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Revista de enseñanza de la física

versão impressa ISSN 0326-7091versão On-line ISSN 2250-6101

Rev. enseñ. fís. vol.33 no.3 Cordoba dez. 2021

 

ENSAYOS Y TEMAS ESPECIALES

Definido de corrente elétrica como movimento ordenado de cargas elétricas: análise pragmático-cognitiva

Definition of electric current as ordered movement of electric charges: pragmatic-cognitive analysis

 

Lizandra Botton Marión Morini1*

Fábio José Rauen2

 

1 instituto Federal de Santa Catarina, Campus de Tubarao, Rua Deputado Olices Pedro de Caldas, 480, Bairro Dehon, CEP 88704-296, Tubarao, Santa Catarina. Brasil.

2Programa de Pós-graduagao em Ciencias da Linguagem, Universidade do Sul de Santa Catarina, Av. José Acácio Mo-reira, 787, Bairro Dehon, CEP 88704-900, Tubarao, Santa Catarina. Brasil

*E-mail: lizbotton@gmail.com

Recibido el 2 de diciembre de 2020 | Aceptado el 9 de diciembre 2021

 

Resumo

Neste ensaio, aplicando a arquitetura descritivo-explanatória da teoria da relevancia de Sperber e Wilson (1986, 1995), analisamos a pertinencia da definigao de corrente elétrica enquanto "movimento ordenado de cargas elétricas" apresentada no livro Física: Ciencia e Tecnologia de Torres, Ferraro, Soares e Penteado (2016). Argumentamos que o definiens da definigao, restringindo a compreensao do fenómeno ao seu efeito, sugere uma interpretagao de corrente elétrica como fluxo de fluidos. Essa definigao é contraditória com o conceito de corrente elétrica como fenómeno emergente do movimento ordenado de deriva dos portadores de cargas elétricas internas livres causado por um campo elétrico gerado pela distribuigao de cargas elétricas superficiais em um circuito fechado submetido a uma fonte de forga eletromotriz.

Palavras-chave: Pragmática cognitiva; Teoria da relevancia; Ensino de física; Ensino de eletricidade; Definigao de corrente elétrica.

 

Abstract

In this essay, applying Sperber and Wilson's (1986, 1995) relevance theory descriptive-explanatory architecture, we analyze the perti-nence of the definition of electric current as an "ordered movement of electric charges" presented in Torres, Ferraro, Soares e Penteado (2016) textbook Física: Ciencia e Tecnologia (Physics: Science and Technology). We claim the definiens of the definition, restricting the understanding of the phenomenon to its effect, suggests an interpretation of electric current as fluid flow. This definition is contradic-tory to the concept of electric current as an emerging phenomenon of the ordered drift movement of the carriers of free internal electric charges caused by an electric field generated by the distribution of superficial electric charges in a closed circuit submitted to an electromotive force source.

Keywords: Cognitive pragmatics; Relevance theory; Physics teaching; Electricity teaching; Definition of electric current.

 

I. INTRODUJO

A compreensao adequada de conceitos em eletricidade é essencial para os estudantes descreverem e explicarem fenómenos eletrodinamicos entre os quais o conceito de corrente elétrica e o comportamento de circuitos elétricos. Conforme a Base Nacional Comum Curricular brasileira (Brasil, 2018), no dominio da unidade temática matéria e

energía1 da área ciéncias da natureza, fenómenos, conceitos e definigoes que envolvem eletricidade emergem em diferentes etapas do Ensino Fundamental1 2 - cabendo ao 8° ano trabalhar especificamente o conceito de corrente elétrica3 - e devem ser conceitualmente aprofundados e aplicados em diferentes situagoes no Ensino Médio4.

Para atingir as demandas previstas pela Base Nacional Comum Curricular, é imprescindível lidar com definigoes apro-priadas. Neste estudo, considerando a relevancia do livro didático como instrumento de ensino no Brasil e a capilari-dade como a obra Física: Ciéncia e Tecnología é distribuida nas escolas brasileiras, estamos particularmente interessados em analisar a pertinencia da definigao de corrente elétrica enquanto "movimento ordenado de cargas elétricas" de Torres, Ferraro, Soares e Penteado (2016, p. 46), a partir da arquitetura descritivo-explanatória da teoria da relevancia de Sperber e Wilson (1986, 1995). Nosso argumento é o de que itens e sequencias lexicais da definigao apresentam reminiscencias da nogao de corrente elétrica como fluxo de fluidos. Essa nogao é contraditória com conceitos mais modernos de corrente elétrica como fenómeno emergente do movimento ordenado de portadores de cargas elétricas internas livres, que é causado por um campo elétrico gerado, segundo Hartel (2012, p. 1019), pela distribuigao de cargas elétricas superficiais em dado circuito fechado submetido a uma fonte de forga eletromotriz provedora de uma diferenga de potencial.

Para dar conta da tarefa, discutiremos o próprio conceito de definigao na próxima segao, faremos um breve relato sobre a evolugao histórica do conceito de corrente elétrica na terceira segao, analisaremos a definigao de Torres et al. (2016) na quarta segao e discutiremos aspectos decorrentes da análise para o ensino de eletricidade na última segao.

II. DEFINIGAO: PROPRIEDADES E ESTRUTURA LINGÜÍSTICA

Conforme Rauen (2015, p. 56), entende-se por definigao uma "proposigao que visa explicar com exatidao a extensao e a compreensao de um conceito". Com o termo 'proposigao', o autor destaca que a expressao de uma definigao consiste em uma declaragao logicamente bem-formada, prevalentemente afirmativa, para a qual é possível atribuir valor de verdade. Trata-se, portanto, de uma declaragao verdadeira sobre determinado conceito.

Com o termo 'conceito', Rauen (2015, p. 76) destaca que os objetos a serem explicados devem ser concebidos como representagoes mentais de "características ou atributos permanentes, imutáveis e comuns de objetos ou seres de mesma espécie"; ou, conforme Lakatos e Marconi (2003, p. 225), como "termos simbólicos que sintetizam as coisas e os fenómenos perceptíveis na natureza, no mundo psíquico do homem ou na sociedade, de forma direta ou indireta".

Uma definigao precisa lidar com duas propriedades essenciais daquilo que se define: a extensao e a compreensao. Segundo Rauen (2015, p. 76), "a compreensao é o conjunto de propriedades atribuidas ao conceito, e a extensao é o número de individuos abrangidos por estas características". Essas duas propriedades sao inversamente proporcionais. Uma definigao que atribui mais propriedades a um determinado conceito faz com que esse conceito abrigue menos individuos, e uma definigao que atribui menos propriedades a um determinado conceito faz com que esse conceito abrigue mais individuos, ou seja, conceitos mais compreensivos sao menos extensos e vice-versa.

Desse modo, uma definigao precisa explicar com exatidao a extensao e a compreensao de um conceito. Conforme Lakatos e Marconi (2003, p. 46), "explicar é apresentar o sentido de um tema, é analisar e compreender, procurando suprimir o ambiguo ou o obscuro" a fim de esclarece-lo, simplificá-lo ou descomplicá-lo. Para Gerhardt e Silveira (2009, p. 26), definigao "é a manifestagao e a apreensao dos elementos contidos no conceito, tratando de decidir em torno do que se dúvida ou do que é ambivalente". Assim, de modo justo e preciso, uma definigao deve expressar a essencia do que se define, de modo a "ser aplicada a tudo aquilo a que se refere o termo e a nada mais" (Rauen, 2015, p. 58).

Do ponto de vista da linguagem, usamos prevalentemente em definigoes sentengas copulativas do tipo x é y, de tal modo que, segundo Rauen (2015, p. 57), x corresponde ao termo a ser definido ou definiendum, y corresponde a um conjunto de palavras com as quais se define esse termo ou definiens, e o verbo de cópula expressa uma

equivalencia, de tal sorte que o definiendum é equivalente ao definiens: x = y5 6.

No livro Física: Ciéncia e Tecnologia, Torres et al. (2016, p. 46) definem corrente elétrica como "movimento ordenado de cargas elétricas". Textualmente: "Corrente elétrica é o movimento ordenado de cargas elétricas".

Nessa formulafao lingüística, a sequencia lexical 'corrente elétrica' corresponde ao conceito/termo a ser definido ou definiendum, o item lexical 'é' corresponde ao verbo de cópula ou de ligafao, e 'movimento ordenado de cargas elétricas' corresponde a expressao definidora ou definiens.

TABELA I. Estrutura lingüística da definifao de corrente elétrica de Torres et al. (2016, p. 46).

Definifao

Definiendum

Cópula Definiens

Forma Linguística

Corrente elétrica

é    o movimento ordenado de cargas elétricas

Além disso, seguindo Rauen (2015, p. 57), estamos lidando com uma definifao descritiva, denotativa, referencial ou ostensiva, uma vez que a definifao de corrente elétrica como "movimento ordenado de cargas elétricas" de Torres et al. (2016, p. 46) diz respeito ou remete a um ser, coisa, fato ou fenómeno representado pelos signos7; e, sobretudo, com uma definifao categórica, uma vez que ela "visa estabelecer limites excludentes para enquadrar a extensao e a compreensao de um ser definido, de modo que este ser definido nao pode ser e nao ser enquadrado na dita definigao"5 6 7 8 9 10. Segue desses atributos lógico-epistemológicos que uma definifao descritiva e categórica de corrente elétrica deve possuir concordancia sintética e semántica9. Ela precisa atender aos principios aristotélicos de identidade, de nao contradifao e de terceiro excluido10 e, ao mesmo tempo, denotar os objetos a que se refere.

Todavia, como veremos adiante, definifóes sao expressóes simbólicas compostas de unidades e sequencias lexicais que contingencialmente subdeterminam seus respectivos significados (Carston, 2002). Consequentemente, por mais explícitas que sejam as propriedades que delimitam a compreensao do definiendum "corrente elétrica", ele próprio expresso na sequencia lexical 'corrente elétrica', a definifao de corrente elétrica consiste numa aproximarlo permitida pelos pareamentos entre as unidades ou sequencias lexicais do definiens 'movimento ordenado de cargas elétricas' com seus respectivos significados, pareamentos esses contingencialmente sujeitos a equívocos.

Neste ensaio, argumentamos que uma das fontes principais de equívocos de definifao de corrente elétrica decorre da própria emergencia histórica dos estudos dos fenómenos elétricos, notadamente a persistencia como a nofao de fluxo elétrico resiste e se sobrepóe a nofao de campo elétrico.

III. HISTÓRICO DA DEFINIFAO DE CORRENTE ELÉTRICA

A investigafao de fenómenos elétricos no Ocidente surge na Grécia antiga. Relatos sobre o comportamento do ámbar11 e das pedras de Héracles (ímas naturais) aparecem, por exemplo, nos escritos de Platao, embora o pioneirismo possa ser atribuído a Tales de Mileto12. É certo que Platao fala sobre o efeito do ámbar em Timeu.

O mesmo fenómeno se passa com todos os fluxos de água, a queda de raios, as maravilhas da atragao do ámbar e da pedra de Héracles. A atragao nao intervém de qualquer modo em nenhum de todos estes objetos, mas será evidente para quem os investigar adequadamente que é por causa destes acidentes (em virtude de nao existir o vazio e de eles se empurrarem em círculos entre si, por vezes separando-se e por vezes combinando-se, trocando de lugar entre si e dirigindo-se todos para o que lhes é próprio) que eles se entretecem uns com os outros e fabricam fenómenos admiráveis. (Platao, 2011, p. 189, colchetes nossos).

Titus Carus (séc. I a. C.), apesar de nao tratar do ámbar, propoe que fenómenos magnéticos surgem de alguma emanagao ou fluxo dos corpos materiais:

Primeiro, deve haver de todos os corpos que nós vemos um perpétuo fluxo, uma emissao, um emanar de elementos que nos impressionam os olhos e os movem a visao. Perpetuamente fluem os cheiros de certos corpos, como o frio sai dos rios, o calor do Sol, e das ondas do mar, a vaga que vai roendo os diques do litoral. (Titus Carus apud Tonidandel, Araújo e Boaventura 2018, p. 2).

Em 1600, William Gilbert observou que, além do ámbar, minerais, vidros e peles de animais também apresentavam a propriedade de atrair corpos leves. Conforme resenha Tonidandel, Araújo e Boaventura (2018, p. 3), ele introduziu o termo 'elétrico' e as distingoes entre corpos elétricos e nao elétricos e fenómenos elétricos e magnéticos13. Embora nao tivesse explicado como o fenómeno elétrico funcionava, pois considerava ser uma virtude natural de certos cor-pos, Gilbert utilizou a hipótese de um eflúvio elétrico13 14, pois "sem atrito, poucos corpos emitem sua verdadeira emanagao e eflúvio elétrico natural" (p. 30, itálico no original).

Segundo Forrester (2016, p. 2), apesar de Gilbert realizar seus experimentos com muito cuidado, foi o alemao Otto von Guericke, ao replicá-los, quem observou a repulsao entre corpos eletrizados. Guericke criou a primeira máquina elétrica, constituida por uma bola coberta de enxofre que, ao rotacionar, rogava em um tecido e atraía vários materiais, liberando faíscas algumas vezes.

No século XVIII, o estudo de fenómenos elétricos dominava as discussoes entre filósofos naturais como Stephen Gray (1666-1736), Charles du Fay (1698-1739), Jean-Antoine Nollet (1700-1770) e Benjamin Franklin (1706-1790).

Stephen Gray definiu eletricidade como uma virtude elétrica que pode ou nao ser conduzida através de eflúvios -partículas que exalam dos corpos terrestres em forma de vapores invisíveis15. Segundo Whittaker (apud Boss, Assis e Caluzi, 2012, p. 38), depois do trabalho de Gray, o eflúvio passou a ser chamado de fluido elétrico, sendo conhecido "como uma das substancias das quais o mundo é constituido".

Charles du Fay realizou experimentos sobre eletrostática e enunciou dois princípios gerais que, segundo ele, re-giam os fenómenos elétricos16. O primeiro princípio geral dizia que "corpos elétricos atraem todos aqueles que nao estao desta forma, e os repelem assim que eles se tornam elétricos, pela proximidade ou pelo contato com o corpo elétrico" e o segundo dizia que há duas eletricidades distintas: vítrea17 e resinosa18 (du Fay, 1735, p. 262, apud Boss, Assis e Caluzi, 2007, p. 642), langando a ideia de fluidos vítreos e resinosos. A eletricidade contida em um corpo era algo que esse corpo possuía em excesso, uma hipótese com grande aceitagao durante todo o século XVIII. Jean-Antoine Nollet, por sua vez, propoe a ideia de fluidos afluentes e efluentes.

Segundo Nollet, quando um corpo elétrico é excitado por fricgao, parte deste fluido escapa através de seus poros, causando uma corrente efluente, sendo que essa perda é compensada por uma corrente afluente do mesmo fluido vindo de fora ...

As correntes efluente e afluente diferiam nao apenas em diregao, mas também em velocidade e distribuigao espacial. Ele explicou a atragao e repulsao dos corpos leves nas vizinhangas do corpo eletrizado supondo que eles eram capturados por uma das duas correntes opostas de fluido elétrico. (Silva e Pimentel, 2008, p. 144, grifos nossos).

A teoria de dois fluidos, segundo a qual um corpo é neutro quando contém a mesma quantidade deles, e a eletri-zagao acontece quando o corpo os tem em excesso ou falta, funcionou bem para explicar as experiencias de entao.

Posto que a mecánica newtoniana estava no auge, nada mais razoável que a compreensao da eletricidade estivesse pautada em modelos de mecánica de fluidos19 20 21.

Ainda no século XVIII, Benjamin Franklin propoe uma explicado diferente. Ao atritar barras de vidro com seda, Franklin sugere que o vidro recebia fluidos ficando com carga eletricamente positiva, enquanto a seda os perdia fi-cando com carga eletricamente negativa20, 21. Com isso, ele desenvolve o conceito de um único fluido elétrico22.

A teoria de Franklin baseava-se na ideia de que os corpos seriam formados pela matéria comum e também por um único tipo de matéria elétrica - o "fogo elétrico" - que teria o poder de atrair a matéria ordinária e repelir suas próprias partículas. Franklin explicou que a eletrizagao de um corpo se daria pelo acúmulo de uma quantidade deste fluido elétrico no corpo as custas da perda da mesma quantidade de fluido elétrico por um outro corpo. (Whittaker apud Silva e Pimentel, 2008, p. 146, grifo no original).

Se a eletricidade era uma espécie de fluido, seria possível armazená-la. Em meados do século XVIII, Pieter van Musschenbroek, em Leyden (Holanda), inventa a garrafa de Leyden23, a rigor um capacitor.

Em paralelo, na virada do século XIX, surgiram controvérsias sobre a natureza do fluido elétrico em animais, levando a aplicagao da eletricidade na medicina24. Nesse período, destacam-se Luigi Galvani (1737-1798) e Alessandro Volta (1745-1827).

Segundo Jardim e Guerra (2018, p. 2):

Galvani, investigando contragoes musculares em ras que eram postas em contato com metáis, interpretou o fenómeno

como sendo causado por um fluido invisível, chamado de "eletricidade animal". Por outro lado, Volta creditou os fenómenos

observáveis a eletricidade ordinária, que seria produzida pelo contato entre diferentes metais, o principio básico da pilha de

Volta.

No inicio da década de 1790, após replicar os estudos de Galvani, Volta abandonou experiencias com animais e passou a testar diferentes combinagoes de empilhamentos e conexoes de placas condutoras metálicas e nao metálicas25 até encontrar uma combinagao ótima de placas de prata e zinco dispostas em série.

Outro arranjo eficiente foi baseado em copos de água com sal intercalados por condutores elétricos. Uma reagao química de decomposigao chamada eletrólise26 acontecia quando dois metais diferentes ficavam em contato com uma solugao salgada, viabilizando gerar e estabelecer pela primeira vez em um circuito o que chamamos hoje de corrente elétrica27.

A invengao da pilha de Volta levou ao desenvolvimento de teorias sobre circuitos elétricos28. Em 1820, Ampáre introduz os termos eletrostática e eletrodinámica para caracterizar fenómenos gerados por cargas em repouso e em movimento. Em 1825, Georg Ohm realizou experimentos com baterias voltaicas conectadas a diferentes fios metálicos29. Gustav Kirchhoff, por sua vez, realizou experiencias com redes elétricas entre 1845 e 184730.

Na segunda metade do século XIX, a escola inglesa caracterizou-se por um modelo mecánico de eletromagnetismo derivado das propriedades dinámicas do éter, e muitos dos cientistas buscaram explicar correntes elétricas a partir desse suposto fluido. James Maxwell (1831-1879) e Michael Faraday (1791-1867), lidando com o problema da natureza da condugao da corrente elétrica, desenvolveram uma teoria do magnetismo e da eletricidade a partir das propriedades de preenchimento do espago de troca do éter31 32.

Nas palavras de Whittaker (1951, p. 98-99): A eletrificagao de um corpo acontece, quando o éter contido em seus poros se torna mais ou menos elástico do que o que reside nos corpos adjacentes. Isso acontece, quando uma maior quantidade de éter é introduzida nos poros de um corpo ou quando parte do éter que ele contém é forgada para fora. Naquele caso, o Ã©ter se torna mais comprimido e, consequentemente, mais elástico; no outro caso, ele se torna rarefeito e perde sua elasti-cidade32 (Morais, 2014, p. 13, colchetes no original).

Veja-se que, mesmo nao conhecendo elétrons e íons, já se pensava em partículas gerando uma corrente elétrica ao viajar pelo éter, ou seja, ela decorreria do movimento de partículas internas transitando dentro do corpo. Para Maxwell (1861-1862, p. 471):

Uma corrente elétrica é representada pela transferencia de partículas móveis interpostas entre vórtices vizinhos ... Supoe-se que as partículas rolem sem deslizar entre os vórtices, .. e nao se tocam, de modo que enquanto permanecerem dentro de uma molécula, nao há perda de energia por resistencia. Entretanto, quando há uma transferencia geral de partículas em uma diregao, elas devem passar de uma molécula para outra e, ao faze-lo, experimentam resistencia, de modo a perder energia e gerar calor. (Morais, 2014, p. 21, colchetes no original).

Em 1883, Faraday investigou efeitos eletrolíticos da corrente elétrica em solugoes. Para Caruso e Oguri (2006, p. 225-227), Faraday concluiu que a quantidade de massa de substancia depositada em cada um dos eletrodos em intervalos de tempo em que a corrente elétrica está circulando é proporcional a carga que percorre o circuito. Esse fator de proporcionalidade /, 9,65 x 104C, é denominado de constante de Faraday e representa a carga trocada no ele-trodo por um mol da substancia de valencia unitária.

Com esses estudos, já havia evidencias de que a corrente elétrica se estabelecia nas solugoes, ou seja, elas perten-ciam ao próprio fluido e nao provinham de uma fonte externa. Conforme Faraday, "se aceitamos a hipótese de que as substancias elementares sao compostas de átomos, nao podemos deixar de concluir que também a eletricidade, tanto positiva quanto negativa, se subdivide em porgoes elementares que se comportam como átomos de eletricidade" (Faraday apud Caruso e Oguri, 2006, p. 226).

Maxwell já havia reconhecido a importancia da eletrólise quando afirmou que de "todos os fenómenos elétricos, a eletrólise parece ser a que melhor nos oferece um maior discernimento sobre a verdadeira natureza da corrente elé-trica, porque encontramos correntes de matéria ordinária e correntes de eletricidade formando partes essenciais do mesmo fenómeno" (apud Caruso e Oguri, 2006, p. 227). O pesquisador descreve da seguinte maneira o comporta-mento de um condutor quando uma corrente se estabelece:

Um corpo condutor pode ser comparado a uma membrana porosa que opoe maior ou menor resistencia a passagem de um fluido, enquanto um dielétrico é como uma membrana elástica que pode ser impermeável ao fluido, mas transmite a pressao do fluido em um lado ao outro. Quando age em um condutor, a forga motriz produz uma corrente que, ao encontrar resistencia, ocasiona uma transformagao intermitente de energia elétrica em calor, a qual é incapaz de ser armazenada, de novo, como energia elétrica por reversao do processo. (Maxwell, 1861-1862, p. 490-191 apud Morais, 2014, p. 28).

Entre o final do século XIX e início do século XX, abandona-se a concepgao de corrente elétrica como o fluxo de um fluido. Conforme Morais (2014, p. 44), a transigao da ideia de fluido de eletricidade para a de elétron e, posteriormente, para a de íons carregados, envolveu reflexao teórica sobre o significado de corrente de condugao e trabalhos experimentais sobre a condugao de eletricidade em líquidos, gases e sólidos.

A existencia dos elétrons é evidenciada em tubos de raios catódicos33.

Descargas elétricas em tubos de vidro contendo um gás a baixa pressao eram estudadas desde 1709. Cientistas, na época, descobriram que, quanto mais baixa fosse a pressao no interior do tubo, menos o gás brilhava e, ainda assim, uma corrente elétrica fluía, sendo possível observar uma mancha brilhante que se formava do lado oposto do catodo - eletrodo negativo. (Morais, 2014, p. 62).

A experiencia com tubos de raios catódicos de Joseph John Thomson permitiu concluir irrefutavelmente a existencia dos elétrons, pois foi ele quem observar, em vácuo ótimo, que forjas elétricas e magnéticas produzem desvios em feixes colimados.

Com o desenvolvimento da mecánica quántica, póde-se ter uma ideia de como ocorre a condutividade elétrica nos metais. Além disso, pode-se compreender como a energia elétrica é transmitida nos circuitos elétricos através de um campo elétrico estabelecido no interior dos fios metálicos, forjando o movimento em determinado sentido de alguns dos elétrons pertencentes ao que poderíamos denominar de gás de elétrons livres de Fermi34 disponíveis para a condumio nos metais35.

Esses elétrons livres já apresentam espontáneamente mobilidade para fluírem na estrutura da matéria metálica de um átomo para outro de forma caótica. Os estados de energia a que pertencem sao denominados de níveis de energia de Fermi, e se encontram dentro da distribuigao de elétrons por camadas e subcamadas eletrónicas, numa regiao que é denominada de banda de condugao. Os níveis de energia de elétrons que nao conduzem pertencem á banda de valencia, onde os elétrons se encontram ligados a seus átomos, nao dispondo de mobilidade espontánea na estrutura da matéria atómica. (Ornellas, 2006, p. 49).

Hoje, podemos conceber corrente elétrica como fenómeno emergente do movimento ordenado de deriva de portadores de cargas elétricas (elétrons em metais, íons em solugoes iónicas, elétrons e íons em gases ionizados) contidas no condutor. Conforme Hartel (2012, p. 1019), uma corrente elétrica ocorre como consequencia de um campo gerado por uma distribuidlo de carga elétrica superficial nos condutores. Para o autor, a existencia desse campo elétrico está associada a uma diferenga de potencial (ddp)entre pelo menos dois pontos ao longo dos condutores. Em outras pa-lavras, "a corrente elétrica se estabelece em um condutor quando nele há um campo elétrico e tem como elemento básico o portador da carga elétrica sobre o qual esse atua" (Gaspar, 2013, p. 91). Pensando nos condutores metálicos, os portadores de cargas elétricas sao elétrons livres em movimento caótico com velocidade média muito alta, 106m/s, e velocidade de deriva muito lenta, geralmente 10-4m/s (Gaspar, 2013, p. 91). O campo elétrico, portanto, forma-se no interior do fio com uma velocidade que se aproximam a da luz, e os elétrons comegam a se mover ao longo do fio praticamente ao mesmo tempo. Em síntese, o que define a velocidade com a qual se estabelece a corrente elétrica nao é a rapidez do movimento individual dos portadores (elétrons nos metais), pois esses se movem com velocidade de deriva pequena, mas a rapidez enorme com a qual o campo elétrico que se estabelece no condutor. Segue disso que uma definigao mais apropriada de corrente elétrica deveria considerá-la como um fenómeno emergente do movimento ordenado de deriva dos portadores de cargas elétricas internas livres causado por um campo elétrico gerado pela distribuigao de cargas elétricas superficiais em um circuito fechado submetido a uma fonte de forga eletromotriz. Segundo Hartel (2012, p. 1022) essa fonte é que fornece as cargas que vao se distribuir sobre a superfície dos condutores do circuito fechado até se obter um equilíbrio eletrostático, ou seja, um equilíbrio entre as forgas de tensao e as forgas de Coulomb. Essas cargas superficiais distribuídas vao gerar o campo elétrico no interior do condutor e a diferenga de potencial elétrico funcionalmente relacionada a esse campo entre pelo menos dois pontos do circuito elétrico.

Conhecido como o conceito de eletricidade evoluiu progressivamente, estamos em condigoes de analisar a definigao de Torres et al. (2016, p. 46), aplicando a arquitetura descritivo-explanatória da teoria da releváncia de Sperber e Wilson (1986, 1995).

IV. ANÁLISE DA DEFINIGAO

A teoria da releváncia é uma abordagem pragmático-cognitiva desenvolvida por Sperber e Wilson (1986, 1995) no campo dos estudos da linguagem para lidar com a interpretagao de enunciados enquanto sentengas efetivamente usadas numa situagao qualquer. A teoria busca descrever e explicar como, dentre as várias interpretagoes possíveis compatíveis com o significado de uma determinada sentenga, o intérprete escolhe como significado do falante36 uma Ãºnica interpretagao ou interpretagoes semelhantes próximas.

Embora enunciados possam gerar inúmeras interpretagoes compatíveis com o significado da sentenga, nem todas sao igualmente acessíveis. Conforme a teoria, os ouvintes estao equipados com um critério on-line suficientemente poderoso para avaliar interpretares e eleger uma hipótese interpretativa: o de consistencia com a presungao de relevancia ótima.

Por relevancia, os autores definem uma propriedade dos estímulos direcionados ao processamento cognitivo. Um estímulo é relevante quando os efeitos cognitivos positivos de seu processamento superam os esforgos despendidos para obte-los. Conforme a teoria, estímulos podem gerar efeitos cognitivos positivos quando, cotejados com um contexto de suposigoes cognitivas prévias, fortalecem suposigoes prévias, contradizem e eliminam suposigoes prévias, ou geram implicagoes contextuais, a saber, conclusoes inferenciais derivadas da combinagao desses estímulos com o contexto de suposigoes cognitivas prévias. Desse conceito, seguem dois princípios: o principio cognitivo de relevancia segundo o qual a cognigao humana tende a maximizar a relevancia; e o principio comunicativo de relevancia segundo o qual enunciados37 geram a presungao de sua própria relevancia ótima.

Um enunciado é presumido como otimamente relevante quando o intérprete o considera como pelo menos suficiente para merecer processamento e como o estímulo mais relevante que o falante se dispós a ou foi capaz de elaborar. É a partir dessa presungao de relevancia ótima que a teoria propoe um procedimento de compreensao orientado pela nogao teórica de relevancia segundo o qual o intérprete segue uma rota de esforgos cognitivos mínimos na interpretagao dos enunciados, enriquecendo-os até torná-los explícitos, sempre que necessário; gerando conclusoes inferenciais, sempre que pertinente; e parando quando a interpretagao obtida se revela consistente com sua expectativa de relevancia ótima.

Neste ponto, vale destacar que enunciados sao formas lógicas38 compostas por conceitos atómicos na forma de enderegos ou nós na memória. Esses conceitos sao acessados por entradas lógicas, enciclopédicas ou lexicais39. Entradas lógicas sao informagoes computacionais. Trata-se de um conjunto finito de regras dedutivas aplicáveis as formas lógicas que integram. Entradas enciclopédicas sao informagoes representacionais variáveis e incrementais que confi-guram a memória de longo termo do indivíduo. Entradas lexicais sao as informagoes linguísticas (semióticas) de um conceito.

Em síntese, compreender enunciados consiste em parear entradas lexicais com entradas enciclopédicas em cada entrada lógica que integra uma determinada forma lógica. Na definigao de Torres etal., isso implica parear as entradas dos itens e/ou sequencias lexicais 'corrente', 'corrente elétrica', 'é', 'movimento', 'movimento ordenado', 'cargas', 'cargas elétricas' e 'movimento ordenado de cargas elétricas' com suas respectivas entradas enciclopédicas organizadas numa forma lógica contendo definiendum, cópula e definiens, tal que definiendum e definiens se equivalem.

Por exemplo, as entradas lexicais da sequencia lexical 'corrente elétrica' que compoem o definiendum da definigao de Torres et al. (2016, p. 46) precisam ser pareadas com entradas enciclopédicas corrente e elétrica apropriadas para que a definigao seja bem compreendida. Se um conceito pode ser concebido como uma rubrica na memória, o conceito corrente elétrica, codificado pela sequencia lexical 'corrente elétrica' na definigao, denota uma espécie de feno-meno e ativa determinado conhecimento enciclopédico que pode ser adicionado ao contexto e usado na interpretagao de enunciados sobre correntes elétricas.

0    problema aqui é que a sequencia lexical 'corrente elétrica', que codifica o conceito corrente elétricai, pode comunicar uma acepgao corrente ELÉTRiCA2-n diferente. Estudantes processando essa sequencia lexical podem estar operando com uma nogao mais apropriada de corrente elétrica como algo que se estabelece no circuito - corrente elétricai - que assumiremos como interpretagao-alvo; outros podem operar com uma nogao menos apropriada, em-bora justificada historicamente, de corrente elétrica como algo que flui de um ponto para outro - corrente elétrica2 -que assumiremos como uma interpretagao ad hoc alternativa usual do item lexical 'corrente'.

Para verificar se a definigao de Torres et al. (2016, p. 46) favorece esse equívoco, nós analisaremos cada item ou sequencia lexical que compoe essa formulagao em ordem de acessibilidade, simulando seu processamento on-line. Consequentemente, o primeiro passo consiste em parear a entrada lexical 'corrente' com sua a entrada enciclopédica correspondente corrente.

No dicionário Michaelis40, o verbete 'corrente'41 possui as seguintes acepgoes:

1    Curso ou movimento das águas; correnteza.

2    Movimento de uma massa de ar.

3    Série flexível de elos ou anéis interligados, geralmente de metal, para atar fortemente ou para sustentar algo

pesado; grilhao.

4    Cadeia de argolas, geralmente de ouro, prata etc., usada como joia ou insignia; cordao.

5    FIG Sucessao ou série continuada de pessoas ou coisas.

6    FIG Grupo de individuos que defendem as mesmas ideias ou compartilham algumas afinidades.

7    FIG Grupo de dentistas ou intelectuais que apresentam as mesmas ideias ou tendéncias em relagao a uma

área de conhecimento.

8    Danga em voga nos séculos XVII e XVIII, executada em compasso ternário, com andamento vivaz.

Segue disso que bem poderia ser o caso de o intérprete acionar suposigoes como:

51    - Corrente é um curso ou movimento de algo;

52    - Corrente é algo flexível;

53    - Corrente é um utensilio com elos, anéis ou argolas interligadas;

54    - Corrente é uma joia com elos, anéis ou argolas interligadas;

55    - Corrente e uma sucessao ou série continuada de pessoas ou coisas;

56    - Corrente é um grupo de individuos afins ou que defendem as mesmas ideias;

57    - Corrente é um grupo de cientistas ou intelectuais que defendem mesmas ideias;

58    - Corrente é uma danga antiga com compasso ternário e andamento vivaz.

Dado que a interpretagao ocorre no contexto da leitura de um livro de Física, é razoável conjecturar que a suposi-gao Si associando corrente como curso ou movimento de algo - corrente2 - é mais provável de vir a mente, pois é difícil imaginar que o conceito lida com objetos flexíveis S2, utensilios ou joias com elos S3-4, associagoes S5-7 ou andamento musical S8, respectivamente: corrente3, corrente4, corrente5 e corrente6.

Admitindo a corregao dessa interpretagao, apresentamos na tabela II, a seguir, a definigao de Torres et al. (2016, p. 46) em quatro colunas, que sao dedicadas, respectivamente, ao nível representacional e aos elementos do defini-endum, da cópula e do definiens. Na primeira linha, apresentamos itens e sequencias lexicais da forma linguística da definigao; na segunda linha, as variáveis lógicas identificadas por pronomes indefinidos da forma lógica da definigao; na terceira linha, as entradas enciclopédicas ou conceitos do que em teoria da relevancia se denomina de explicatura da definigao. Dessa forma, destacamos na tabela II que a entrada lexical 'corrente' aciona, respectivamente, a entrada lógica 'algo' e a entrada enciclopédica corrente2 como curso ou movimento.

TABELA II. Análise do item lexical 'corrente' da definigao de corrente elétrica.

Definigao

Definiendum    Cópula

Definiens

Forma Linguística

Corrente

Forma Lógica

Algo

Explicatura

CORRENTE2

Na sequencia, o adjunto adnominal 'elétrico' produz efeito de restrigao conceptual ao limitar o conceito de corrente a algo que é elétrico. Conforme o dicionário Michaelis42, o verbete 'elétrico' possui as seguintes acepgoes:

1    FÍS Que se refere a eletricidade.

2    Que tem eletricidade; que é resultado de eletricidade.

3    FIG Que tem muito brilho, resplendor; cintilante, fulgurante, luzente.

4    FIG Que se agita sem cessar; agitado, buligoso, irrequieto.

5    FIG Que acontece ou que se faz com muita rapidez; apressado, breve, rápido.

A essas acepgoes dicionarizadas, poderíamos acrescentar suposigoes de senso comum, que conectam 'elétrico' com algo que produz luz, desloca-se em fios, gera descarga (choque), consome-se, provém de uma usina hidrelétrica, termelétrica, é distribuído por uma concessionária, entre outros. Assim, suposigoes de senso comum e algumas das suposigoes dicionarizadas favorecem a interpretagao de corrente como algo que flui - corrente2 - sugerindo que, mesmo antes de processar o definiens y, o intérprete já tem uma hipótese sobre o que o definiendum representa.

TABELA III. Análise do definiendum da definido de corrente elétrica.

Definigao

Definiendum    Cópula

Definiens

Forma Linguística

Corrente elétrica

Forma Lógica

Algo

Explicatura

CORRENTE ELÉTRICA2

Segue a interpretadlo da forma verbal de cópula ou de ligagao 'é'. Ao processá-la, o intérprete provavelmente aciona a hipótese sintética antecipatória de que o enunciado se organiza numa forma lógica do tipo 'x é y', tal que x é o sujeito (tema ou assunto) e y é o predicado (aquilo que se diz sobre o sujeito, tema ou assunto) e, dado que se trata de uma definidlo, haveré uma equivalencia entre ambos, de modo que o predicado contendo o definiens determina o sujeito contendo o definiendum.

TABELA IV. Análise da cópula da definido de corrente elétrica.

Definigao

Definiendum

Cópula

Definiens

Forma Linguística

Corrente elétrica

é

Forma Lógica

Algo

ser

Explicatura

CORRENTE ELÉTRICA2

EQUIVALE A

O próximo passo é processar o item lexical 'movimento'. Este item possui uma quantidade expressiva de acepgoes dicionarizadas, dentre as quais nos interessam aquelas que relacionam 'movimento' com deslocamento e agitagao43. A essas acepgoes, poderíamos acrescentar definigoes de 'movimento' mais propriamente conectadas a Física en-quanto mudanga de posigao espacial de um objeto no decorrer do tempo e em relagao a um dado referencial. Todas essas definigoes favorecem duas interpretagoes mais estreitas de movimento44. A primeira delas relaciona movimento como algo que se desloca no espago de modo ordenado - movimento*, a segunda delas relaciona movimento como algo que se desloca no espago de modo caótico - movimento**.

Em comum, essas duas interpretagoes mais estreitas do item lexical 'movimento' reforgam a interpretagao de corrente como algo que flui - corrente2 - e, no contexto desse reforgo, podem promover estreitamentos lexicais ainda mais radicais que, para efeitos de enfase, poderiam ser representados por fluxo* e fluxo**.

TABELA V. Análise do item lexical 'movimento' da definigao de corrente elétrica.

Definigao

Definiendum

Cópula

Definiens

Forma Linguística

Corrente elétrica

é

o movimento

Forma Lógica

Algo

ser

algo

Explicatura

CORRENTE ELÉTRICA2

EQUIVALE A

movimento*

movimento**

O item lexical 'ordenado' contradiz e elimina movimento** e fortalece movimento*, como vimos, dois efeitos cog-nitivos positivos previstos pela teoria da relevancia. Esse estreitamento agora explícito favorece a concepgao de que hé ordem naquilo que se movimenta e, no contexto de uma interpretagao de corrente como fluxo - corrente2, a interpretagao de que aquilo que flui numa corrente elétrica flui de maneira ordenada.

TABELA VI. Análise da sequencia 'movimento ordenado' da definigao de corrente elétrica.

Definigao

Definiendum

Cópula

Definiens

Forma Linguística

Corrente elétrica

é

o movimento ordenado

Forma Lógica

Algo

ser

algo

Explicatura

CORRENTE ELÉTRICA2

EQUIVALE A

MOVIMENTO ORDENADO

Em seguida, cabe parear o item lexical 'cargas' com sua respectiva entrada enciclopédica. Entre as múltiplas acepgoes de 'carga' apresentadas no dicionário Michaelis45, a mais provével de ser selecionada em uma suposigao compa-tível com a definigao é a de que "Si - Carga é algo que pode ser transportado", favorecendo a emergencia do conceito carga. Como o definiendum trata de corrente elétrica, é razoével assumir, mesmo antes de processar o último item lexical da definido, que o intérprete procede a um estreitamento lexical, assumindo que aquilo que pode ser transportado tem natureza elétrica - carga*46. No contexto de corrente2, essa interpretadlo sugere que aquilo que pode ser transportado de um lugar a outro, reforjamos, é transportado ao modo de um fluxo. Ao interpretar o item lexical 'elétricas', por fim, esse estreitamento torna-se apenas explícito sem prejuízo a essa interpretadlo: trata-se de um fluxo de cargas elétricas.

TABELA VII. Análise do definiens da defini;ao da definidlo de corrente elétrica.

Definiglo

Definiendum

Cópula

Definiens

Forma Linguística

Corrente elétrica

é

o movimento ordenado de cargas elétricas

Forma Lógica

Algo

ser

algo

Explicatura

CORRENTE ELÉTRICA2

EQUIVALE A

MOVIMENTO ORDENADO DE ALGO DE NATUREZA ELÉTRICA

V. DISCUSSAO

Lopes (2007, p. 170-171) chama a atenglo para a linguagem adotada pelos livros didáticos. Ele diz que:

A atenido para com a linguagem é fundamental, pois tanto ela pode ser instrumento para a discussao racional de conceitos altamente matematizados, como pode veicular metáforas realistas pretensamente didáticas que obstaculizam o conheci-mento científico. O descaso para com as rupturas existentes na linguagem científica apenas tende a reter o aluno no conhe-cimento comum, e fazé-lo desconsiderar que a ciencia sofre constantes mudanzas e retifica seus erros. A linguagem presente nos livros didáticos é de suma importancia para permitir ao aluno o dominio do conhecimento científico.

No que concerne a definigoes em materiais didáticos, o dilema é identificar até que ponto é possível elaborar aproximagoes e/ou simplificagoes adequadas cientificamente, pois dado que, em geral, parte-se dedutivamente de definigoes para aplicagoes no ensino, uma definiglo inadequada reverbera em todas as instancias de aplicaglo.

Na seglo anterior, verificamos se a definiglo de corrente elétrica de Torres et al. (2016, p. 46) favorece uma inter-pretaglo equivocada de corrente como fluxo - corrente2. Para tanto, aplicamos o procedimento de interpretaglo orientado pela relevancia, processando cada item e sequencia lexical em ordem de acessibilidade e parando quando uma interpretaglo satisfez certa expectativa de relevancia ótima. Nossa concluslo é categórica. Um estudante esperando confirmar sua concepglo de senso comum de que corrente é algo que flui nlo encontraria obstáculo para essa interpretaglo na definiglo: algo de natureza elétrica flui de um lugar para outro de forma ordenada numa corrente elétrica47.

Além disso, os autores ilustram a definiglo com a figura 1.41 (figura 1), que "representa esquemáticamente, fora de qualquer proporgao, um trecho de fio metálico com os elétrons livres movimentando-se caoticamente (fig. 1.41-A) e ordenadamente, constituindo uma corrente elétrica (fig. 1.41-B)" (Torres et al., 2016, p. 46).

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FIGURA 1. Representaglo esquemática do movimento dos elétrons livres em um fio metálico: (A) movimento caótico dos elétrons; (B) movimento ordenado dos elétrons. Fonte: Torres et al. (2016, p. 46, Figura 1.41).

Embora as versoes A e B da figura 1 tenham sido elaboradas para representar estados caóticos e ordenados dos elétrons livres em um segmento de um fio metálico, observe que a representaglo B pode levar a crer que os elétrons livres estlo se deslocando progressivamente a direita, reforgando a ideia de fluxo. Se fixarmos a atenglo as setas, veremos que sugerem vetores de deslocamento, indicando que os elétrons representados mais a direita seriam su-cessivamente substituidos pelos elétrons mais a esquerda até que todos passassem pelo segmento, promovendo o erro conceitual de que cada elétron livre sai de sua posiglo inicial a esquerda e percorre todo o condutor no sentido indicado.

Admitindo a priori a plausibilidade da intepretaglo indesejável de corrente como fluxo, restaria investigar se o definiens da definiglo de Torres et al. (2016, p. 46) está correto sintática e semanticamente48 e, desse modo, essa interpretadlo indesejável seria um efeito incontornável da interpretadlo do item lexical 'corrente' que compoe o de-finiendum como fluxo - corrente2 -, algo extensamente justificado pela evoluglo histórica do conceito de eletricidade como vimos na terceira seglo. Para isso, o definiens da definiglo precisaria explicar com exatidao a extenslo e a compreenslo do conceito ou definiendum da definiglo (Rauen, 2015), suprimindo o ambiguo ou o obscuro a fim de esclarece-lo, simplificá-lo ou descomplicá-lo (Lakatos e Marconi, 2003).

Posto isso, verificamos que embora a definiglo dos autores passe pelas regras aristotélicas de identidade, nlo contradiglo e de terceiro excluido do ponto de vista sintático (lógica formal); e o movimento ordenado de cargas elétricas seja condiglo sine qua non para haver corrente elétrica do ponto de vista semántico (lógica material), a definiglo nlo explica com exatidlo a extenslo e a compreenslo do definiendum. Isso ocorre porque, ao destacar exclusivamente o efeito do fenómeno, o definiens da definiglo omite as condigoes necessárias de sua emergencia, recortando parcialmente o definiendum da definiglo.

Há pelo menos tres condigoes necessárias para a emergencia de correntes elétricas, uma vez que decorrem de campos elétricos e diferengas de potencial geradas por cargas superficiais fornecidas por fontes com forga eletromo-triz conectadas aos circuitos fechados contendo portadores de cargas elétricas livres. Para haver corrente elétrica, é necessário que se estabelega um campo elétrico interno aos condutores, implicando uma diferenga de potencial que Ã© mantida por uma fonte de forga eletromotriz ou gerador. Para gerar esse campo elétrico, o circuito deve estar fechado, ou seja, o gerador que fornece a diferenga de potencial deve estar conectado entre os terminais do circuito. Por fim, o circuito elétrico deve ser composto por condutores elétricos (metálicos, solugoes iónicas e gases ionizados), ou seja, o circuito elétrico deve conter portadores de cargas elétricas livres. Assim, somente há "movimento ordenado de cargas elétricas" se, de fato, há cargas elétricas livres em um circuito fechado submetido a uma forga eletromotriz.

Além disso, até a própria escolha do item lexical 'movimento' no definiens da definiglo de Torres et al. (2016, p. 46) pode ser problematizada, pois o que se estabelece pode ser mais bem descrito como uma espécie de deriva ordenada dos portadores de cargas elétricas de um circuito fechado submetido a uma diferenga de potencial. Para se estabelecer uma corrente elétrica o que importa é que todas as cargas sejam ordenadas ao mesmo tempo e nlo o movimento ordenado de cada uma delas. Trata-se de algo mais próximo de uma orquestra ou coral que, dada a regencia de um maestro, salta de sons caóticos próprios do afinamento de instrumentos ou de vozes para a produglo harmoniosa de uma melodia.

A propósito e adicionalmente, ao exemplificar corrente elétrica com um segmento de fio metálico na figura 1, os autores produzem um recorte adicional problemático. Uma vez que a definiglo de corrente elétrica como movimento ordenado de cargas elétricas pode ser aplicada a solugoes iónicas e gases ionizados, com portadores em movimento nos dois sentidos, e a ilustraglo restringe-se a um segmento de um condutor metálico, isso acaba por produzir o efeito indesejável de sugerir que a definiglo de corrente elétrica compreenderia correntes elétricas eletrónicas, mas nlo correntes elétricas iónicas.

Mais adiante, os autores afirmam que lhes interessa "apenas a corrente elétrica constituida por elétrons em movimento, que pode ser chamada de corrente elétrica eletrónica" (2016, p. 46). Se nada obsta essa restriglo do ponto de vista das escolhas do que destacar no desenvolvimento de um conteúdo didático, é essencial monitorar efeitos dessa restriglo sobre a compreenslo da própria definiglo de 'corrente elétrica'. Ao destacar correntes elétricas constituidas por elétrons em movimento, reiteramos, os autores sugerem que a extenslo do conceito se restringe a condutores metálicos. Isso é indevido porque uma definiglo correta de corrente elétrica em sentido lato nlo deve distinguir se ela é estabelecida por elétrons ou ions. Ela deve abrigar todos os portadores de carga elétrica.

Postas essas questoes, uma definiglo mais apropriada para o fenómeno em questlo poderia ser, entre outras, as seguintes:

Corrente elétrica é o fenómeno emergente do movimento ordenado de deriva dos portadores de cargas elétricas internas

livres causado por um campo elétrico gerado pela distribuigao de cargas elétricas superficiais em um circuito fechado submetido a uma fonte de forga eletromotriz.

Ou, numa verslo mais apropriada para uma primeira abordagem em sala de aula:

Corrente elétrica é o fenómeno emergente do movimento ordenado de deriva dos portadores de cargas elétricas internas

livres causado por um campo elétrico.

Uma definiglo em termos próximos a esses contornaria o efeito indesejável de interpretar o item lexical 'corrente' do definiendum como fluxo de fluidos - corrente2. Nessa verslo, corrente elétrica corresponde a um fenómeno emergente do movimento ordenado de deriva, um alinhamento das cargas elétricas que já estao presentes ou per-tencem aos circuitos fechados que foi causado por um campo, a rigor, por uma forga eletromotriz que forneceu uma diferenga de potencial aos componentes do circuito49.

Em síntese, a definigao de corrente elétrica como movimento ordenado de cargas elétricas de Torres et al. (2016, p. 46) é inadequada por pelo menos dois motivos. Em primeiro lugar, como vimos na quarta segao, favorece a nogao de um fluxo mecánico ordenado de cargas elétricas de um ponto a outro que, em aplicagoes práticas, pode levar a inferir perdas de potencia em circuitos ao modo de uma corrente de água perdendo forga ou energia diante de obstáculos, ou seja, algo que pode se desgastar ou dissipar no circuito. Em segundo lugar, como vimos na quinta segao, a definigao nao trata das causas que viabilizam a emergencia de uma corrente elétrica, de forma que, pela lógica material, nao permite obter um conhecimento semanticamente verdadeiro.

Destaque-se que, assim como ocorreu no desenvolvimento histórico do conceito de eletricidade, as pessoas ten-dem a conceber eletricidade mecanicamente. Nao sem razao, uma nogao de corrente elétrica como fluxo de cargas elétricas que se transportam de um local a outro é muito mais atrativa e aceitável do que uma nogao de corrente elétrica como fenómeno emergente do movimento ordenado de deriva de elétrons livres em dado circuito fechado submetido a uma diferenga de potencial. Cabe ao ensino de Física desenvolver nos estudantes concepgoes corretas dos fenómenos físicos a despeito de suas complexidades. Nesse esforgo, definigoes mais precisas nos livros didáticos sao essenciais.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos as inestimáveis contribuigoes dos avaliadores da Revista de Enseñanza de la Física. Os equívocos rema-nescentes sao de nossa inteira responsabilidade. Lizandra Botton Marion Morini agradece o apoio institucional do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) e Fábio José Rauen agradece o apoio institucional da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) e do Instituto Anima.

REFERENCIAS

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1

   A unidade temática matéria e energia contempla: "o estudo de materiais e suas transformares, fontes e tipos de energia utilizados na vida em geral, na perspectiva de construir conhecimento sobre a natureza da matéria e os diferentes usos da energia" (Brasil, 2018, p. 325).

2

   Por exemplo, no 2° ano do ensino fundamental, trabalha-se o tema no contexto dos acidentes domésticos (2018, p. 331); no 5° ano, os estudantes devem explorar propriedades físicas dos materiais como a condutibilidade elétrica e, para isso, compreender como os corpos eletrizados se com-portam e mesmo como ocorre a geragao de energia elétrica (2018, p. 337).

3

   Muitas das habilidades a serem desenvolvida no 8° ano estao relacionadas a conceitos de eletricidade, como identificar e classificar diferentes fontes e tipos de energia utilizados em residencias, comunidades ou cidades; construir circuitos elétricos; classificar equipamentos elétricos resi-denciais; calcular o consumo de eletrodomésticos e tempo médio de uso; propor agoes coletivas para otimizar o uso de energia elétrica; e discutir e avaliar usinas de geragao de energia elétrica (Brasil, 2018, p. 349).

4

   Textualmente: "no Ensino Médio, espera-se uma diversificagao de situagóes-problema, incluindo aquelas que permitam aos jovens a aplicagao de modelos com maior nivel de abstragao e de propostas de intervengao em contextos mais amplos e complexos" (Brasil, 2018, p. 538).

5

   Conforme Rauen (2015, p. 57), o definiens tende a conter genero ou genus e diferenfas ou differentiae. O genero se refere a classe a que pertence o termo e as diferenfas se referem a "tudo aquilo que distingue a coisa representada pelo termo de outras coisas incluidas na classe".

6

   Além disso, conforme Rauen (2015, p. 57-58) resenha os trabalhos de Garcia (2006, p. 325-326), Fontes (2001) e Lakatos e Marconi (1986, p. 100102), em uma definifao: (a) "o termo definido deve pertencer ao género da definigao"; (b) "a definigao deve expressar a esséncia do que se define, de modo a convir integralmente ao que se define e somente ao que se define"; (c) "a definigao deve ser convertível para nao ser incompleta ou insatisfatória"; (d) "a definigao nao deve ser circular, ou seja, nao deve incluir o termo definido na própria definigao"; (e) "o termo (sujeito) e o género (predicado) deve pertencer á mesma classe de palavras"; (f) "a definigao deve ser suficientemente breve e estar contida num só periodo ou proposigao predicativa afirmativa"; e (g) "a definigao deve ser expressa em linguagem suficientemente simples".

7

   Em oposifao a uma definifao "estipulativa, lexical, nominal ou metalinguística" que "faz uma remissao a outro signo do sistema linguístico'' (Rauen, 2015, p. 57, itálico no original).

8

   Em oposifao a uma definifao prototípica, que "visa estabelecer um conjunto de características contra as quais determinados seres sao representantes típicos e outros sao qualificados nas margens da definigao, de modo que pode haver sombras na classificagao" (Rauen, 2015, p. 57).

9

   De acordo com Rauen (2015, p. 48), cabe a lógica estudar a correlafao formal entre o pensamento avaliado ou concordáncia do pensamento com ele mesmo, concordancia sintética, e cabe a epistemologia estudar a verdade do pensamento, avaliando a concordáncia do pensamento com os objetos, concordáncia semántica.

10

   Em outras palavras, a definifao deve ser capaz de estabelecer limites com os quais é possível dizer que o conceito é igual a si mesmo (P = P), que o conceito nao pode ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo (P^——>P) e que nao há um meio termo entre a afirmafao e a negafao (P v—>P).

11

   Sabia-se que o ámbar - "uma resina fóssil, proveniente de uma espécie extinta de pinheiro do periodo terciário, sólida, amarelo-pálida ou acas-tanhada, transparente ou opaca" (Assis, 2011, p. 8) - atraía debulhos com cascas de sementes, graos triturados ou pequenos objetos quando atritado com fibras naturais. Decorre do grego antigo qÁEKipov os termos 'eletricidade', 'elétrico' e, mais adiante, 'elétrons' (Assis, 2011, p. 17)

12

   Segundo Diógenes Laércio em Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres, "Aristóteles e Hipias afirmam que Tales atribui uma alma ou vida mesmo aos corpos inanimados, argumentando a partir do ima e do ámbar" (Laertius, 1991, p. 25). Todavia, Aristóteles em Sobre a alma diz que Tales atribuiu alma apenas ao íma (ASSIS, 2011, p. 11).

13

   Conforme Tonidandel, "sobre esta substancia o ámbar precisam ser ditas algumas coisas, para mostrar a natureza origem da ligagao dos corpos a ela, e para mostrar a grande diferenga entre esta agao e as agdes magnéticas" (apud Assis, 2011, p. 27, colchetes no original).

14

   â€œTermo utilizado para expressar pequeñas partículas que exalam da maioria, senao de todos, dos corpos terrestres, em forma de vapores invisíveis" (effluvium 1798 apud Boss, Assis e Caluzi, 2012, p. 105).

15

   Em cartas, Gray explica os fenómenos baseados nos eflúvios elétricos emitidos, refletidos e recebidos. "No ano de 1729, comuniquei ao Dr. Desaguliers e a alguns outros senhores uma descoberta que havia feito recentemente, mostrando que a virtude elétrica de um tubo de vidro pode ser transmitida para outros corpos, dando a eles a mesma propriedade de atragao e repulsao de corpos leves, tal como o tubo faz quando excitado por atrito. Essa virtude pode ser levada para corpos que estao a muitos pés de distancia do tubo" (GRAY apud Boss, Assis e Caluzi, 2012, p. 34).

16

   A atragao neste princípio só ocorreria entre um corpo eletrizado e outro nao eletrizado.

17

   Termo em latim para vidro (vidro, pedra cristal, pedras preciosas, pelo de animais, la etc.).

18

   Própria da seda ou do ámbar (resina copal, goma laca, linha, papel etc.).

19

   Conforme Whittaker, Augustin Coulomb (1736-1806) era favorável a teoria de dois fluidos (apud Silva e Pimentel, 2008, p. 58).

20

   Franklin cunhou os termos eletricidade positiva e negativa, respectivamente, para excesso e deficiencia de fluido elétrico. Os termos se aplicam hoje para excessos de prótons e elétrons, respectivamente.

21

   Quando o corpo recebe fluido, ele se acumularia na superfície, formando o que Franklin chamou de atmosfera elétrica. Franklin utilizou uma analogía com esponjas encharcadas para explicar a interagao entre matéria comum e elétrica. "Assim como a água transbordava de uma esponja já cheia, a matéria elétrica excedente 'transbordava' ao redor do corpo eletrizado" (Moura, 2018, p. 30).

22

   Segundo Morais (2014, p. 4), "a teoria dos dois fluidos e a teoria de um fluido dividiu o pensamento dos físicos. Olhando em retrospecto, a natureza da eletricidade foi um problema que só foi resolvido com a descoberta do elétron".

23

   A garrafa de Leyden, no início do século XIX, era o único meio armazenar e liberar fluxo elétrico ou, como chamamos hoje, capaz de realizar uma descarga elétrica. Conforme Jardim e Guerra (2018, p. 3) em nota de rodapé, trata-se de "um recipiente isolante que possui a superfície interna e externa revestidas por material condutor elétrico que, na época da sua construgao, era considerada capaz de armazenar o fluido elétrico".

24

   Para mais informagoes, ler Jardim e Guerra (2018).

25

   Daí a origem da palavra 'pilha'.

26

   Jardim e Guerra (2018, p. 12) define por eletrólise fenómenos de análise ou de decomposigao química promovidos por uma corrente elétrica.

27

   No sentido de transporte de eletricidade. Máquinas eletrostáticas, garrafas de Leyden e pilhas de Volta foram essenciais para desenvolver a nogao de corrente elétrica como fluxo que flui do gerador para os componentes.

28

   Wollaston, a partir de 1803, conseguiu isolar por eletrólise o paládio e o rádio, entre outros elementos químicos. Ele foi o primeiro cientista a observar a produgao de corrente elétrica em meios condutores utilizando as baterias eletroquímicas (Ornellas, 2006, p. 29).

29

   O objetivo era o de verificar a quantidade de eletricidade que passava na segao reta de cada condutor em dado tempo de observagao - o que ele chamou de corrente elétrica (Ornellas, 2006, p. 29).

30

   Conjunto de malhas planas e mesmo tridimensionais seriadas e em paralelos. Kirchhoff usou a lei de conservagao da carga e da conservagao da energia para elaborar o que chamou de lei das malhas e lei dos nós. Ele "verificou que em um nó a quantidade de corrente que entra pelos vários ramos do circuito é igual a quantidade que sai do nó pelos outros ramos associados" (Ornellas, 2006, p. 29).

31

   Conforme Morais (2014, p. 32), os trabalhos de Maxwell influenciaram uma geragao que incluiu George Francis Fitzgerald, Joseph Larmor, Oliver Lodge, Oliver Heaviside, Joseph John Thomson. Fitzgerald e Lodge desenvolveram modelos mecánicos para o éter. Uma hipótese era a de que o Ã©ter se comportaria como um sólido elástico capaz de resistir a tentativas de distorcer sua forma, e nao como um fluido que nao oferece tal resistencia. Ele se comportaria como um sólido elástico, no caso de vibragoes rápidas como as da luz, mas como um fluido no caso do movimento progressivo e bem mais lento dos planetas (Morais, 2014, p. 11-12).

32

   Em ambos os casos, o éter no corpo nao está mais em equilíbrio com aquele que é externo. Os esforgos por parte do éter para recuperar seu equilíbrio produzem todos os fenómenos da eletricidade.

33

   Os raios catódicos sao elétrons que sao arrancados do catodo e atraídos para o anodo por causa da diferenga de potencial existente entre eles. O tubo é onde os raios se estabelecem e formam vácuo.

34

   O modelo mais simples para os elétrons livres de um metal é considerá-los como um gás de partículas nao interagentes confinados em uma caixa. Os estados quánticos de uma partícula sao estados de partícula livre.

35

   Nos metais, os elétrons de valencia se desligam dos átomos e adquirem mobilidade para percorrer pelo sólido e, por isso, sao denominados elétrons de condugao.

36

   Por significado da sentenga define-se o significado independente de contexto atribuído por uma gramática; por significado do falante define-se o que o falante abertamente pretende transmitir de modo explícito ou implícito ao produzir um enunciado em uma ocasiao (Wilson, 2004).

37

   Estímulos ostensivos intencionais com os quais o falante pretende abertamente ou manifestamente produzir determinados efeitos cognitivos positivos numa determinada audiencia.

38

   Enquanto fórmulas bem formadas, ou sejam, conjuntos estruturados de constituintes que passam por "operagoes lógicas formáis determinadas pela sua estrutura" (Sperber e Wilson, 2001, p. 125).

39

   Conforme Sperber e Wilson (2001, p. 144), “um enderego conceitual é um ponto de acesso para as informagoes lógicas, enciclopédicas e linguísticas que poderoo ser necessárias para o processamento das formas lógicas que contem esse enderego".

40

   Recuperado de: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/corrente/. A escolha do dicionário Michaelis é ar-bitrária.

41

   Do latim currens, currentis particípio presente do verbo currere 'correr'.

42

Recuperado de: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/el%C3%A9trico/.

43

   Recuperado de: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/movimento/.

44

   Conceitos ad hoc sao tipicamente estreitamentos, quando sao mais restritos que o conceito codificado, ou alargamentos, quando sao mais amplos que o conceito codificado (Wilson, 2004).

45

   Recuperado de: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/carga/.

46

   Tecnicamente, elétrons em condutores metálicos - CARGA** - ou íons em solugoes iónicas - CARGA***.

47

   Nosso argumento é o de que, replicando ontologicamente o desenvolvimento histórico do conceito de eletricidade, as pessoas tendem a conce-ber eletricidade mecanicamente como um fluxo de matéria elétrica.

48

A despeito da subdeterminaglo semántica intrínseca imposta pela representadlo simbólica (Carston, 2002).

49

Nao obstante, a nogao de alinhamento poderia ser associada a de elos de uma corrente - CORRENTE4.

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