Nosso objetivo aqui é desdobrar algumas classificações a nosso ver necessárias para discernir abordagens teóricas sobre religião e consumo, e definir o que chamamos de “bens com marcação religiosa”. Trabalhamos com a perspectiva de lançar uma nova luz sobre as relações entre religião e mercado. A teoria nas Ciências Sociais tem se dividido em algumas tendências para pensar essas relações, que chamaríamos de “capitalismo enquanto religião”, “religião enquanto capitalismo”, “religião enquanto segmento” e “religião enquanto cultura material”. Passaremos a explorar cada uma delas. Sigo de forma livre uma síntese já realizada (Moreira, 2012), especialmente no que tange às duas primeiras abordagens, embora não esteja utilizando suas categorias literalmente da forma como foram expostas no original [1].
A primeira tendência supõe que o capitalismo tomou o lugar da religião ou a emula, ao operar por um princípio que alimenta a esperança dos excluídos ao tornar os objetos comparáveis em seus valores-de-troca, e uma fonte de sublimação no que tange ao seu valor-de-uso. Esse princípio, o fetiche da mercadoria, oculta sistematicamente a rede de pessoas que foram necessárias para produzir aquela mercadoria, assim como as condições desiguais e violentas da sua produção. Contudo, ela surge apenas como fruição e prazer íntimo a quem consome, obliterando o trabalho social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente e incompleta, através do dinheiro. Assim, o capitalismo teria se tornado um culto constante e culpabilizador, porque ele instilaria nos indivíduos à insatisfação por não serem suficientemente produtivos e consumidores. A fonte dessa discussão é eminentemente marxista, relacionada aos manuscritos econômico-filosóficos (Marx, 2004) e ao texto O capitalismo como religião (Benjamin, 2013).
A segunda tendência, a qual chamarei “religião enquanto mercado”, analisa as homologias encontráveis entre os campos econômico e religioso. Em especial, parte-se do princípio de que o próprio campo religioso configura-se como uma espécie de campo econômico, no qual empresas (organizações religiosas) oferecem bens de salvação e/ou serviços mágicos no mercado. Os leigos, distanciados dos meios de produção das simbologias religiosas, são convocados a aderir aos bens, respondendo a isso de forma adequada ao habitus incorporado (Bourdieu, 1987, p. 14) ou escolhendo de forma racional, calculando os custos e recompensas da sua adesão religiosa ou aos serviços mágicos (Frigerio, 1999; Stark; Bainbridge, 2008). Outras linhas, de inspiração mais weberianas, unem-se aos anteriores no entendimento do campo religioso como mercado, seja de fato ou enquanto uma metáfora para a reflexão (Pace, 2006; Rodseth; Olsen, 2000; Stolz, 2006).
A terceira das abordagens que mencionaremos aqui vem se desenvolvendo nos últimos anos. Ela dá a entender que o campo das religiões faz criar novos segmentos e valores no mercado, ressignificando-o. Por vezes, religiões tomam parte do que poderíamos chamar de indigenização do mercado global (Karatas; Sandıkcı, 2013; Mehta, 2010). Assim, temos novas tendências afirmando-se no mercado editorial (Semán, 2006), a influência da religião em segmentos de mercado e da mídia (Algranti, 2013; Fonseca, 2003; Mariano, 2003; Rosas, 2013; Semán; Gallo, 2008; Silveira, 2014) ou na criação de simbologias na cultura pop midiatizada (Possamaï, 2002).
A quarta tendência, “religião enquanto mediação”, supõe que os objetos, na vida cotidiana, por serem coisas dadas como certas, moldam nossa sensação de realidade e de identidade: “grande parte do que nos torna o que somos existe não por meio da nossa consciência ou do nosso corpo, mas como um ambiente exterior que nos habitua e incita” (Miller, 2013). Sendo assim, as identidades religiosas surgem dentro de um diálogo com um conjunto de externalidades oferecido por uma cultura material (Adogame, 2009; Bellotti, 2010; Boivin, 2009; Goh, 2008; Guthrie, 2007; Jones, 2010; Kendall; Tâm; Hu'o'ng, 2010; Meyer, 1998; Tan, 2002). O diálogo é direto entre essa bibliografia e outra, que postula que a religião, por si mesma, é mediação. As mídias alteram a sensibilidade e a experiência religiosas. A introdução de novas tecnologias da imagem, do som e da transmissão de informações aceleram a produção de imaginários religiosos (Campbell; La Pastina, 2010; Hoover, 2011; Meyer, 2005; 2006; 2008; 2011; Van De Port, 2006).
A presente pesquisa visa dar uma contribuição em diálogo com a literatura das duas últimas abordagens mencionadas. Por um lado, interessa-nos como convicções religiosas criam e transformam segmentos nos mercados editorial, fonográfico e de mídia. Além disso, mantém-se a produção dos chamados bens de marcação religiosa para fins devocionais, especialmente nas expressões que tem uma relação intrínseca com imagética (catolicismo, umbanda). Por outro, a relação dos consumidores com imagens, livros, roupas e música acaba por fazê-los segmentar seus gostos, apresentando preferências por alguns músicos, autores ou estilos de roupa em detrimento de outros. Esses gostos são bastante influenciados pela partilha de informações nas instituições religiosas, mas não se resumem a elas, dado o acesso da população à informação por outras mídias, religiosas ou seculares.
A identidade do sujeito enquanto católico, evangélico ou espírita (kardecista ou umbandista) passa pela interação desse sujeito com as mídias e com os objetos. Atualmente, a chamada experiência religiosa depende, em grande medida, dessa relação do sujeito com imaginários religiosos sustentado, em sua dimensão material, por ter lido certos livros, ouvido certas músicas e vestir certas roupas. As instituições religiosas pretendem mediatizar a relação dos consumidores com esse universo, fazendo com que eles introjetem um gosto pelos livros certos, pelas músicas certas e pelo vestir-se adequadamente. Essa pretensão nunca se torna absoluta no conjunto dos fieis, mas ela é eficaz na medida em que orienta o consumo para determinados segmentos (música gospel, moda evangélica, livro espírita, para ficar com os mais contemporâneos).
Comumente se verifica uma visão idealista na relação entre religião e consumo que segue aquilo que Zelizer (2005) chamava de “visão dos mundos hostis”. A religião deveria estar sempre na dimensão de gemeinschaft, de comunidade de sentido e de valor, assim como a família. Já o domínio das relações societárias econômicas (gesellschaft) é regulado pelos fins, pelos contratos individuais e pelo dinheiro. A mistura dessas duas dimensões, nesse ideal, deve ser evitada. São numerosas as narrativas, tanto nas novelas quanto na literatura, do que acontece quando afetos e dinheiro não encontram fronteiras entre si. Acontece que em todas as religiões apresenta-se uma dimensão econômica que implica não só na riqueza material circula por dentro das instituições religiosas, mas também na educação do sujeito sobre o que ele fazer com o seu próprio dinheiro segundo preceitos da religião. Não é raro que se ataquem publicamente líderes religiosos por usarem suas crenças com o propósito de ganhar dinheiro, ou que estimulem o consumo desenfreado, ou ainda que vendam serviços religiosos. Todas essas acusações jogam nessa lógica dos “mundos separados”, e o que estiver entre eles é visto como incorreto e, no limite, impuro (Douglas, 1990).
O objetivo aqui é dispor dos marcos teóricos necessários para a compreensão do mercado de bens de marcação religiosa. Eles já foram adiantados de forma geral anteriormente, mas dispensaremos a discussão da bibliografia relacionada à concepção do “capitalismo como religião”. Por ter analisado os dilemas dos processos de objetificação no capitalismo, a teoria da alienação marxista permanece como uma referência para a reflexão que segue.
A religião enquanto mercado
Economia simbólica das religiões - Pierre Bourdieu
Considerando aspectos estruturais e sincrônicos do assunto a ser analisado, cabe assinalar a contribuição da obra de Pierre Bourdieu para a presente discussão. A relevância se deve ao fato de que o sociólogo francês permitiu, através de conceitos como habitus e campo social, pensar os dois níveis empíricos da pesquisa (mercado e religião) em termos de suas homologias e regimes particulares de economia simbólica.
Religiões, no decorrer de suas histórias particulares, procuram oferecer bens de salvação religiosos que circulam desde os produtores profissionais do campo religioso (sacerdotes, profetas e magos, na leitura weberiana) e os “consumidores” (os leigos). Contudo, a economia dos símbolos religiosos não se configura como uma “economia econômica”. Isso ocorre porque, ao contrário do mercado, no qual detentores dos meios de produção competem uns com os outros tendo como finalidade explícita o lucro, no campo religioso a explicitação da motivação em níveis interesseiros esvazia o “sublime” da mensagem de salvação. A preservação da lógica da dádiva, expressa de tantas formas nas religiões organizadas e mesmo na linguagem corriqueira, visa a acumulação de capital religioso por meio da explicitação contínua da renúncia ao interesse mesquinho e mundano (“dá e receberás”, “foi Deus quem me deu”, “assim como me foi dado de graça, dou de graça”, etc). Aliás, a ambivalência da palavra “graça” na língua portuguesa aparece a nós como um sintoma. O capital econômico só existe porque nada deveria ser de graça, o capital religioso sacerdotal e profético só existe na medida em que seja reconhecida a graça dispensada de graça (ou seja, gratuitamente), dos seres superiores aos viventes, por meio de instituições religiosas.
Não por acaso, assuntos relacionados à administração das finanças cultos são recobertos com bastante reserva pelos produtores e burocratas religiosos diante dos não-especialistas. Também por isso, existe a exigência social, coberta não raras vezes por graus variáveis de hipocrisia, de que os agentes religiosos hegemônicos exibam o comportamento de filantropos, e que instituições religiosas não tenham “fins lucrativos”. Aqueles que se recusam a exibir esses sinais claramente caem no risco de terem o crédito de sua mensagem esvaziada pelos concorrentes no campo religioso, sendo acusados de exercerem o papel de aproveitadores ou abusadores da fé alheia, quando não considerados perigosos por cobrarem por serviços mágicos com a finalidade de obrigar deuses e/ou espíritos a trabalhar pelos viventes.
Os bens com marcação religiosa encontram-se na franja de dois campos e suas lógicas de atribuição de valor. Se elas trazem, por um lado, a explicitação das verdades religiosas dadas de graça; por outro, elas inserem-se na economia propriamente econômica, na qual as coisas nunca podem ser totalmente de graça. Se as coisas com marcação religiosa fossem dadas como a graça é dada, as instituições religiosas perderiam uma fonte segura de recursos para sua manutenção, e as lojas de artigos religiosos não existiriam enquanto estabelecimentos comerciais. Se as instituições religiosas não pudessem produzir e comercializar bens com marcação religiosa, reservando-se ao do ut des da doação voluntária, certamente cobrariam pelo serviço do culto e do sacramento, e aí perderiam capital religioso. Para exemplificar isso, basta lembrar que a cobrança pelo sacramento do perdão dos pecados pela Igreja Católica foi um dos estopins da Reforma Protestante.
Se a relação devocional e de consagração marca o lugar dos objetos religiosos na pré-modernidade, os objetos de consumo com marcação religiosa apontam uma modernidade religiosa. Isso decorre de seu lugar entre campos sociais: ao mesmo tempo eles evocam a pertença identitária religiosa e submetem-se ao jogo do mercado. Diferentemente do comércio das relíquias na Idade Média, tais objetos não levantam os temas da autenticidade e dos poderes intrínsecos relacionados a eles. Massificados pelos meios técnicos de produção, os bens de consumo com marcação religiosa participam significativamente da definição identitária dos sujeitos. Objetos devocionais, livros, CDs, DVDs e vídeos em streaming emaranham um repertório cultural comunicado pelas instituições religiosas e espalhado pela generalização do religioso, que consiste numa redefinição do que são religiões e dos lugares em que seus símbolos, mensagens e coisas podem ser encontrados.
As religiões enquanto mercado concorrencial - Teoria da escolha racional
Desde meados da década de 1970 produz-se no campo da sociologia das religiões um encontro de influências bastante heteróclito. Por um lado, estabeleceu-se um diálogo entre as considerações de Adam Smith sobre as religiões, o utilitarismo da filosofia inglesa e a sociologia compreensiva das comunidades religiosas em Max Weber; por outro, enfeixou-se uma série de métodos quantitativos para sustentar, de um ponto de vista pragmático e positivista, um entendimento sobre os motivos que levam massas de sujeitos a manterem-se ou saírem das religiões. Lawrence Iannaccone, um dos defensores mais incisivos da aplicação da teoria da escolha racional no campo de estudo das religiões, lançou elementos-chave para o entendimento desta abordagem (Iannacone, 1998). Primeiramente, há uma ontologia do sujeito que escolhe, maximizando sua margem de ganhos de acordo com as suas “necessidades percebidas”. O reconhecimento de que essas necessidade são “percebidas” não impede que os teóricos desta linha avancem para uma “teoria das necessidades religiosas”. Esse é o caminho inicial de Uma teoria da religião, de Stark e Bainbridge (2008), que lembra por diversas vezes o funcionalismo britânico em Antropologia dos anos 1930 e 1940, especialmente quando definem os conceitos de recompensa, compensação, instituição, cultura e sociedade.
Recompensas e, especialmente, compensações, ao fim e ao cabo, seriam os gêneros que as religiões podem oferecer. Se imaginarmos que as igrejas provêm benefícios assim como os clubes o fazem (Iannaccone, 1998: 1482), veremos que elas atuam como fornecedoras: promovem integração por uma comunidade de sentido e sentimento, partilham redes e distribuem status sociais. Obviamente, é possível pensar nos bens com marcação religiosa neste plano: eles infundem recompensas porque promovem integração grupal, ou num sentido mais durkheimiano, um senso lógico e uma estrutura de sentimento comum para os participantes de tal ou qual instituição.
Na modernidade, o fim dos monopólios religiosos faz com que tais questões fossem reposicionadas, mas ao invés de perderem força, as religiões intensificam a participação. Em termos gerais, seguindo a interpretação geral sugerida por Mariano (2002), pode-se dizer que uma das principais contribuições dessa abordagem para o campo de estudos da religião reside na análise da oferta religiosa, mais do que na análise da procura (embora, como tenhamos visto, existe uma tentativa de estabelecer uma teoria psicossocial e funcional das necessidades dos sujeitos).
A religião enquanto segmento econômico
Uma das faces do pluralismo religioso é a diversificação das “mercadorias religiosas” como segmento econômico. Um dos primeiros exercícios de reflexão sobre o assunto produzido no contexto desta pesquisa desenvolvia as possibilidades de objetificação nas religiões (Alves, 2015). Trazemos essa reflexão novamente aqui, pois ela é fundamental para o desenvolvimento da interpretação dos dados.
Uma ideia daquele capítulo poderia ser reposta de outra forma: onde lemos objetos, na realidade estamos identificando formas de objetificação. Isso faz com que mídias possam se tornar, também, parte da mediação (ver Meyer, 2006), assim como objetos devocionais (incensos relacionados a uma entidade afro, por exemplo) podem ser reinterpretados em chaves new age, e assim por diante. Contudo, as reinterpretações não são livremente dadas. Especialmente no que tange aos objetos de consagração, eles são vedados de serem interpretados em outra possibilidade, sob a pena do cometimento da blasfêmia. Aqui se revela a dimensão do poder das religiões e o esforço do trabalho religioso em cercar tais objetos com reverência sacramental, a fim de evitar que eles se percam ou se invertam no fluxo das reinterpretações.
Os bens que encontramos à disposição em lojas de artigos religiosos, tradicionalmente, são objetificados pelos consumidores como bens com marcação religiosa (mídias impressas, sonoras e visuais que passam pelos processos industriais de criação e edição), bens devocionais e bens de marcação religiosa difusa. Por força da vinculação a algum segmento religioso, os bens com marcação religiosa formam segmentos definidos de mercado na economia. No campo a que nos dedicamos, os objetos devocionais do catolicismo, da umbanda e a literatura espírita compõem segmentos definidos, assim como a música católica tradicional. Nos últimos quarenta anos, entretanto, surgiram segmentos de mercado que se consolidaram em torno ao crescimento dos evangélicos (música gospel, moda evangélica). Compreender o fenômeno do consumo relacionado aos bens com marcações religiosas exige relacioná-lo com o desenvolvimento do cenário religioso brasileiro.
A religião enquanto mediação
Uma literatura contemporânea sobre religião, cultura material e mídia expande-se em termos quantitativos nos últimos anos. Essa literatura procura lançar luz sobre temas qualitativos da vivência das religiões. As questões chave dessa abordagem poderiam ser sumarizadas da seguinte forma: na experiência de sujeitos sociais, toma-se contato com as religiões através de um universo de cultura material. Assim como arqueólogos imaginam como eram as religiões diante dos artefatos de civilizações antigas, podemos, através das relações dos sujeitos frente a esses materiais que as religiões não cessam de (re)produzir, compreender as formas através das quais essas coisas proporcionam uma ambiência aos que as acessam. Portanto, a discussão sobre religião e mídia é reposta, na medida em que se assume que toda religião é mediação esforçando-se por i-mediatizar (ver immediacy; Meyer, 2011) transcendências através de técnicas corporais frente a um mundo de coisas materiais com marcação religiosa.
O aprofundamento teórico nessa abordagem exigiria assumir certos pressupostos teórico-filosóficos. O primeiro deles seria de que existe uma dimensão pré-objetiva (Merleau-Ponty, 2014), no nível sensorial corporal, onde reside isso a que chamamos “experiência religiosa” (Csordas, 2004). O segundo seria a necessidade de uma perspectiva multi ou transdisciplinar para dar conta das múltiplas faces da experiência, “incluindo religião comparada, antropologia, sociologia, estudos islâmicos e teologia (em particular, estudos bíblicos, estudos ecumênicos, história da igreja e filosofia da religião)” (Meyer, 2012: 10; tradução do inglês realizada pelo autor), podendo-se estender o debate também à psicologia e à filosofia em geral. A terceira seria assumir o que Alfred Gell denominou “agência não-intencional das coisas” (Gell, 1998). A reconfiguração da relação dos evangélicos com as mídias, em ação desde a década de 1950, caracteriza o dinamismo das religiões em estender as redes, ampliando as formas de contato.
Em outras palavras, uma das razões pelas quais a religião continua sendo uma força vital e apelativa está exatamente em sua propensão a transformar-se incorporando novas mídias, abordando e vinculando as pessoas de novas maneiras (Meyer, 2009: 2, tradução do inglês para o português realizada pelo autor).
Contudo, essas transformações não poderiam ser intermináveis, pois aí se impõe o problema dos limites identitários das religiões. O que chamamos acima de generalização do religioso surge justamente nessa tensão entre a necessidade de comunicar a religião de novas formas e, ao mesmo tempo, marcar a diferença. Ou, na semântica dos estudos de globalização, desterritorializar e reterritorializar. No léxico da teoria do ator-rede de Latour (1994), em nossa maneira de entender, esses seriam os equivalentes dos processos de mediação e purificação dos híbridos. Interpretada por Strathern, os processos de purificação em Latour correspondem aos processos de limitação das redes, dada pela noção de posse e de pertencimento: “Assim, onde a tecnologia pode aumentar as redes, estabelecimento de uma condição de proprietário garante que elas sejam cortadas no tamanho certo” (Strathern, 2014: 319).
Considerações finais
Ao longo deste texto, procuramos discernir abordagens na temática sobre religião e consumo, ao mesmo tempo em que procuramos definir a isso que chamamos “bens com marcação religiosa”. Algumas questões ficam para seguir pensando, e entre elas há três que merecem especial atenção. Uma delas diz respeito à diferença e as relações entre mediação e midiatização, e outra, na definição mais precisa em termos teóricos do que seria essa generalização do religioso. A essas duas, aprofundaremos noutro momento. Já a terceira questão, da qual falaremos um pouco mais, diz respeito à classificação das possibilidades de objetificação nas religiões. Por certo, os limites possibilidades (“objetos devocionais”, “bens com marcação religiosa”, “objetos de consagração” e “bens de marcação religiosa difusa”) não são rígidos, porque os processos de objetificação dependem dos regimes de circulação dos bens dentro de circuitos ou redes. Além disso, existe sempre a possibilidade de que os atores sociais ressignifiquem esses bens. Lidar teoricamente com tais questões certamente permitirá uma mirada mais ampla para as implicações entre religião e consumo na contemporaneidade.