular e funcional de indivíduos saudáveis. Contudo, vale ressaltar que o estudo supracitado, utilizou apenas 10 sessões de intervenção, ao contrário do presente estudo que realizou 48 sessões, podendo atribuir a melhoria na ADM verificada na nossa pesquisa ao maior período de intervenção.
Com relação a técnica de FNP, outro estudo envolvendo jovens atletas da modalidade de futebol concluiu que 8 semanas de intervenção com a FNP (contract-relax) não assistida, melhorou a ADM das articulações de membros inferiores e a velocidade de chute nos futebolistas (Akbulut & Agopyan, 2015). Já Konrad, Gad e Tilp (2015) verificaram que a aplicação do método de FNP durante 6 semanas aumentou a ADM (p = 0,02) e diminuiu a rigidez musculotendínea no músculo gastrocnêmio e tendão de Aquiles em 49 cadetes da polícia do sexo masculino. Os resultados dos estudos supracitados assemelham-se aos do presente estudo quanto a melhoria da ADM após considerável período de intervenção com a aplicação da FNP, admitindo a eficácia dessa técnica no aumento da ADM articular (Kwak & Ryu, 2015).
Ao observarmos os resultados do nosso estudo, podemos afirmar que os efeitos crônicos da FNP sobre a ADM em pré-cadetes são maiores em relação aos efeitos do alongamento, corroborando com os resultados das pesquisas de (Felappi & Lima, 2015, Mitchell et al., 2007; Yildirim et al., 2016), as quais concluíram que a FNP causou maiores ganhos na ADM, quando comparada aos outros métodos de treinamento da flexibilidade.
Em contrapartida, uma recente revisão sistemática (Wanderley et al, 2018) avaliou a eficácia do método FNP em comparação com outras modalidades de alongamento no ganho de amplitude de movimento em adultos jovens saudáveis, a partir da análise de ensaios clínicos randomizados e quase-randomizados, e verificaram que não houveram efeitos diferentes na ADM ao comparar técnicas de PNF com outras modalidades de alongamento, com base em evidências de baixa ou muito baixa qualidade. Assim, apesar da similaridade da amostra incluída na revisão supracitada com a do presente estudo, devido à evidência de baixa qualidade, esses achados devem ser tratados com cuidado, porque sua aplicabilidade pode ser comprometida.
Os diferentes efeitos da FNP versus alongamento passivo no desempenho neuromuscular e sensório-motor foram avaliados em 18 homens submetidos a 8 semanas de treinamento da flexibilidade (três vezes por semana) para a musculatura dos membros inferiores (região do quadril / musculatura flexora do joelho; membro dominante) (Minshull et al., 2014). Os mesmos autores puderam verificar que ambos os métodos demonstraram eficácia na melhoria da ADM de forma similar (19,3% vs. início), sendo que a FNP apresentou menor prejuízo na performance neuromuscular. No entanto, podemos observar que na nossa pesquisa o método de FNP promoveu ganhos significativamente superiores na ADM nas três condições, FHO, EHO e FCL, em relação ao alongamento, demonstrando a eficácia do FNP.
Apesar das diferenças metodológicas relacionadas, principalmente ao tipo de movimento articular, ao número de participantes, ao volume e aos métodos de treinamento empregados, todas as pesquisas assumem que o efeito crônico do treinamento da flexibilidade em alta intensidade, principalmente quando é utilizada a técnica de FNP, produz o aumento significativo da ADM.
O presente estudo confirma as conclusões dos demais estudos, com a comprovação de ganhos significativos de ADM para todos os movimentos estudados.